Juntas pós-golpe em todo o Sahel enfrentam graves crises

O.P.J. Pacific Sud (2019) - Elisabeth Teharuru

À medida que a violência jihadista se espalha no Mali, no Burkina Faso e no Níger, a influência ocidental diminui e a democracia desvanece-se na memória

No Mali, o general Assimi Goïta, que assumiu o poder num golpe em 2020, planeia agora manter-se no poder pelo menos até ao final desta década, tal como os seus homólogos dos vizinhos Burkina Faso e Níger. À medida que juntas que governam há muito tempo consolidam o poder nas capitais nacionais, grande parte do território saheliano continua fora do controlo do governo.

Os recentes ataques contra forças de segurança governamentais em Djibo (Burquina Faso), Tombuctu (Mali) e Eknewane (Níger) evidenciam a gravidade da situação de insegurança na região. Os governos sahelianos enfrentam uma ameaça poderosa por parte de forças jihadistas pertencentes a duas organizações: Jama‘at Nusrat al-Islam wa-l-Muslimin (Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos, JNIM, afiliado à al Qaeda) e a Província do Estado Islâmico no Sahel (ISSP). Estes governos enfrentam também a contestação de rebeldes convencionais e interagem, por vezes de forma cooperativa e outras vezes em clima de tensão, com diversos grupos armados comunitários e milícias de vigilantes.

As raízes da instabilidade no Sahel estendem-se tanto a crises específicas na década de 2010 (especialmente uma rebelião no norte do Mali em 2012) como a questões sistémicas mais vastas relacionadas com o uso da terra, a competição por recursos, a pobreza, a corrupção oficial, a disseminação da mobilização jihadista através de uma cadeia de zonas socialmente combustíveis e a perda de confiança dos cidadãos nas instituições. As respostas do governo alimentaram amplamente as insurgências, à medida que as forças de segurança cometiam abusos e punições coletivas, e à medida que os líderes civis adotavam políticas inconsistentes e, muitas vezes, insensíveis.

A intervenção estrangeira também agravou a situação. A França, a União Europeia e os Estados Unidos adotaram uma matriz política estritamente focada na segurança, que não conseguiu inverter a escalada de violência na década de 2010 e que ruiu com o contacto com os golpes do início da década de 2020. A Rússia, o novo parceiro preferencial dos regimes do Sahel central, forneceu uma dose ainda mais brutal de violência, mas que não produziu ganhos concretos para os governos nacionais para além da vitória triunfante, mas isolada, das autoridades malinesas em Kidal, um bastião rebelde no norte. Os jihadistas, que se deleitam por ter um adversário estrangeiro, substituíram os franceses pelos russos em grande parte da sua propaganda e ataques.

À medida que as juntas militares têm enfrentado dificuldades no campo de batalha, esvaziaram a política dos seus países, subvertendo décadas de experiências democráticas frágeis, mas significativas. Partidos políticos foram proibidos, jornalistas presos, críticos recrutados à força, e associações dissolvidas. Restam apenas alguns focos de resistência, sobretudo entre os sindicatos, mas estes têm desafiado as juntas sobretudo numa base setorial, com reivindicações relacionadas com salários e condições laborais; ao contrário do que aconteceu no Mali em 1991 ou no Burquina Faso em 2014, não se formaram revoluções mais amplas assentes em coligações multissetoriais.

Na verdade, embora seja difícil medir com precisão — dada a escassez de sondagens regulares e fiáveis, bem como a quase inexistência de jornalismo de investigação —, as juntas parecem gozar de uma popularidade significativa. Os militares têm feito promessas mobilizadoras: restaurar a segurança, defender a soberania nacional, revitalizar as economias e devolver dignidade ao povo. Mesmo que essas promessas ainda não tenham sido cumpridas, a mensagem continua a entusiasmar amplos setores da população.

Os governos ocidentais ainda estão à deriva na política para o Sahel. Na Europa, as expectativas sobre a quantidade de influência que os governos podem exercer sobre o Sahel, bilateral e coletivamente, foram atenuadas pelas repreensões que as juntas sahelianas têm emitido nos últimos cinco anos. As ambições de reconstruir a influência persistem, e as sugestões mais ponderadas passam pela procura de "um rumo pragmático que concilie os interesses e as prioridades diplomáticas [da Europa] com as realidades políticas no terreno". No entanto, existem poucas ideias genuinamente novas na Europa, uma vez que as preocupações com o controlo migratório e a insegurança levam os decisores políticos e os analistas de volta ao menu familiar da assistência à segurança e das parcerias para o desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, a preocupação intermitente com o Sahel durante a administração Biden deu lugar a uma relativa indiferença sob a administração Trump. Tanto sob Biden como sob Trump, houve maior preocupação com o potencial (e, em certa medida, a realidade) de transbordo do Sahel para a África Ocidental costeira do que com o próprio Sahel. Sintomaticamente, o Comando África dos EUA (AFRICOM) organizou a edição de abril/maio de 2025 do seu exercício anual de treino Flintlock na Costa do Marfim, e relatos periódicos sugerem que o AFRICOM está a estudar a possibilidade de instalar drones no país (depois de o governo do Níger ter expulsado o pessoal norte-americano em 2024). No entanto, o AFRICOM poderá acabar por ser desmantelado no âmbito das reestruturações em curso da administração Trump.

Em certa medida, a política ocidental para o Sahel está a replicar inadvertidamente algumas ideias há muito abandonadas relativamente à Somália. Numa série de análises revigorantes entre 2009 e 2010, Bronwyn Bruton defendeu aquilo a que chamou “desengajamento construtivo” da Somália uma pausa nos esforços perenes dos Estados Unidos e do Ocidente para moldar a paisagem política e de segurança daquele país há muito assolado por conflitos. A maioria das sugestões de Bruton era específica para a Somália e a insurgência islamista Shabaab naquele momento, mas algumas oferecem vislumbres intrigantes do que poderia ser uma abordagem alternativa ao Sahel.

Num dos seus relatórios, Bruton escreveu: “Os Estados Unidos e os seus parceiros podem incentivar os elementos pragmáticos, nacionalistas e oportunistas do Shabaab a romper com os seus parceiros radicais, adotando uma posição de neutralidade face a todos os agrupamentos políticos locais e sinalizando uma disposição para coexistir com qualquer autoridade islamista que surja, desde que esta se abstenha de atos de agressão regional, rejeite ambições jihadistas globais e tolere as atividades das agências ocidentais de ajuda humanitária na Somália.”

Esta abordagem continua a soar radical hoje em dia, mas é, na prática, o que tem acontecido na Síria desde o final de 2024. Os EUA não devem, de forma alguma, aplaudir uma vitória do JNIM, mas devem considerar um leque de opções caso tal cenário se concretize.

Bruton recomendou também que “novas iniciativas de desenvolvimento… devem ser prosseguidas de forma descentralizada, envolvendo a colaboração com as autoridades informais e tradicionais já presentes no terreno — sem tentar formalizá-las ou lhes conferir mais poder.”

Aqui, Bruton referia-se sobretudo aos governos regionais e aspirantes a governos que existiam (e ainda existem) numa Somália fragmentada — um cenário bastante diferente do mapa político atual do Sahel. Mas o princípio subjacente tem aplicação no Sahel: os EUA e a Europa fariam melhor em promover o desenvolvimento pelo desenvolvimento em si, em vez de o tentarem vincular a projetos quixotescos de reconfiguração social ou de orientação dos governos nacionais. O conjunto de recomendações de Bruton (que não foi seguido) para a Somália não constitui um plano para o Sahel, quinze anos depois, mas as suas ideias apontam para formas de alargar o leque de opções, para além do que por vezes parece ser uma busca ocidental por um regresso a um status quo anterior, ainda que modificado.

O Sahel parece estar prestes a manter-se simultaneamente politicamente estagnado e profundamente volátil até 2030, e se ocorrerem ruturas nesse percurso, as mais fáceis de imaginar são ruturas negativas — como novos golpes de Estado, a queda de grandes cidades nas mãos de jihadistas e/ou fomes em larga escala. Na medida em que os governos ocidentais procurem reenvolver-se, deverão fazê-lo com a consciência de que os anos 2010 não voltam, que as juntas encaram o poder com uma mentalidade de tudo ou nada, e que é necessário pensar de forma renovada.

Alex Thurston

Fonte: Responsible Statecraft, 1 de julho de 2025

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