Há cinco opções para governar França, mas a esquerda radical não vai perdoar o golpe de Marcon

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Previu-se uma catástrofe para Macron por ter embarcado numa “aposta suicida”. Escreveu-se que o presidente francês tinha perdido toda a autoridade quando o partido de Le Pen venceu a primeira volta das legislativas e esteve em curso para fazer tombar o pupilo do chefe de Estado, Gabriel Attal. E até se anunciou uma nova ordem política para a velha república que passaria a estar suspensa nos extremos. Depois da derradeira eleição de domingo, contudo, quem observe superficialmente o cenário político gaulês, ficará com a ideia de que tudo isto terá sido um exagero.

Emmanuel Macron continua a ter em cima da mesa vários cenários de governabilidade para afastar a extrema-direita e a extrema-esquerda do poder. E conseguiu manter, embora provisoriamente, Gabriel Attal no cargo de primeiro-ministro - mesmo depois deste ter pedido a sua demissão face aos resultados de domingo que deram a vitória à frente popular de esquerda.

Porém, as entranhas da política francesa contam outra história e a nova configuração do Parlamento, que está neste momento suspenso, aponta para uma mudança radical dos equilíbrios governativos que pode vir a agudizar-se em 2027, quando se disputar o lugar de Macron. “Há uma mudança das placas tectónicas”, defende o ex-ministro e professor universitário Azeredo Lopes. “O partido de Le Pen passou, em duas eleições, de um deputado para 135, enquanto isso a direita tradicional perdeu mais de 80 deputados”.

Para já, essa mudança tem de ter repercussões práticas, sendo a mais premente a de quem irá ser primeiro-ministro. Vítor Gabriel Oliveira, Secretário-Geral da SEDES Europa, afirma que Macron tem neste momento cinco opções para responder a essa questão. "Provavelmente não lhe terá saído ao milímetro como pretendia, mas Macron não sai derrotado", acrescenta.

A mais prática é tentar “uma solução que exclua os extremos”, resultando num governo da Frente Popular que não tenha Jean-Luc Mélenchon como líder. Isso poderia significar “que o centro deixe passar a governação”. Um sinal disto tem sido o bloqueio que o partido de Macron, o Ensemble, tem decretado ao LFI de Mélenchon - mesmo antes de os resultados terem sido conhecidos, já os centristas apontavam para essa linha vermelha: “Não há nem nunca haverá uma aliança com a França Insubmissa (LFI)", disse Gabriel Attal na sua conta oficial no X.

Outra solução, afirma o especialista, é uma união entre o Ensemble, o LR que obteve 46 deputados, e as diversas direitas, o que juntos conjugam 231 votos. “Não sendo uma maioria, a presença de partidos mais próximos do centro na Frente Popular, “como os ecologistas e os socialistas, levaria a um não bloqueio desta solução”.

Se um governo de centro-direita pode vir a ser uma solução, um “completamente central” também aparece como viável. “Isto se o Partido Socialista, que conseguiu 65 deputados, se unir ao Ensemble de Macron e ao LR”, destaca Vítor Gabriel Oliveira, que acrescenta que há mais dois outros cenários que acredita serem quase implausíveis: “Um é um governo técnico liderado por Gabriel Attal, o que é possível na teoria, mas muito improvável. Outro é a demissão do presidente, o que também não me parece plausível”.

Em nenhuma dessas soluções aparece o RN liderado por Le Pen e que procurava investir Jordan Bardella no cargo de primeiro-ministro. O jovem de 28 anos, ao conhecer os resultados, assumiu a derrota e confidenciou estar concentrado em liderar uma nova força política no Parlamento Europeu de extrema-direita, para onde também deverá entrar o Chega. Le Pen, que apareceu tímida, garantiu, no entanto, que a realidade indica não uma derrota, mas uma “vitória adiada”.

Já Jean Luc-Mélenchon reclamou para si a vitória sem maioria da coligação de esquerda em que tomou parte e apelou a Macron que chame “a Nova Frente Popular a governar". Uma solução que agrada também ao antigo chefe de Estado François Hollande que após os resultados deste domingo vai voltar para o parlamento.

“É verdade”, conclui Riccardo Marchi, historiador e especialista em movimentos populistas, a “coligação Macron-esquerda-esquerda radical funcionou muito melhor do que Le Pen esperava, isto porque existiu uma transferência de votos significativa entre os moderados liberais que usualmente votariam no partido do presidente francês que decidiram votar no LFI”.

No entanto, aponta o especialista, a forma como Macron tem estado a lidar com o escrutínio de domingo é “bastante perigosa”. “Macron novamente dá a imagem de representar aquelas elites totalmente distantes do povo” e “fez de conta que as eleições não contam”. “Isto pode aumentar o descontentamento popular, porque apesar de tudo o eleitorado transmitiu uma vontade de mudança, vista num aumento de votos da Frente Popular e do RN”, afirma Riccardo Marchi, acrescentando que é provável que a “esquerda radical aproveite este golpe de Macron, de manter o poder como estava antes das eleições”.

Fonte: TVI Notícias, 8 de julho de 2024

O mais interessante das eleições é palradores e comentadores acreditarem nas suas próprias mentiras e repetirem-nas eleição após eleição. No dia seguinte, apresentam-se muito espantados pelo resultado “imprevisível”, as “sondagens falharam”, “resultado totalmente inesperado” e outros ditos que saem da boca para fora. Assim foi em 2017. Ou até em 2002.

Marine Le Pen e Emmanuel Macron disputarão a presidência da França e o destino da Europa

De acordo com as projeções, o europeísta e liberal enfrentará a líder ultradireitista no segundo turno

A eleição será transparente, sem risco de confusão e pontos de conexão entre os candidatos, duas propostas antagónicas para o futuro da França e da Europa. Emmanuel Macron, do novo partido Em Marcha!, e Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional, são os mais votados no primeiro turno das eleições francesas de 23 de abril. Os dois enfrentar-se-ão no segundo turno, em 7 de maio. O próximo presidente será ou um ex-banqueiro com pouca experiência e uma mensagem europeísta e liberal, ou a herdeira da ultradireita, partidária da saída da União Europeia. Macron parte como franco favorito para o segundo turno, de acordo com as sondagens.

A maior votação em Macron, de 39 anos, e em Le Pen, de 48 anos, no primeiro turno das eleições deixa de fora as duas grandes famílias políticas francesas – a socialista e a gaullista – pela primeira vez desde a fundação da V República em 1958. Coloca frente a frente dois candidatos que não aceitam o rótulo de esquerda e direita e pretendem ser transversais, ainda que Le Pen esteja geneticamente e filosoficamente dentro da tradição da direita radical autóctone, e que a filiação de Macron seja indissimulável – criado politicamente no Palácio do Eliseu do presidente em final de mandato François Hollande – com a centro-esquerda socialista, uma espécie de terceira via à francesa.

Nos minutos seguintes ao anúncio dos resultados, Macron recebeu uma avalanche de apoios para o segundo turno, procedentes da esquerda, mas também, significativamente, dos Republicanos do conservador François Fillon, o grande derrotado da noite. O próprio Fillon, os ex-primeiros ministros Alain Juppé e Jean-Pierre Raffarin e os barões regionais da direita como Christian Estrosi, declararam que votariam em Macron, adversário deles até esta mesma noite, para travar Le Pen. A mobilização a favor do candidato do Em Marcha! é um ensaio da formação de uma frente republicana - uma ampla coalizão de esquerdas, centro e direita contra a extrema direita - para evitar a vitória da Frente Nacional.

A disputa final entre Le Pen-Macron abre a incógnita sobre qual será a maioria parlamentar do próximo presidente. Ganhe quem ganhar, não está claro se os seus partidos terão capacidade suficiente para atrair os deputados necessários para governar nas eleições legislativas de 11 e 18 de junho.

Começam duas semanas de intensa campanha em que batalharão duas visões opostas sobre o futuro da França, da Europa e do mundo. A disputa reproduz o que ocorreu em junho de 2016 no Reino Unido entre os partidários de se continuar na UE e os partidários de abandoná-la, e em novembro do mesmo ano nos EUA entre a candidata democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump.

É a mesma rutura atravessada pelas sociedades ocidentais na complicada década posterior à grande recessão. De acordo com o país, e de acordo com a cor ideológica de quem formula a análise, adota uma definição diferente, mas as linhas divisórias são as mesmas. Povo contra elite; perdedores contra ganhadores da globalização; campo contra cidades; pessoas sem e com educação superior; nacionalismo contra internacionalismo; fechamento e abertura; intervencionismo económico e liberalização suave.

As sondagens feitas antes da eleição da noite de domingo prognosticavam, no caso de uma disputa entre Le Pen e Macron no segundo turno, uma vitória folgada de Macron. Mas a ida dos dois à próxima fase pode transformar a dinâmica de uma campanha na qual até agora participaram onze candidatos. Le Pen e Macron deverão se esforçar para ampliar o campo, seduzir eleitores de outros candidatos para somar os 50% de votos mais 1 necessários para se transformar no próximo presidente da França. Nos próximos dias se espera que Hollande peça o voto por Macron e que os candidatos derrotados se pronunciem e eventualmente façam parte da campanha de um dos finalistas.

Le Pen parte de uma posição de desvantagem. Durante semanas as sondagens previam que seria a mais votada. Se ficar em segundo, como apontam as primeiras projeções, será uma pequena derrota.

O FN, o partido fundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, e que ela herdou, viveu durante décadas estigmatizado na vida pública francesa. É preciso ver se os esforços para acabar com essa mácula desde que ela assumiu o comando e rompeu com seu pai deram resultado.

O drama da FN nas eleições recentes é que, por mais que seja o partido mais votado nas eleições regionais e municipais, no segundo turno o resto dos eleitores se une contra ele e o elimina. Isso ocorreu com a própria Le Pen em seu feudo da região Nord-Pas de Calais, quando no primeiro turno das regionais de 2015 obteve 40% dos votos, mas perdeu no segundo turno. A FN ganhou em seis regiões no primeiro turno daquelas eleições, mas não governa em nenhuma. Apesar de contar com o apoio de no mínimo 20% dos franceses, o partido só tem dois deputados na Assembleia Nacional. O sistema por turnos, também presente nas legislativas, o condena. E este é seu maior obstáculo agora: romper com a tática de “todos contra Le Pen” no segundo turno das eleições presidenciais, em 7 de maio.

Um primeiro passo poderia ser suavizar as promessas menos populares do seu programa, como a saída da União Europeia e do euro para voltar ao franco francês. A esperança de Le Pen é seduzir uma combinação de eleitores do setor mais duro dos Republicanos de Fillon e de simpatizantes da extrema esquerda que querem golpear o sistema.

Macron, por sua posição central no tabuleiro, pode ter mais facilidade para atrair tanto os eleitores da esquerda como os da direita. Contará com o aval de boa parte do establishment económico e político, e do amplo espectro de eleitores que veem a FN como um partido tóxico, de viés quase fascista. Se em 2002, quando Jean-Marie Le Pen passou por surpresa ao segundo turno, milhões de simpatizantes da esquerda votaram no direitista Jacques Chirac e deram-lhe a vitória mais folgada da história da Quinta República, desta vez poderá ocorrer algo semelhante.

A disputa Macron-Le Pen representa, em todo caso, uma rutura com o sistema e uma rejeição à classe política que governa o país há décadas, cada um com uma ótica distinta. Há um ano parecia que nestas eleições estariam se enfrentando figuras como o presidente François Hollande e seu antecessor, Nicolas Sarkozy. No fim, estas serão as eleições de troca da guarda na França.

Macron, que trabalhou no banco de investimentos Rotschild e foi ministro da Economia de Hollande, é um recém-chegado à cena política, um desconhecido do grande público até dois anos atrás que saltou todas as etapas exigidas de um aspirante presidencial. Sua vitória faria dele o presidente mais jovem da Quinta República. Ele representaria uma renovação geracional, um novo estilo. A vitória de um ex-banqueiro europeísta, favorável à globalização, liberal e apoiado pelo establishment de seu país obrigaria a revisar a “narrativa” sobre a onda populista nas sociedades ocidentais.

Apesar de o sobrenome Le Pen ser uma presença pública desde os anos cinquenta e contar com o apoio de milhões de franceses, Marine Le Pen foi excluída dos círculos do poder. Se ganhar, a troca da guarda seria o menos significativo. Com uma presidente favorável à saída da UE e do euro e ao fechamento das fronteiras à imigração, a França e a Europa entrariam em um terreno desconhecido.

Fonte: El País, 24 de abril de 2017

2002: O choque do segundo turno na presidencial

Nas eleições presidenciais de 1988 e 1995, Jean-Marie tinha mostrado ser capaz de reunir em torno de 15% dos votos. Ainda assim, em 2002, a verdadeira disputa, esperava-se, seria entre o então presidente, o conservador Jacques Chirac, que disputava a reeleição, e o socialista Lionel Jospin, que ocupava o posto de primeiro-ministro desde 1997.

Só que o desgaste político que Chirac e Jospin tinham acumulado, somado a uma pulverização da esquerda – que lançou vários candidatos – e a abstenção jogaram a favor de Jean-Marie de maneira surpreendente. Pela primeira vez desde o pós-guerra, um candidato de extrema direita chegava ao segundo turno presidencial. Jean-Marie havia tomado o lugar de Jospin, ao conquistar 16,8% dos votos.

À época, a França registava um aumento de casos de agressão e de delinquência juvenil, especialmente nas periferias. Era um tema caro à FN, que conduziu uma campanha de "lei e ordem".

No entanto, olhando de perto, a base de Jean-Marie não aumentara significativamente em relação ao primeiro turno de 1995 (ele só recebeu 233 mil votos a mais). E, no segundo turno acabaria virando um saco de pancadas. Todos os partidos do establishment se uniram em torno de Chirac, que nem precisou fazer campanha e acabou reeleito com 82% dos votos.

Mas o feito quase acidental de tomar o lugar de Jospin evidenciaria que a extrema direita tinha potencial para avançar com o desgaste dos partidos tradicionais. O mapa eleitoral ainda mostrou que a FN se tinha fixado de vez nas cinturas da ferrugem do nordeste da França, e também na região de Calais, que no fim dos anos 1990 passou a ser ponto de passagem para imigrantes ilegais que tentavam chegar ao Reino Unido, alimentando tensões locais.

Fonte: DW, 7 de julho de 2024

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