Estômago para a luta: as políticas alimentares usadas pelos nazis para manter o controlo no Terceiro Reich

Perry Mason (1957-1966) – Walter Coy, Whit Bissell, Rita Lynn

A alimentação não era uma questão pessoal para quem vivia no Terceiro Reich, mas sim uma forma dos alemães demonstrarem patriotismo e sacrifício. Lisa Pine investiga como os nazis controlaram ao pormenor o que se servia nas mesas do país, através de propaganda e guisados de uma só panela — mesmo quando os que estavam no topo não seguiam as regras e, por isso, nunca passavam fome.

As donas de casa trabalhadoras e eficientes sabem o que têm de fazer ao serviço desta grande família alemã – o povo alemão – se este quiser superar pequenas carências temporárias. Elas fazem simplesmente as suas compras de acordo com o interesse da grande família alemã!” — disse Rudolf Hess, vice-Führer do Partido Nazi, num discurso em 1936.

Hess desenvolveu depois o que se esperava das “boas” mulheres alemãs: “Elas não tentam comprar precisamente aquilo que está em falta naquele momento, mas sim aquilo que existe em abundância, e preparam-no de forma a que pareça realmente apetitoso e tenha bom sabor para os seus maridos e filhos. Nenhuma boa dona de casa alemã lamenta particularmente o quarto de quilo de carne de porco que, de tempos a tempos, agora deixa de conseguir obter.”

A alimentação era uma preocupação central no Terceiro Reich: desde a sua ascensão ao poder no início da década de 1930 até à Segunda Guerra Mundial, os nazis procuraram sempre controlar o que era cultivado nos campos e o que era consumido pela população. Esta era uma das formas de alcançar o objetivo político da autarcia, ou seja, da autossuficiência económica.

Para nunca mais repetir a escassez e as dificuldades durante e após a Primeira Guerra Mundial – quando as colheitas de batata falharam e os bloqueios navais inimigos cortaram o acesso às importações, que representavam cerca de um terço dos alimentos do país – os nazis pretendiam tornar a Alemanha autossuficiente. Melhorariam e controlariam a produção de alimentos e alterariam os hábitos alimentares da população. Os produtos importados, como as laranjas, precisariam de se tornar coisa do passado. Além disso, quaisquer alimentos que exigissem forragem importada (ração para o gado) para serem produzidos, como a carne e a manteiga, seriam menos abundantes, uma vez que o regime procurava reduzir a dependência dessas importações.

Mais do que controlo, porém, as políticas alimentares realçaram outra componente-chave do regime nazi: a desigualdade. Em oposição à intenção declarada de estabelecer uma "sociedade sem classes", onde todos os "camaradas nacionais" seriam iguais, na realidade a alimentação alargou as divisões de classe. Isso só se intensificou em tempo de guerra. E isto sem falar, claro, das desigualdades que existiam entre os dirigentes nazis e o resto da sociedade.

Como os nazis colocaram “as armas antes da manteiga”

Quando Hermann Göring introduziu o Plano de Quatro Anos em 1936 — um conjunto de medidas económicas destinadas a preparar a Alemanha para a guerra — falou em termos de “armas antes da manteiga”, declarando: “As armas tornar-nos-ão poderosos; a manteiga apenas nos tornará gordos.”

Esta afirmação já indicava que a escassez de alimentos começava a afetar o país. Embora o consumo de peixe, couve-branca e batatas estivesse a aumentar, nesse inverno os lojistas só vendiam manteiga aos clientes habituais, deixando os restantes a recorrer a gorduras vegetais inferiores. O regime promovia também o quark (um queijo fresco magro) como substituto dos lacticínios.

Os nazis utilizaram a sua máquina de propaganda para tentar convencer a população de que suportar estas carências e mudar os seus hábitos alimentares era um dever patriótico. Quando a procura de café ultrapassou largamente a oferta, Joseph Goebbels declarou: “Em tempos de escassez de café, uma pessoa decente simplesmente bebe menos ou deixa de beber.”

Essas críticas eram também frequentes na imprensa. Um editorial de jornal, em setembro de 1938, lamentava “aqueles que fingem estar à beira da fome se não tiverem o seu fornecimento habitual de vol-au-vent e natas batidas”.

Ao mesmo tempo, o regime lançou uma vasta campanha educativa dirigida às donas de casa — as principais responsáveis pelas compras e pela confeção das refeições —, com orientações sobre os alimentos adequados a utilizar e dicas para preparar refeições frugais em tempos de escassez. As mulheres que não sabiam como utilizar produtos ersatz (significando “substituto”, geralmente de qualidade inferior) ou os melhores métodos para conservar alimentos eram incentivadas a visitar um dos 148 centros de aconselhamento geridos pela Volkswirtschaft / Hauswirtschaft (Economia Nacional / Economia Doméstica), um ramo da NS-Frauenschaft (associação feminina nazi), criado em 1934.

Nesses centros, as mulheres podiam adquirir livros sobre nutrição ou economia doméstica, ou assistir a alguns dos muitos filmes educativos disponíveis, como Todas as maneiras de usar quark e A alimentação dos bebés. Além disso, o organismo distribuiu milhões de panfletos, e mais de 1,8 milhões de mulheres participaram nos seus cursos de culinária em 1938. A dimensão destas campanhas e organizações demonstra a seriedade com que os nazis encaravam a necessidade de controlar o consumo alimentar.

No entanto, esta preocupação não era apenas de ordem económica — o que se comia era também uma questão de saúde. No Terceiro Reich, o indivíduo tinha o dever de manter-se em boa forma física, para que a nação também o estivesse.

As propriedades benéficas do pão de farinha integral eram enaltecidas em contraste com o pão feito de farinha branca refinada, sendo por isso considerado o alimento da Volksgemeinschaft (ou “comunidade nacional”), e apelidado de “pão patriótico”. A campanha de propaganda em torno do pão integral — bem como a proibição da farinha branca em 1937 — garantiram que este se tornasse o produto de padaria por excelência na Alemanha. Em 1939, apenas 2420 padarias alemãs produziam o Volksbrot; em 1943, esse número tinha subido para 27 454.

Por outro lado, o álcool era malvisto pelo regime, que o associava à degenerescência. No seu discurso no congresso do partido em Nuremberga, em 1935, Adolf Hitler referiu-se à ideia de que, no passado, “o ideal alemão era o homem que sabia aguentar a cerveja e os licores fortes”.

Essa visão já não se aplicava. A partir de meados da década de 1930, o consumo de álcool passou a ser desencorajado por motivos de saúde pública, e a produção de bebidas não alcoólicas à base de fruta quintuplicou. Em 1938, foi lançado uma cidra doce sem álcool como a Volksgetränk oficial (“bebida do povo”).

Sacrificar mais do que os outros

Determinar o que os alemães deviam ou não deviam comer era apenas uma parte do plano: os nazis criaram também rituais sociais associados aos novos pratos aprovados, ao mesmo tempo que transferiam para a população o peso das carências. Em 1933, foi introduzido o Eintopf — o “prato de uma só panela” — como “a refeição de sacrifício pela nação”. Um domingo por mês passou a ser o Eintopf Sonntag, quando as famílias abdicavam do assado tradicional para preparar um guisado feito de sobras e doavam a poupança a fundos de caridade patrocinados pelo Estado.

Isto transformava a política de autarcia num costume social, com o objetivo de unir a “comunidade nacional” através do sacrifício. Até os líderes do partido eram fotografados a comer o Eintopf, como forma de dar o exemplo. Contudo, quando as câmaras se desligavam, muitos desses dirigentes revelavam-se pouco dispostos a seguir as regras alimentares rígidas que impunham ao resto da população.

Göring, por exemplo, jantava regularmente nos melhores restaurantes de Berlim, incluindo o Horcher’s, onde chegava a consumir, numa só refeição, o equivalente a uma semana inteira de rações de um cidadão comum. Os seus excessos, combinados com o estilo de vida extravagante, minavam sistematicamente os esforços de Goebbels para apresentar a liderança nazi como exemplar e comedida.

No que dizia respeito à alimentação, numerosos membros da elite nazi agiram de forma corrupta e abusaram das suas posições para obterem bens de luxo e produtos gourmet, mesmo no auge da guerra. Wilhelm Frick, ministro do Interior, constava numa lista de receção de diversos produtos fora do sistema de racionamento, incluindo presunto, carne de caça, manteiga, gordura, aves, chocolates, chá e cacau.

Abaixo da alta hierarquia do Partido Nazi, as políticas alimentares tiveram efeitos distintos consoante as classes sociais na Alemanha. Quando comiam em casa, a classe alta e, em certa medida, os elementos mais abastados da classe média podiam ignorar as sugestões promovidas nas transmissões radiofónicas de propaganda e nas revistas. Aqueles com rendimentos suficientemente elevados continuaram a comprar o que queriam durante o máximo de tempo possível, preferindo produtos de luxo ou alimentos fora de época, enquanto os agregados familiares mais pobres tinham de se contentar com produtos sazonais e uma sucessão de novas receitas à base de batata.

Uma longa fila de mulheres alemãs espera junto a uma banca de fruta numa rua de Berlim, em 1941

Graves carências e a busca por alimentos nas florestas

As diferenças tornaram-se ainda mais evidentes durante a guerra, à medida que as carências se agravavam. Com o alargamento do racionamento, todos deveriam fazer os mesmos sacrifícios pelo bem da nação, embora, como seria de esperar, judeus, trabalhadores estrangeiros e prisioneiros de guerra fossem os mais penalizados. A propaganda intensificou-se, e as donas de casa passaram a ser rotuladas de “egoístas” se não considerassem “o bem da nação” ao cozinhar para as suas famílias.

Já em 1941, as revistas femininas nazis estavam repletas de receitas “ajustadas aos tempos”, como sopa de couve-flor e uma versão vegetariana do Eintopf, bem como conselhos sobre “o uso de vegetais e frutos da floresta e da horta”. Para além de enaltecerem as virtudes dos produtos ersatz (substitutos), as mulheres eram fortemente incentivadas a cultivar os seus próprios alimentos, conservar frutas nos meses de inverno e colher ervas silvestres. O regime também atribuía um papel às crianças: recolher plantas como frutos de roseira-brava e dentes-de-leão para preparar “chás alemães”.

Quanto mais se agravavam as carências provocadas pela guerra, mais as pessoas recorriam a infusões feitas com plantas da floresta. Substitutos do café, como o café de malte ou uma bebida quente feita com aveia, tornaram-se cada vez mais populares. No entanto, para os que arriscavam, o mercado negro alemão florescia com a venda de verdadeiros grãos de café. No início da década de 1940, uma libra [0,45 kg] de café torrado podia atingir o valor exorbitante de 40 Reichsmarks; uma década antes, teria custado apenas 1,80 RM.

À medida que a Segunda Guerra Mundial se arrastava, as exigências sobre a produtividade dos agricultores alemães tornavam-se cada vez maiores. No inverno de 1941–42, já havia dificuldades na produção suficiente de carne de porco, enquanto cidades como Frankfurt, Colónia e Berlim relatavam escassez no abastecimento de batatas. As colheitas de cereais mantiveram-se boas até 1943, mas alimentar a população civil, o exército e milhões de trabalhadores estrangeiros forçados colocava exigências desmesuradas sobre a agricultura alemã.

As rações de pão, carne e gordura foram reduzidas em 1942 e voltaram a ser cortadas no ano seguinte. Em 1943–44, os alemães consumiam menos 20% de pão, menos 60% de carne e menos 40% de gordura do que no início da guerra. As pessoas queixavam-se e murmuravam; mas acabavam por se submeter.

O objetivo do regime era distribuir a quantidade limitada de alimentos por toda a população sem perder a lealdade das classes trabalhadoras, em particular. A exploração do trabalho forçado estrangeiro foi uma das táticas usadas pelos nazis para apoiar o setor agrícola. Em 1941, havia já 1,3 milhões de trabalhadores forçados da Polónia e da Ucrânia a trabalhar na Alemanha, além de mais de 1 milhão de prisioneiros de guerra soviéticos e franceses.

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Como os nazis usaram a fome como arma

A judia polaca e sobrevivente do Holocausto Kitty Hart-Moxon recorda uma cena em Auschwitz:

“Era quase meio-dia e, ao longe, vimos tambores grandes a serem transportados das cozinhas. Já os tinha visto nas prisões e sabia que vinha sopa. Das barracas próximas, raparigas corriam. Alguma sopa tinha sido entornada, e elas deitavam-se no chão a lambê-la da lama. Outras reviravam os caixotes do lixo na esperança de encontrar cascas de batata.”

Para os nazis, a fome era uma arma a ser usada contra os seus inimigos e vítimas. Nos campos de concentração e de extermínio, os prisioneiros sofriam terrivelmente devido à ingestão calórica extremamente baixa, causada pela escassez absoluta de alimentos.

Em Auschwitz, como Hart-Moxon descreve, os prisioneiros recebiam ao almoço uma sopa rala, sem carne e apenas com restos de pastinacas ou outras raízes. Ao jantar, tinham direito a uma pequena porção de pão.

Estas refeições miseráveis levavam rapidamente à extrema emaciação, caracterizada por perda acentuada de peso e atrofia muscular num curto espaço de tempo. Os sintomas da fome incluíam fraqueza muscular e declínio progressivo da energia, lentidão nos movimentos e debilidade geral, alterações na expressão facial, olhos encovados e uma grande vulnerabilidade a infeções.

Mas, enquanto os nazis mostravam-se perfeitamente dispostos a deixar os prisioneiros morrer à fome nos campos, queriam garantir que parte da população – especialmente os soldados que combatiam pela Alemanha, os trabalhadores da indústria pesada e as mulheres grávidas – tivessem comida suficiente na mesa.

Isto representava um problema: os agricultores alemães estavam sobrecarregados e não conseguiam fornecer o volume de alimentos necessário. Por isso, considerou-se necessário recorrer aos territórios ocupados para suprir esse défice, com Hermann Göring a insistir que a fome fosse “exportada” para fora do Terceiro Reich.

Para isso, Herbert Backe, ministro da Alimentação e Agricultura, elaborou o “Plano da Fome”.

Concebido para extrair o máximo de alimentos possível dos territórios ocupados da União Soviética, pretendia alimentar as tropas e os civis alemães durante toda a guerra, mas ao custo de forçar as populações locais a passar fome.

O plano contribuiu diretamente para a decisão de Adolf Hitler de entrar em guerra contra os soviéticos em junho de 1941, e, à medida que a comida começava a ser apreendida e levada para a Alemanha, o esforço de guerra garantia o apoio contínuo da população em geral.

Do ponto de vista nazi, a aquisição de território equivalia claramente a garantir o fornecimento alimentar – uma noção que fazia parte da reivindicação ideológica global de superioridade racial dos “arianos” sobre os “eslavos”, neste caso em termos de terra e agricultura.

Entre 1941 e 1943, o Plano da Fome forneceu com sucesso à Alemanha nazi 325 000 toneladas de gordura comestível, 2,7 milhões de toneladas de batatas e 7 milhões de toneladas de cereais.

Mas alimentar uma população significava o assassinato em massa e a fome de outras. Só no inverno de 1941–42, mais de 1 milhão de prisioneiros de guerra soviéticos foram deliberadamente deixados morrer à fome nos campos, enquanto milhões de civis foram privados de alimentos e dezenas de milhares de judeus pereceram de fome.

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Civis soviéticos procuram comida num depósito destruído do exército alemão. O "Plano da Fome" nazi pretendia que milhões morressem de fome

Em 1933, foi criado o Reichsnährstand para regulamentar a produção alimentar da Alemanha, oferecendo inclusive subsídios aos agricultores para garantir que a autarcia fosse implementada. No entanto, muitos destes acabaram por se sentir traídos pelas políticas globais do regime. Recuaram então para uma forma própria de autossuficiência: produziam o necessário para si e para as suas famílias, sem entregar o excedente ao Estado. Qualquer sobra era encaminhada para o mercado negro, onde conseguiam preços muito mais vantajosos. Para escapar à fiscalização, os agricultores simplesmente deixavam de registar o gado, ou os talhantes pesavam menos as carcaças e vendiam ilegalmente o excedente de carne.

A escassez de alimentos levou muitos alemães abastados a usar o dinheiro e os contactos para contornar o sistema de racionamento – ou pelo menos suplementá-lo – comprando produtos restritos. Comerciantes participavam em transações clandestinas, conhecidas popularmente como “stoop transactions”, e, embora o açambarcamento, o escambo e o lucro ilícito fossem considerados crimes puníveis, o mercado negro floresceu até se tornar parte integrante do consumo em tempo de guerra.

Pelo menos, isso era possível para quem tivesse dinheiro suficiente para pagar os preços inflacionados – entre eles, funcionários do Estado e do partido – enquanto os mais pobres ficavam de fora. Era difícil prosseguir com processos judiciais, não só pela falta de pessoal no governo de guerra para monitorizar o mercado negro, mas também porque ninguém queria expor publicamente que os próprios oficiais estavam envolvidos nesses comportamentos desonestos.

Desenrascar e resistir

Em contraste com aquilo que os ricos e poderosos conseguiam contornar, as receitas publicadas em revistas dirigidas às mulheres alemãs comuns tornaram-se mais escassas – em número e em conteúdo – no outono de 1943. A disponibilidade limitada de alimentos significava que restavam poucos ingredientes para preparar refeições, o que levou à publicação de receitas sem gordura nem ovos, ou que recorriam a substitutos, como “cheesecake falso” e “sopa falsa de caranguejo”. No inverno seguinte, as receitas eram já tão austeras que se limitavam, na sua maioria, a pratos à base de couve e batata.

Durante a guerra, as mulheres nas cidades alemãs viviam numa constante ansiedade quanto à origem da próxima refeição. Enfrentavam longas e cansativas filas para obter comida, para além dos bombardeamentos aliados. Algumas mantinham “hortas da vitória” como forma de complementar os seus racionamentos, o que representava uma adição modesta, mas nutricionalmente importante à sua dieta.

Mas os berlinenses ficaram tão carentes de certos vegetais que chegaram a usar urtigas e folhas de beterraba-sacarina na culinária, e, quando a carne desapareceu, improvisaram almôndegas ersatz (de substituição) com os ingredientes que conseguiam arranjar: batatas, nabos, lentilhas e couve-branca.

Uma estratégia usada pelas mulheres urbanas era armazenar produtos não perecíveis para depois os trocar por comida: por exemplo, sabonetes ou brinquedos infantis eram trocados diretamente com agricultores por laticínios ou vegetais. Essas transações informais aconteciam durante as chamadas “viagens de hamstering” (de “hamster”, no sentido de acumular), quando as mulheres apanhavam comboios para fora das cidades à procura de alimentos.

Nas zonas rurais, no entanto, o cenário era outro. Durante toda a guerra – mesmo em 1944–45, quando as carências se tornaram agudas nas cidades – havia sempre abundância de comida no campo. Uma senhora da alta sociedade alemã recordava ter comido “pêssegos com natas” na propriedade rural de uma amiga, em março de 1944, e descrevia “um almoço farto” no seu diário em abril do mesmo ano.

Por contraste, uma dona de casa em Colónia queixava-se amargamente de como os merceeiros favoreciam os amigos e deixavam pouco para os clientes comuns. Um caso em particular relatava que um comerciante local “me arrancou a couve-roxa das mãos e tentou levar também as batatas” quando as reservas eram escassas.

Quão bem-sucedidas foram as políticas alimentares nazis?

Certamente, ficaram aquém da promessa de criar uma “sociedade sem classes”, servindo apenas para aprofundar as desigualdades entre diferentes setores da sociedade alemã. No entanto, num aspeto, os nazis conseguiram de facto algo em relação à alimentação: ao contrário do que aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, conseguiram alimentar a população alemã durante a crise da guerra — ainda que de forma limitada. E no que diz respeito ao controlo da população através dos hábitos alimentares, os nazis alcançaram claramente os seus objetivos.

O impacto geral do regime foi o de suprimir o consumo e privar muitos alemães dos alimentos que normalmente escolheriam, caso tivessem essa liberdade. Sob Hitler, as donas de casa tiveram de trabalhar mais para pôr à mesa alimentos que muitas vezes consideravam pouco desejáveis. A propaganda e as campanhas educativas dirigidas a essas mulheres tornaram-se parte da vida quotidiana no Terceiro Reich, assim como os alimentos ersatz, que libertavam recursos para os homens que combatiam.

Como em quase todas as outras esferas da vida na Alemanha nazi – fosse no lazer, na saúde ou na família – a alimentação deixou de ser uma questão privada, passando a ser mais uma arma no arsenal do Estado para apertar o controlo sobre a população, fosse em tempo de paz ou de guerra.

Lisa Pine

Fonte: History Extra, 27 de outubro de 2022

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