Cancelamento dos responsáveis pela limpeza étnica: Austrália revoga o visto de Simcha Rothman

Perry Mason (1957-1966) – Shirley Ballard

É uma sensação curiosa ver um governo, sem falar em qualquer político, de repente encontrar a sua coragem e os seus princípios abandonados. A coragem, ao ser descoberta, acrescenta uma certa integridade estrutural a argumentos que, de outra forma, careceriam de força e credibilidade. A recente disputa entre Israel e a Austrália sugere que a administração do primeiro-ministro Anthony Albanese, muitas vezes insegura e excessivamente cautelosa, está a começar a mostrar alguma força e certeza.

O cancelamento do visto de Simcha Rothman pelo executivo de Albanese foi uma revelação inesperada. Rothman é membro do Mafdal–Sionismo Religioso, partido liderado pelo ministro das Finanças Bezalel Smotrich, que tem deixado absolutamente clara a sua posição em relação aos palestinianos. (Smotrich foi alvo de sanções por parte da Austrália, assim como do Canadá, da Nova Zelândia, da Noruega e do Reino Unido, em junho, por “incitamento à violência contra palestinianos na Cisjordânia”). Rothman, uma espécie de arbusto rasteiro do ódio, acusa países de não aceitarem palestinianos como parte de um programa de limpeza étnica devidamente autorizado, culpando-os de “ajudarem e protegerem uma organização terrorista que os usa como escudos humanos”. Em entrevista à rádio e televisão públicas australianas, Rothman deixou clara a sua posição primária e maniqueísta: “Acho que o governo da Austrália precisa de decidir se quer estar do lado do Hamas ou do lado de Israel.”

A carta de revogação afirmava que ele iria participar em eventos que “promoveriam as suas opiniões e ideologias controversas, o que poderia fomentar a divisão na comunidade”. A sua presença na Austrália “seria ou poderia constituir um risco para a boa ordem da comunidade australiana ou de um segmento da comunidade australiana, nomeadamente a população islâmica”.

Entre os exemplos de demérito apresentados estavam os seus argumentos de que as crianças palestinianas não estavam a morrer de fome na Faixa de Gaza, que essas crianças, em qualquer caso, eram inimigas do Estado israelita, e ainda a ideia de que a solução dos dois Estados tinha “envenenado as mentes de todo o mundo”. A natureza de tais “declarações inflamadas” poderia, caso Rothman entrasse na Austrália com a anuência do governo, “encorajar outros a sentirem-se legitimados a exprimir sentimentos anti-islâmicos, senão mesmo a agir de modo a concretizar esse preconceito”.

Longe de rebater estas razões, a visão do mundo de Rothman, encantadoramente reduzida e simplista, ficou clara na sua lapidar simplicidade: a Austrália estava a comportar-se de forma antidemocrática, com o seu governo a fingir que lutava contra “o ódio e a divisão”, apesar de permitir que manifestantes “gritassem nas ruas apelos ao genocídio do povo judeu”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Gideon Sa’ar, reagiu de imediato, revogando os vistos de residência dos representantes diplomáticos australianos responsáveis pelos assuntos relacionados com a Autoridade Palestiniana em Ramallah. “Instrui igualmente a embaixada de Israel em Camberra a examinar cuidadosamente qualquer pedido oficial de visto australiano para entrada em Israel”, vociferou Sa’ar na rede X.

Nesta reação apoplética, ninguém pareceu recordar que a Austrália já havia revogado o visto da antiga ministra da Justiça israelita, Ayelet Shaked, no final de outubro do ano passado, devido ao que o ministro do Interior australiano, Tony Burke, descreveu como “preocupações de que ameaçasse a coesão social”. Shaked estava prevista para participar em eventos organizados pelo Australia Israel & Jewish Affairs Council (AIJAC). É certo que se tratava de uma ex-política, e não de uma deputada em funções no parlamento israelita.

Numa entrevista ao Erin Molan Show, um programa de resto pouco memorável, Sa’ar recapitularia a sua posição irritadiça. “Isto é o oposto do que deveria ser feito”, objetou. “Em vez de combater o antissemitismo na Austrália, o governo australiano está a fazer o contrário – está a alimentá-lo.”

A Autoridade Palestiniana não surpreendeu ninguém ao classificar a medida de cancelamento de vistos como “ilegal e em violação das Convenções de Genebra, do direito internacional e das resoluções das Nações Unidas, que não conferem tal autoridade à potência ocupante”. A declaração prosseguia sublinhando “que tais ações refletem a arrogância israelita e um estado de desequilíbrio político, e apenas reforçarão a determinação da Austrália e de outros países em defender o direito internacional, a solução dos dois Estados e o reconhecimento do Estado da Palestina como o caminho para a paz.”

A ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Penny Wong, também considerou tudo isto um tanto excessivo. Chamando à decisão de cancelar os vistos dos diplomatas australianos na Cisjordânia uma “reação injustificada” à decisão de Camberra de reconhecer a Palestina, Wong sentiu-se suficientemente confiante para replicar que a decisão israelita tinha sido insensata. “Num momento em que o diálogo e a diplomacia são mais necessários do que nunca, o governo Netanyahu está a isolar Israel e a minar os esforços internacionais em prol da paz e de uma solução de dois Estados.”

Essa confusão foi apropriadamente coroada pela própria figura grandiosa da demagogia, o primeiro-ministro israelita. “A história vai lembrar Albanese pelo que ele é: um político fraco que traiu Israel e abandonou os judeus da Austrália”, veio a crítica desdenhosa do gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro israelita certamente não está errado sobre Albanese ser fraco, mas está errado sobre em que ele tem sido fraco.  O mais intrigante é que Albanese encontrou alguma coragem nesta frente, embora seja o tipo de coragem fortalecida por aliados. Mas já é alguma coisa.

Fonte: Middle East Monitor, 19 de agosto de 2025

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