A censura do bem

Alfred Hitchcock Presents / A Secret Life - Ronald Howard, Mary Murphy

Hoje, os líderes estado-unidenses ou europeus são incapazes de sequer pronunciar a palavra paz, negociação, diálogo

Desde fevereiro de 2022 que o Ocidente censura, proíbe e cancela a cultura russa. Como se assim estivesse também a bloquear as ações do Putin… O Carnegie Hall e a Ópera Metropolitana de Nova Iorque, por exemplo, barraram artistas russos, como a soprano Anna Netrebko. A Filarmónica de Zagreb suspendeu apresentações de composições de Tchaikovsky. A orquestra filarmónica de Cardiff (Gales) também removeu obras desse compositor. Uma universidade de Milão suspendeu um curso sobre a obra de Dostoiévski. Em Génova, um festival desse mesmo autor foi cancelado. A Royal Opera de Londres anulou uma temporada do Bolshoi. Espetáculos do Russian State Ballet of Siberia foram igualmente suspensos em Inglaterra, e uma temporada de Lago dos Cisnes da Royal Moscow Ballet – foi encerrada em Dublin, na Irlanda.

A Rússia também deixou de ser representada em grandes eventos internacionais como a Bienal de Veneza ou o Festival de Cannes, o festival de Estocolmo e o Festival de Cinema de Glasgow. No Brasil, a paulista Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo foi suspensa.

A Warner e a Sony juntaram-se à Disney e à Netflix e suspenderam a reprodução de novos filmes na Rússia.

No desporto, os casos multiplicam-se, no futebol, ténis, hóquei no gelo, vólei, com destaque para a triste interdição dos russos competirem nos Jogos Paralímpicos.

Não satisfeito, o Ocidente decretou ainda o boicote de vários canais noticiosos russos aos quais os cidadãos europeus deixaram de aceder livremente. Dizem que é a censura do bem, enquanto o outro lado é acusado da censura do mal. E até aplaudem.

Agora, a Rússia finamente retorquiu, bloqueando 80 canais noticiosos ocidentais, entre os quais alguns portugueses.

Os democratas de algibeira não gostaram e até Luís Montenegro veio bradar que «repudia esta decisão» e que é pela «defesa da liberdade de expressão» e pela «solidariedade com o jornalismo livre». Este elástico ético já vai lasso e bambo. Eis a insanidade ocidental nos tempos que correm: tudo é justificável e desculpável para atacar a Rússia, inclusive o que é injustificável e indesculpável.

Mas quem quer esta Europa que infantiliza os seus e os tutela com uma verdade única numa democracia de certezas absolutas?!

Ler o comunicado da embaixada russa sobre esta matéria suscita uma funda vergonha alheia. No mínimo. Mais de dois anos após os primeiros bloqueias europeus, dizem: “Moscovo avisou repetidamente os líderes da UE de que tais restrições politicamente motivadas contra o jornalismo russo provocariam uma resposta adequada.” E ainda: «A Rússia declara-se disposta a reconsiderar a decisão tomada ontem se as restrições impostas pela UE aos nossos meios de comunicação social forem levantadas».

Só que não. Chamam-lhe russofobia, mas trata-se da denegação dos próprios princípios e valores europeus, tanto como da criação de um ambiente destrutivo, persecutório, uma atmosfera odiosa, pasto de histerias, radicalismos e nacionalismos. E assim se soma guerra à guerra, sangue ao sangue, morte à morte. Hoje, os líderes estado-unidenses ou europeus são incapazes de sequer pronunciar a palavra paz, negociação, diálogo. Oxalá ainda amem os seus filhos. Tomara.

Joana Amaral Dias

Fonte: Sol, 28 de junho de 2024

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