Corrupção, repressão, nepotismo – é assim o regime de Ilham Aliyev, um parceiro “fiável” da União Europeia
É um dos chefes de Estado mais ricos do mundo e
também um dos maiores tiranos da atualidade. Os 20 anos da presidência
de Ilham Aliyev foram marcados por um grande crescimento económico do
Azerbaijão, mas também por repressão, nepotismo, corrupção
e whitewashing.
Atualmente, Aliyev e o seu regime estão no centro de outro
escândalo internacional, ao serem responsáveis por um bloqueio total à autoproclamada República de Artsakh,
deixando a morrer à fome cerca de 120 mil pessoas, entre as quais 30 mil
crianças.
A crueldade desta tomada de posição não é uma novidade na
sua vida, como veremos mais à frente. Ao ter nascido no seio de uma família de
elite, Aliyev sempre esteve destinado a assumir o poder. O seu pai,
Heydar, liderou a República Socialista Soviética do Azerbaijão entre 1969 e
1982, tendo depois chegado a número dois do governo da URSS.
Sendo filho de um dos mais importantes membros do Partido
Comunista da União Soviética, Ilham Aliyev teve muitos privilégios enquanto
jovem, como frequentar o prestigiado Instituto Estatal de Relações
Internacionais de Moscovo, onde tirou o seu doutoramento em História e deu
aulas durante cinco anos, de 1985 a 1990.
O colapso da União Soviética pouco alterou a ordem política
doméstica do Azerbaijão. Heydar Aliyev governou o país com mão de ferro de 1993
até 2003, ano da sua morte. Após eleições presidenciais fraudulentas,
nas quais obteve mais de 75% dos votos, Ilham, que desde 1994 ocupava o lugar
de vice-presidente da petrolífera estatal SOCAR, subiu ao trono que fora do seu
pai e por lá se mantém até à atualidade.
Sob a sua batuta, o autoritarismo manteve-se. Não há
imprensa livre, liberdade de expressão ou de reunião e o nepotismo é
indelével – a sua mulher, Meriban Aliyeva, é também a vice-presidente do país.
A oposição política é fortemente controlada e as eleições não são livres nem
justas.
Um caso paradigmático é o das eleições presidenciais
de 2013. Antes de os eleitores serem chamados às urnas, a Comissão Central de
Eleições do Azerbaijão lançou uma aplicação para telemóveis onde os azeris
iriam poder acompanhar, em tempo real, todos os acontecimentos. Na véspera das
eleições, no entanto, foram divulgados os resultados da mesma, com Ilham Aliyev
a obter cerca de 72,76%. Citado pela CNBC, o criador da aplicação, Vusal
Isayev, argumentou na altura que os resultados divulgados eram os das eleições
anteriores, algo impossível dado que o principal candidato da oposição, Jamil
Hasanly, nunca tinha concorrido à presidência.
Os 20 anos de presidência de Aliyev têm sido marcados
também por um forte crescimento económico do Azerbaijão. Beneficiando das
vastas reservas de petróleo e gás natural, a economia azeri cresceu a uma
média de 14% ao ano nos primeiros dez anos da sua presidência, tendo
sido mesmo a economia que registou a maior taxa de crescimento anual entre 2005
e 2007, segundo dados do Banco Mundial.
Corrupção, nepotismo e whitewashing
A riqueza, contudo, não chega a boa parte das famílias
azeris e é acumulada sobretudo por uma: os próprios Aliyev. Do setor
bancário às telecomunicações, os Aliyev controlam uma parte significativa da
economia local, quase sempre através de esquemas obscuros com empresas
offshore.
Um exemplo das artimanhas é a Azerfon, uma das maiores empresas de telecomunicações do país. De acordo com uma investigação da Radio Free Europe em 2011, a Azerfon era detida na altura por três empresas panamianas, uma empresa com sede no paraíso fiscal de Nevis, nas Caraíbas, e pela operadora estatal Aztelecom. As três empresas panamianas – Gladwin Management, Inc; Grinnell Management, Inc; e Hughson Management, Inc - detinham, cada uma, 24% das ações da Azerfon. No caso das duas primeiras, a presidente era Leyla Aliyeva, a filha mais velha de Ilham Aliyev, e a tesoureira era Arzu Aliyeva, a mais nova. No caso da Hughson, os papéis invertem-se.
As empresárias de sucesso, Arzu Aliyeva, esquerda, Leyla
Aliyeva, direita, são um poderoso exemplo para as mulheres de todo o mundo
Os milhares de milhões que os Aliyev acumularam ao longo dos
anos também foram aplicados na compra de luxuosas propriedades pelo mundo
fora. Em 2010, o Washington Post revelou que os três filhos do presidente
azeri detinham propriedades no Dubai no valor de 70 milhões de euros. O caso do
filho de Ilham Aliyev, Heydar (tem o mesmo nome do avô), fez levantar
algumas sobrancelhas: com apenas 11 anos já era proprietário de nove mansões
no Palm Jumeirah, um dos mais reconhecíveis empreendimentos de luxo no
mundo.
É em Londres, porém,
que os Aliyev aparentam ter a maior parte do seu portefólio imobiliário. Em
2021, o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) analisou
documentos disponibilizados durante o escândalo dos Panama Papers e
concluiu que o valor total das dezenas de propriedades que os Aliyev detinham
na capital britânica era de 653 milhões de euros.
“A propriedade deste império imobiliário tem sido
sistematicamente escondida durante anos atrás de empresas offshore com nomes
genéricos como Sheldrake Six e Fliptag Investments”, escreveu o OCCRP no
relatório, que descobriu 84 offshores com sede nas Ilhas Virgens Britânicas
associadas aos Aliyev.
A fortuna do regime azeri é igualmente usada para
branquear a imagem do país no estrangeiro. A estratégia do país é conhecida
como “diplomacia caviar”, termo usado
pela primeira vez num relatório do think tank European Stability
Initiative (ESI) em 2012.
No documento, o ESI alega ter ouvido de fontes azeris que Baku envia meio quilo de caviar quatro vezes por ano a
“amigos” na Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa (PACE,
na sigla em inglês) que, em
troca, elogiam o regime de Aliyev ou tentam abafar as críticas a ele feitas.
"O caviar, pelo menos, é oferecido em todas as sessões.
Mas durante as visitas a Baku também são dadas muitas outras coisas. Muitos
deputados são regularmente convidados a visitar o Azerbaijão e são
generosamente pagos. Num ano normal, pelo menos 30 a 40 são convidados, alguns
deles repetidamente. As pessoas são convidadas para conferências, eventos e,
por vezes, para as férias de verão. São verdadeiras férias e os presentes são
muito caros. Os presentes são sobretudo tapetes de seda caros, objetos de
ouro e prata, bebidas, caviar e dinheiro. Em Baku, uma prenda comum é 2
quilos de caviar", pode ler-se no relatório.
O maior escândalo, a “Lavandaria
Azeri”, foi revelado pelo OCCRP em 2017. Entre 2012 e 2014, cerca de 2,7 mil milhões de
dólares foram canalizados para centenas de indivíduos e empresas europeias.
Entre os responsáveis políticos que foram pagos para fazer
lobbying a favor do Azerbaijão estão Luca Volontè,
líder do grupo parlamentar do Partido Popular
Europeu (PPE) na PACE entre 2010 e
2013, e Karin Strentz, ex-deputada no
parlamento alemão pelo partido de Angela Merkel, a
CDU. Strenz morreu em 2021 antes de ser acusada de qualquer crime,
enquanto Volontè foi condenado em janeiro de 2021 a quatro anos de prisão por
lavagem de dinheiro e recebimento de suborno – no total, o político italiano recebeu 2,39
milhões de euros do regime azeri.
Dentro
da legalidade, o dinheiro azeri também chegou aos bolsos de artistas como
Mariah Carey, Christina
Aguilera e Lady Gaga. De acordo com o canal Eurosport, esta última recebeu
cerca de 1,8 milhões de
euros para atuar dez minutos na cerimónia de abertura dos primeiros
Jogos Europeus, realizados em 2015 em Baku.
Também importante para promover a imagem do país junto do
Ocidente tem sido o Grande Prémio de Fórmula 1 realizado todos os anos
desde 2016 na capital azeri. É um privilégio caro: segundo o portal
RacingNews365, o Azerbaijão
paga mais de 50 milhões de euros todos os anos para acolher um fim de semana de
Fórmula 1, valor apenas igualado pela Arábia Saudita e pelo Catar.
O "ouro negro" que atrai a Europa
Contudo, é bem longe dos holofotes, no setor energético, que
o governo de Aliyev agarra o Ocidente.
Pouco depois do colapso da União Soviética, em 1995,
formou-se a Azerbaijan
International Operating Company (AIOC), um consórcio de empresas do
setor energético liderado pela britânica BP para explorar o complexo de
poços de petróleo de Azeri-Chirag-Gunashli (ACG), no Mar Cáspio. Para além da
BP, que detém mais de 30% das ações do consórcio, e de outras empresas turcas e
japonesas, também as petrolíferas americanas Chevron e ExxonMobil
e a norueguesa Equinor, detida pelo Estado norueguês, têm participações
no projeto.
Este contrato foi apelidado de “Contrato do Século” no Azerbaijão. Até junho de 2023, de acordo com a BP, os parceiros do consórcio investiram mais de 39 mil milhões de euros no ACG, origem de mais de 90% das exportações de petróleo do país.
A assinatura do "Contrato do Século" na residência
oficial do primeiro-ministro britânico, em Londres. Em cima, à esquerda, Heydar
Aliyev, anterior presidente do Azerbaijão, e à direita Tony Blair,
ex-primeiro-ministro do Reino Unido. Em baixo, à esquerda, Johan Nic Vold, da
petrolífera estatal norueguesa Statoil (atual Equinor), John Browne, da BP, ao
centro, e Natik Aliyev, da SOCAR, à direita
O mais recente projeto do complexo ACG foi apresentado em
2019 e denomina-se Azeri
Central East (ACE). Segundo a BP, o investimento de 5,5 mil milhões de
euros vai aumentar a capacidade de produção do complexo em 100 mil barris por
dia. A produção no ACE deve começar no início de 2024.
O principal cliente das
exportações azeris é, naturalmente, a União Europeia, que tem
ativamente promovido e financiado projetos na área energética. Um exemplo é o Gasoduto Trans-Adriático,
que liga o campo de exploração de gás de Shah Deniz, também no Mar Cáspio, a
Itália, passando pela Turquia, Grécia e Albânia.
Este gasoduto, financiado em 700 milhões de euros pelo Banco Europeu de Investimento,
cimentou a posição de Itália como maior importador do Azerbaijão: em
2022, 47% das exportações azeris, ou 16,5 mil milhões de euros, tiveram como
destino a península italiana. Os restantes lugares do top 3 são ocupados pela Turquia
e por Israel, para onde foram canalizadas 9,3% e 4,4% das exportações do
Azerbaijão, respetivamente. Portugal aparece na 11.ª posição desta
lista, tendo importado quase 700 milhões de euros do país do Cáucaso, cerca de
2% das vendas do Azerbaijão para o exterior.
Após a
invasão russa da Ucrânia, em julho de 2022, a União Europeia deu mais um passo
para incrementar a compra de gás azeri com a assinatura de um memorando, que
prevê duplicar as importações de gás deste país até 2027.
“A UE está a virar-se para fornecedores fiáveis de energia. O Azerbaijão é um deles. Com o acordo de hoje, comprometemo-nos a expandir o Corredor Meridional de Gás, a fim de duplicar o fornecimento de gás do Azerbaijão à UE”, escreveu na altura a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Twitter.
Ursula von der Leyen e Ilham Aliyev assinam acordo para
aumento das importações de gás azeri por parte da União Europeia, Baku, 18 de
julho de 2022
O sentimento anti-arménio
Não obstante todos os problemas acima mencionados, a faceta
mais preocupante do regime de Ilham Aliyev é o sentimento anti-arménio. Nas
últimas décadas, o ódio
aos arménios e à Arménia, espoletado pela disputa da região do
Nagorno-Karabakh, tornou-se quase numa ideologia de Estado, capaz de unir todos
os azeris, mesmo os críticos do regime.
"O nosso principal inimigo é o lobby arménio... A
Arménia como país não tem valor. É, na verdade, uma colónia, um posto
avançado gerido a partir do estrangeiro, um território criado artificialmente
em antigas terras do Azerbaijão", disse Aliyev em 2012.
Nos últimos meses, a situação entre os dois países tem-se
tornado cada vez mais insustentável. O bloqueio azeri do corredor de Lachin, e
consequente isolamento da autoproclamada República de Artsakh, deixou 120
mil arménios sem acesso a bens essenciais desde dezembro de 2022.
A preocupação do lado arménio tem aumentado
significativamente nos últimos dias. Nas redes sociais, são vários os vídeos
que mostram uma aparente movimentação de tropas azeris ao longo das fronteiras
com a Arménia e com Artsakh, operação em tudo semelhante à realizada
pela Rússia nas semanas que antecederam a invasão da Ucrânia.
"Nos últimos dias, o Azerbaijão tem concentrado forças
ao longo da linha de contacto com o Nagorno-Karabakh e na fronteira com a
Arménia", denunciou o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, no
dia 7 de setembro, alertando que Baku está a preparar-se para uma “nova
provocação militar” contra o Nagorno-Karabakh e a Arménia.
O Azerbaijão negou as palavras de Pashinyan,
classificando-as de “manipulação política”.
Outro indicador de que o governo de Aliyev pode estar a
preparar uma ofensiva é o aumento dos voos militares entre Israel e o
Azerbaijão nas últimas semanas. Os israelitas são dos maiores fornecedores de armas às tropas azeris.
De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, quase 27% do
armamento importado pelo Azerbaijão entre 2011 e 2020 veio de Israel – apenas
superado pela Rússia -, número que sobe para 69% se isolado o período entre
2016 e 2020.
Moralizado pela vitória na Segunda Guerra do
Nagorno-Karabakh há três anos, Ilham Aliyev pode estar prestes a desencadear um
novo conflito armado no Cáucaso.
Fonte: CNN Portugal, 16 de setembro de 2023
Não é apenas por ser amigo confiável do Ocidente que Ilham Aliyev é atualmente o melhor governante mundial. Ele faz a transição da governação do tempo de Maquiavel, entendida como Arte, para a governação moderna, comandada pela Ciência.
Ilham Aliyev foi muito esperto, não deportou as crianças de Artsakh para a Rússia, contornando de forma muito inteligente a perseguição por crimes de guerra. Também o seu faro político logo compreendeu que a Inglaterra é somente uma lavandaria de dinheiro.
E temos que combater o Putin para salvar a democracia, não é? A UE até mete nojo, sinceramente. Já tinha lido na imprensa russa que a situação entre a Arménia e o Azerbeijão é neste momento explosiva. Não tinha era consciência do nível de podridão do regime de Ilham Aliyev... Obrigado!
ResponderEliminarAbraço.
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