Trump força moda sustentável, mesmo sem querer: Make America Green Again (ups!)


Perry Mason (1957-1966) –John Bryant, Marion Ross

As políticas de Donald Trump que visam desencadear uma guerra comercial global e proteger a indústria americana podem ter um efeito secundário, no mínimo, curioso: um mundo mais verde. O homem que afirmou que o aquecimento global era uma "farsa", como se estivéssemos a discutir a existência do Pai Natal, pode ser o responsável por acelerar a transição para uma moda mais sustentável. Claro que nada disto foi planeado e, como tal, a piada faz-se por si só. Enquanto Trump pensa que está a "Tornar a América Grande de Novo", pode estar a tornar a pegada de carbono pequena... de novo. É como se, sem saber, estivesse a tentar construir um muro... de tecidos reciclados.

Entre tarifas, luxo e sustentabilidade forçada, afinal, que novos desafios a indústria da moda enfrenta?

Tradicionalmente ágil e moldável às exigências do mercado global, a indústria da moda encontra-se diante de um novo obstáculo ou de um novo cenário — menos estético e mais político. Isto porque as recentes políticas comerciais de Donald Trump, que reforçam tarifas pesadas sobre produtos provenientes da China, Vietname, Camboja e Bangladesh, impõem um abalo sistémico a um setor já pressionado por questões de sustentabilidade, excesso de oferta e mudanças nos hábitos de consumo.

Se pensarmos no impacto dos Estados Unidos, com 97% do vestuário e 99% do calçado importados, falamos de consequências diretas e severas. As marcas de fast fashion, com um modelo de negócio que assenta precisamente na produção massiva e barata em países asiáticos, veem-se, assim, obrigadas a escolher entre reduzir as margens de lucro ou transferir os aumentos de custos para os consumidores. É um dilema sem uma saída elegante (ou apetecível): calçado infantil chinês que salta dos 26 para os 41 dólares, ou ténis vietnamitas que passam dos 155 para os 220 dólares... O que antes era acessível transforma-se num “luxo” completamente ilusório.

Já no campo do luxo, as grandes Casas de Moda europeias como Louis Vuitton ou Gucci enfrentam outro tipo de pressão. Embora detenham maior poder na fixação de preços (por vários fatores que davam por si só um novo artigo), o mercado americano representa uma grande fatia do seu lucro. Além disso, as tarifas tornam mais difícil de justificar o preço de uma carteira de dois mil euros a um consumidor já bastante saturado por aumentos sucessivos, já para não falarmos sobre a imprevisibilidade das tarifas criarem um ambiente de incerteza (tanto para as marcas que precisam de previsibilidade, como para os seus investidores). Já para não falar da questão aspiracional... afinal, quantos podem desistir do status e da exclusividade neste cenário?

Entretanto, entre as ranhuras do sistema, emerge um fenómeno interessante: a sustentabilidade forçada "by Trump"

Uma das medidas mais significativas é a proposta (e possível implementação) de acabar com a “isenção de minimis”. Para quem ainda não está familiarizado com o termo, esta regra significa que produtos importados por menos de 800 dólares entrem nos EUA sem exigirem taxas alfandegárias — claro que esta é uma das mais-valias das gigantes da fast fashion (como Shein ou Temu), que podem vender diretamente ao consumidor americano, com custos mínimos.

Ora, se a eliminação desta isenção fiscal chegar ao fim, poderá, inadvertidamente, beneficiar o setor de slow fashion e revenda — segmentos que privilegiam a produção local, peças em segunda mão e a ética ambiental. Ou seja: a vantagem económica do fast fashion descartável esbate-se, e alternativas sustentáveis ganham espaço no mercado.

Num paradoxo irónico, Trump, com uma política protecionista e ostensivamente anti-ambiental, pode estar a empurrar a indústria para práticas mais sustentáveis...

Mas claro que Trump não está a pensar no ambiente — está apenas a jogar um jogo de força económica. Mas, ao dificultar o modelo económico de produção barata, rápida e globalizada que sustenta o fast fashion, acaba por empurrar a indústria em direções mais responsáveis e menos destrutivas.

No fundo, é aquilo a que podemos chamar de um caso clássico de "efeito colateral positivo" — uma medida pensada com outros fins (económicos e políticos), que pode vir a ter benefícios ambientais que nem os seus próprios autores previam… ou desejavam.

Mas, atenção, não somos tontos como tantos alguns. O que está em curso é uma guerra económica que, sob o pretexto de defesa da indústria americana, está a desestabilizar o mercado, a indústria, e o consumidor médio...

Resta-nos aguardar por novas Modas e deixar as políticas para aqueles que entendem verdadeiramente as consequências das mesmas.

Fonte: Versa, 7 de abril de 2025

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