Israel está a fazer uma "limpeza étnica" em Gaza. Quem o diz é um ex-ministro e chefe do exército
Um antigo ministro da Defesa de Israel altamente condecorado
provocou uma tempestade de fogo ao acusar o país que serviu de efetuar uma
limpeza étnica dos palestinianos no norte de Gaza.
Moshe Ya'alon, que serviu durante três décadas nas Forças de
Defesa de Israel (IDF), incluindo na unidade de elite de comandos Sayeret
Matkal e como chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, disse também acreditar
que Israel estava a perder a
sua identidade de democracia liberal e a tornar-se um “Estado messiânico
fascista, corrupto e leproso”.
“Conquista, anexação, limpeza étnica - veja-se o norte de
Gaza”, disse Ya'alon à Democrat TV de Israel.
O entrevistador mostrou-se surpreendido com o facto de
Ya'alon ter usado a expressão “limpeza étnica”, perguntando: “É isso que pensa
- que estamos a caminho?”
Porquê “a caminho?”, questionou. “O que é que está a
acontecer lá? Não há Beit Lahia. Não há Beit Hanoun. Atualmente, estão a operar
em Jabalya e, essencialmente, estão a limpar a área dos árabes”, disse,
referindo-se às IDF.
Há dois meses que o exército israelita está a levar a cabo
uma operação intensa e mortífera no norte de Gaza, visando o que diz serem militantes do Hamas que estão a
ressurgir. O exército israelita disse a todos os civis que, para sua
própria segurança, deviam dirigir-se a uma zona humanitária no sul de Gaza.
Milhares de civis palestinianos recusaram-se a partir, depois de mais de um ano
em que lhes foi dito para evacuarem para zonas de Gaza que também são alvo de
ataques israelitas. De acordo com o Programa Alimentar Mundial, foram poucas as
entregas de ajuda humanitária que foram autorizadas no norte de Gaza.
Os militares israelitas, em resposta a Ya'alon, negaram que
estivessem a proceder a uma limpeza étnica no norte de Gaza e afirmaram que operavam “de acordo com o direito
internacional e retiravam os civis com base na necessidade
operacional, para sua própria proteção”.
O governo ainda não apresentou um plano para o pós-guerra em
Gaza. Também negou que esteja a implementar uma proposta de “rendição ou fome” no norte
de Gaza apresentada por um general reformado, Giora Eiland - embora tenha
considerado o plano.
“Levantei um espelho às declarações de muitos ministros e
membros do Knesset (parlamento) do governo”, disse Ya'alon numa segunda
entrevista, ao Canal 12. “Sob este título, a limpeza étnica está
efetivamente a ser levada a cabo; não tenho outra palavra para isso”.
O entrevistador disse que essa frase evocava “períodos
negros” da história.
“É verdade, e eu usei este termo de propósito para fazer
soar o alarme”, respondeu o antigo ministro da Defesa.
As fações extremistas da política israelita têm apelado ao
estabelecimento de colonatos judeus em Gaza quase desde o início da guerra, na
sequência do ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023. Os soldados que prestam
serviço em Gaza têm promovido regularmente o regresso de Gush Katif - os
colonatos de Gaza destruídos quando Israel se retirou unilateralmente do
território em 2005. E as ideias ganharam força: em outubro, centenas de
ativistas e vários ministros de topo participaram numa conferência sobre Gush Katif
perto da fronteira de Gaza.
“Precisamos
de ficar lá, precisamos de estabelecer uma colónia judaica florescente lá”,
disse o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, conotado com a
extrema-direita, numa entrevista ao canal de televisão israelita Kan, na
segunda-feira. “Tanto porque
esta é a terra de Israel como porque garante a segurança dos residentes do Sul”.
Ya'alon juntou-se a um coro crescente nas últimas semanas,
referindo-se à operação militar de Israel no norte de Gaza como “limpeza
étnica”.
O jornal israelita Haaretz publicou um editorial no
final de outubro com o título: “Se parece limpeza étnica, provavelmente é”. A
Human Rights Watch afirmou no mês passado, num relatório de 154 páginas, que
Israel supervisionou a deslocação forçada em massa de palestinianos em Gaza,
numa campanha deliberada e sistemática que constitui um crime de guerra e um
crime contra a humanidade. Josep Borrell, o principal diplomata da União
Europeia, disse acreditar que “não é por acaso que as palavras ‘limpeza étnica’
são cada vez mais utilizadas para descrever o que se está a passar no norte de
Gaza”.
No mês passado, o Tribunal Penal Internacional emitiu
mandados de captura contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o antigo
Ministro da Defesa Yoav Gallant, afirmando ter “motivos razoáveis” para
acreditar que Netanyahu tem responsabilidade criminal por crimes de guerra,
incluindo “a fome como método de guerra” e “os crimes contra a humanidade de
assassínio, perseguição e outros atos desumanos”. Foi também emitido um mandado
de captura para um alto funcionário do Hamas.
O ex-ministro da Defesa disse que, ao ver o que se está a passar em Gaza, já não pode usar o frequentemente citado nome das IDF como as forças armadas “mais morais” do mundo.
“As IDF
não são atualmente o exército mais moral”, afirmou. “É difícil para
mim dizer isso”.
A sua intervenção suscitou duras críticas de antigos colegas
militares. “Mentir e prejudicar o Estado de Israel e as IDF não é seguir uma
bússola - é uma ilegalidade”, afirmou numa declaração o político Benny Gantz,
que também foi chefe do Estado-Maior. “As IDF fizeram tudo para minimizar a perda de vidas civis”,
afirmou Naftali Bennett, que também serviu na unidade de comando Sayeret
Matkal. “A população é afastada do perigo para sua própria segurança. As IDF
não têm apenas o direito de o fazer, tem também a obrigação de o fazer”.
Ya'alon disse que, embora os comandantes militares possam
acreditar que as suas ações são puramente operacionais, os políticos têm outros
planos em mente - e as suas palavras foram dirigidas a eles.
“Estou a falar de soldados que deslocam populações, pensando
que é para fins operacionais”, notou Ya'alon. “Mas a intenção de Smotrich, Ben Gvir, Strook e Daniela
Weiss” - todos colonos declarados - "é uma intenção aberta e declarada".
Fonte: CNN Portugal, 2 de dezembro de 2024
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