Como a indústria de armamento empurrou Trump para a guerra com o Irão

 

O presidente assistia bastante à Fox News, que foi dominada por vozes de contratistas de defesa a defender ataques dos EUA

De acordo com uma longa reportagem do New York Times, a decisão do presidente Trump, a 22 de junho, de autorizar ataques aéreos a instalações nucleares em todo o Irão foi influenciada em parte pela Fox News. Durante dias, Trump foi alimentado com uma dieta constante de personalidades pró-guerra no canal por cabo, como o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, o príncipe herdeiro exilado Reza Pahlavi e congressistas anti-Irão da linha dura, como o senador Lindsey Graham (Republicano da Carolina do Sul).

No entanto, de acordo com uma análise da RS, muitos outros convidados da Fox foram financiados pela indústria de defesa, que certamente beneficiaria da mudança para uma guerra feroz entre Israel, os EUA e o Irão. Um a um, estes convidados alinharam-se nos ecrãs de TV da Casa Branca para elogiar os ataques de Israel e pedir um maior envolvimento dos EUA. Como disse sem rodeios o fundador e CEO da Palantir, Alex Karp, em 2022: "maus tempos são muito bons para a Palantir". É claro que muitos destes conflitos de interesses não foram divulgados no ar.

Um dos funcionários de Karp, o ex-deputado Mike Gallagher (Republicano do Wisconsin), apareceu na Fox elogiando a campanha de guerra de Israel contra o Irão. “Acho que, para além da destruição física que os ataques de Israel provocaram, está em curso uma espécie de destruição mental, certo? Eliminar líderes-chave da Guarda Revolucionária Islâmica, eliminar 8 dos 13 principais cientistas iranianos,” disse ele, referindo-se ao assassínio de oficiais superiores da Guarda Revolucionária. “Acredito que atrasámos o programa nuclear, mas esta é apenas a fase inicial de um processo complexo, multifásico, de avanços e recuos, e [é] importante que nós, os Estados Unidos, apoiemos firmemente o nosso aliado mais próximo no Médio Oriente, Israel.”

Gallagher é agora o chefe de defesa da Palantir, uma empresa militar que fornece recursos de segmentação por IA. No ano passado, a Palantir assinou um acordo com o ministério da Defesa de Israel para "utilizar a tecnologia avançada da Palantir em apoio de missões relacionadas com a guerra".

O colaborador da Fox News, general Jack Keane (na reserva), também fez várias aparições para discutir a guerra, defendendo o uso de B-2 e bombas anti-bunker no Irão. Keane foi rápido a descartar alternativas. "Há opções que os israelitas têm", disse, "mas nenhuma delas é tão boa como a que nós temos".

Keane, um defensor proeminente do "reforço" das forças dos EUA no Iraque há 17 anos, é ex-membro do conselho de administração da General Dynamics, e o seu think tank, o Institute for the Study of War, recebe financiamento da empresa. Segundo a sua última declaração à SEC em 2018, Keane possuía mais de 14 000 ações da General Dynamics, o que hoje equivale a mais de 4 milhões de dólares (não se sabe quanto disso, se algum, ainda possui atualmente).

Um submarino da classe Ohio da General Dynamics, provavelmente o USS Georgia, teve um papel no ataque dos EUA ao Irão, lançando mais de duas dezenas de mísseis Tomahawk contra alvos iranianos. O secretário da Marinha, John Phelan, afirmou aos legisladores que o submarino "teve um desempenho excecional, causando danos significativos à capacidade nuclear do Irão" durante o ataque.

O ex-diretor da CIA David Petraeus também apareceu várias vezes na Fox News antes e depois do ataque dos EUA. A 17 de junho, Petraeus disse à apresentadora Martha MacCallum que o presidente tem duas opções: “Uma é reforçar o ultimato que já deu de rendição incondicional e dizer… concordam em abandonar por completo o vosso programa nuclear, não haverá qualquer negociação sobre o assunto, e permitir à Agência Internacional de Energia Atómica o direito total de inspeção, ou iremos destruir o complexo de enriquecimento de Fordow.”

Petraeus é sócio da KKR, uma empresa de capital privado que é um grande investidor na maior plataforma de gestão imobiliária de Israel, a Guesty, e detém ou investe em muitas empresas de defesa, incluindo empresas israelitas de cibersegurança. Petraeus é também consultor estratégico da empresa israelita de cibersegurança Semperis.

Brian Hook, vice-presidente de investimentos globais na firma de capital privado Cerberus Capital Management, especializada no setor de defesa, e que liderou a campanha de “pressão máxima” contra o Irão durante o primeiro mandato de Trump, também apareceu na Fox News nos dias que antecederam os ataques dos EUA. “Eles [Israel] têm bombardeado as instalações de pesquisa nuclear. E acho que essa campanha vai continuar. Como disse, é multifacetada e tem sido planeada há anos — e agora Israel acionou a ratoeira”, afirmou.

Entre outros investimentos, a Cerberus possui uma empresa de hipersónicos e uma empresa militar privada que treinou os assassinos do jornalista saudita Jamal Khashoggi.

É claro que muitas das vozes pró-guerra mais expressivas da Fox — como Sean Hannity e Mark Levin — não trabalham para a indústria da defesa. E outros simplesmente não divulgam nada publicamente sobre os seus financiamentos, pelo que nem sempre podemos saber.

Mark Dubowitz, antigo defensor do Iraque e CEO da Fundação para a Defesa das Democracias, fez dez aparições na Fox News, Fox Business e LiveNOW, a partir da Fox, entre os ataques israelitas ao Irão e a decisão dos EUA de se juntarem diretamente à guerra. Dubowitz passou o seu tempo no ar a pedir ao presidente Trump que desmantelasse as instalações nucleares iranianas. A Fundação para a Defesa das Democracias não divulga as suas fontes de financiamento.

Em 23 de junho, Trump anunciou um cessar-fogo entre o Irão e Israel, embora ainda esteja por ver se as partes irão cumprir o acordo. A ofensiva pró-guerra na Fox durante todo o conflito foi implacável, com dissidentes de direita proeminentes como Steve Bannon e Tucker Carlson notavelmente ausentes. Alguns conselheiros de Trump lamentaram em privado que vozes de oposição de alto perfil como a de Carlson estivessem ausentes da cobertura da Fox, pois isso significava que “Trump não estava a ouvir muito o outro lado do debate”. Carlson afirmou que “parece que a Fox está a desempenhar um papel central na campanha pró-guerra”, chamando a sua antiga empregadora de “belicistas”.

Não é a primeira vez que contratantes militares recorrem aos meios de comunicação para promover uma guerra. Antes da invasão do Iraque em 2003, o governo dos EUA iniciou uma “estratégia meticulosamente planeada para persuadir a população, o Congresso e os aliados da necessidade de confrontar a ameaça representada por Saddam Hussein”.

Sem que o público soubesse na época, contratantes militares ajudaram na campanha mediática. O general reformado Barry McCaffrey aparecia com frequência em grandes redes de televisão enquanto fazia parte do conselho da DynCorp, uma empresa militar contratada para treinar as forças de segurança iraquianas. Inicialmente, descrevia essas forças como “mal equipadas, mal treinadas e politicamente pouco fiáveis”. Depois de se juntar ao conselho da DynCorp, mudou de discurso, dizendo ao apresentador Brian Williams da MSNBC que “as forças de segurança iraquianas são reais”. As ações da DynCorp subiram 87% naquele ano, apesar de relatos sobre a ineficácia do treino prestado.

Hoje, os telespectadores continuam a ser alimentados com versões modernas dos McCaffreys, borrando as fronteiras entre o interesse público e privado e deixando-nos com a mesma pergunta: de quem é realmente esta guerra — e quem tem a ganhar com ela?

Nick Cleveland-Stout

Fonte: Responsible Statecraft, 30 de junho de 2025

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