Os polémicos bastidores do filme “Último Tango em Paris”
O filme recebeu duas nomeações ao Oscar: Melhor Ator e
Melhor Realizador. Mas foi denunciado pela Organização Nacional das Mulheres
como uma ferramenta de “dominação masculina”, chegando a ser proibido em vários
países.
O filme foi o único caso italiano condenado à fogueira em 76
e, por esta razão, o realizador foi privado dos direitos civis durante cinco
anos. Em 1987, a Censura absolveu o filme, permitindo a sua exibição nos
cinemas. Isso só foi possível graças a uma cópia guardada secretamente pelo realizador.
Alguns críticos proeminentes definiram a obra como "o filme mais
libertador alguma vez feito".
Grande parte do filme foi baseado nos abusos sofridos pela então desconhecida atriz Maria Schneider, de 19 anos. A história foi contada, recentemente, por Vanessa Schneider, prima de Maria, num livro.
Marlon Brando não foi a
primeira escolha
Segundo Vanessa Schneider, antes de Brando, outros atores
recusaram o papel, devido ao enredo explícito. Brando, em dificuldades
financeiras após uma série de fracassos, aceitou o papel, sem saber que
alcançaria grande sucesso com “O padrinho”, naquele mesmo ano.
A prima de Maria escreveu que a atriz recusou o pedido de
cirurgia antes das filmagens, mas essa foi a sua única recusa. “A partir de
então, nada seria pedido, apenas exigido”. Apesar do argumento, o seu
empresário disse-lhe: “Você não pode recusar um papel principal ao lado de
Marlon Brando!”
Em 2007, a atriz disse que ganhou cerca de 2900 euros pelo filme, enquanto Brando e Bertolucci ganharam "uma fortuna". Maria também revelou que quase se recusou a fazer o filme porque era muito jovem e não entendia o seu conteúdo sexual. “Tive um mau pressentimento sobre isso”, disse ela. Os seus instintos estavam certos.
Enquanto Brando estabeleceu limites para as filmagens,
Schneider trabalhava em turnos exaustivos, às vezes 14 horas por dia. Ela
perdeu 4,5 quilos e era frequentemente encontrada chorando no set. Certa vez,
quando reclamou com Bertolucci, ele disse-lhe: "Você não é nada. Eu
descobri-te", segundo relatou a sua prima no livro.
A cena da manteiga
A pior parte das filmagens para Schneider veio com a cena da
manteiga. Em 2007, a atriz contou que a cena não estava no argumento original.
“Marlon disse-me: ‘Maria, não se preocupe, é só um filme’, mas durante a cena,
mesmo que o que Marlon estava a fazer não fosse real, eu chorava lágrimas de
verdade... senti humilhação, ridicularizada, tanto por Marlon quanto por
Bertolucci. Depois da
cena, Marlon não me consolou nem pediu desculpas”, disse ela ao Daily
Mail.
Em 2016, surgiu um vídeo do realizador falando sobre o
ocorrido. “Fui horrível com Maria, porque não lhe contei o que estava a
acontecer. Queria a reação dela como rapariga, não como atriz... queria que ela
sentisse, e não representasse, a raiva e a humilhação”, disse Bertolucci,
acrescentando que se sentia “muito culpado”, mas não arrependido.
Uma onda de condenações em
Hollywood
Após surgirem as declarações do realizador, houve uma onda
de condenações por parte de Hollywood. “Para todas as pessoas que amam este
filme: vocês estão assistindo uma menina de 19 anos sendo abusada sexualmente por um
homem de 48”, tuitou a atriz Jessica Chastain. Chris Evans disse que
foi "mais que nojento" e Evan Rachel Wood disse que foi
"comovente e ultrajante".
Entretanto, em 2019, quando questionado sobre qual filme
gostaria de interpretar, Brad Pitt respondeu: “'Último Tango em Paris': o que
isso diz sobre mim?”. A sua colega Margot Robbie, presente, prometeu
explicar-lhe mais tarde.
O filho de Brando defende seu
pai
Na Inside Edition, o filho de Brando, Miko,
defendeu-o das acusações de agressão à atriz. “Esse não é o meu pai, ele não
era aquele homem… Ele era a favor dos direitos humanos, dos direitos civis… ele
era a favor do povo, não contra o povo.”
Embora Schneider tenha dito que se sentiu violada por
Brando, ela, aparentemente, disse à prima que sempre se lembraria dele como um
homem generoso e justo. “Ele respeitava todas as pessoas, independentemente da
sua importância”. Embora furiosa, ela disse que trabalhar com Brando foi o
melhor momento do filme, e mesmo sendo amiga dele.… ela morreu odiando o realizador.
Após a triste cena, Vanessa Schneider disse que Maria ficou
furiosa e destruiu o cenário: “Saiu da filmagem despedaçada, sentindo que essa
cena a marcou para sempre, como uma tatuagem má”. Maria também admitiu o seu
colapso nervoso.
Na estreia francesa o público
odiou
Durante a estreia francesa, Jean-Luc Godard teria saído do teatro depois de dez minutos
gritando: "Horrível!". No final, o restante do público, envergonhado e calado, saiu, evitando
olhar para a atriz. A única pessoa que a consolou foi Jean Seberg, que a
abraçou e disse para ela se cuidar, segundo Vanessa Schneider.
Uma reputação difícil de
lidar
Maria Schneider teve dificuldade de lidar com a fama e
começou a usar substâncias. Certa vez, ela teve uma overdose e, noutra ocasião,
até tentou tirar a própria vida. “Não gostava de celebridades e, sobretudo, da
imagem cheia de insinuações que as pessoas faziam de mim depois do
filme.", disse ela, em uma entrevista em 2001.
Outros filmes de Maria
Schnieder
Em 1975, a atriz estrelou ao lado de Jack Nicholson o bem
recebido filme “The Job: Reporter”. Tornou-se o projeto favorito da
atriz. No mesmo ano, também protagonizou o thriller "Baby Sitter".
A sua experiência em Último Tango em Paris deixou-se
marcada. Ela foi expulsa de dois filmes por se recusar a fazer cenas explícitas
ou se despir completamente. Isso lhe deu uma reputação que dificultou a sua
procura de trabalho. Mas ela
nunca mais tirou a roupa no cinema. Ela canalizou a sua raiva para
ajudar a sociedade, administrando uma organização chamada "The Wheel
Turns" para atores idosos desempregados.
Em 2011, Maria Schneider morreu, aos 59 anos, após uma
batalha contra o cancro. A sua história tornou-se cada vez mais poderosa ao
longo do tempo, especialmente com a crescente conscientização dos abusos de Hollywood. Uma
lição importante que ela deixou, segundo o Guardian, é: “Nunca tire a roupa para um homem
de meia-idade que diz que aquilo é arte”.
Fonte: Showbizz
Estreado quinta-feira, 8 de agosto de 1974 no São Jorge
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