Taça de Portugal. A bolha rebentou com lágrimas de crocodilo
Alfred
Hitchcock Presents / The Pearl Necklace - Diane Webber
Para um futebol deprimente, um final de época deprimente no
Jamor. Cenas tristes de violência gratuita, cargas policiais, balas para o ar
como se continuássemos a viver a Oeste de Pecos sob a lei do juiz Roy Bean. Há
que convir que era de esperar quando, sem tino nem preceito, o presidente do
Sporting resolveu irromper por uma festa de comemoração do título de campeão
(justíssimo) do seu clube com aquela frase bacoca: “Agora não queremos
vencê-los, vamos é rebentar com eles!”. Uma farronca ridícula que tinha, como
teve, tudo para dar mal. A final do arrebenta foi uma bolha que ele encheu e
lhe rebentou nas mãos porque não existe adversário que não se motive perante
tal exibição de desprezo. Perdeu o Sporting, e pelos vistos bem, ganhou o FC
Porto que com a conquista da Taça de Portugal salvou a época e pôde fazer, por
sua vez, a sua festa nos Aliados, com um toquezinho de exagero já que, vendo
bem, dentro de tanta mediocridade também… só ganhou a Taça.
Deprimente também a despedida do Dinossauro Excelentíssimo que é o ex-presidente
portista, uma figura que durante quarenta anos sarrazinou a nossa paciência
mais do que Catilina azucrinou a de Cícero, ao ponto de este bradar em pleno
senado: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” Até
quando continuará ele, decrépito, a abusar da nossa boa vontade? As imagens
ficaram aí, para sempre, demonstrando a fraqueza de um homem que nunca ultrapassou a sua própria vulgaridade,
chorando lágrimas de crocodilo. Não, quem o conhece de tantas batalhas como eu, sabe que
aquilo de emoção nada tem. É teatro puro e duro, tão mal encenado como a
horrível forma como teimou sempre em recitar o Cântico Negro do Régio com
versos trocados a torto e a direito como se alguma vez os tivesse sabido de cor.
Proibido de aparecer no
Estádio Nacional por ter sido condenado num processo disciplinar da Liga sob a
acusação de “lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa” de um árbitro,
valeu-lhe a solidariedade de um antigo colega de direção no FC Porto, e agora
presidente da FPF, para arranjar lugar na tribuna presidencial, lugar
esse, acrescente-se, bem mais honroso do que o que foi atribuído ao novo
presidente eleito do clube. Seria de ofender qualquer um, mas não Villas-Boas,
que se precipitou na corrida ao beija-mão desse extraordinário mamífero que se
preserva chorando como uma criança com pena de si próprio a sua queda tão
estrepitosa como inevitável. Deprimente, claro! É assim o nosso futebolzinho
rasteiro que dá, para que todos respiremos um pouco de ar puro, agora lugar ao
Campeonato da Europa, mesmo sabendo que a nossa imprensa continuará a encher
primeira páginas com mirabolantes contratações, tantas delas inventadas por
agentes sem escrúpulos e alimentadas por jornalistas de pacotilha.
O que vem aí. Depois de um campeonato praticamente sem
história, que o Sporting dominou a seu bel-prazer, deixando um Benfica ridículo
a dez pontos de distância, veremos como se regem as leis do mercado. Mais
estável, menos dependente das injeções monetárias, cada vez mais distante das
pressões de uma claque que assinou a sua sentença de morte no dia em que foi
instigada a invadir Alcochete e espancar os seus próprios jogadores, os leões
parecem estar aptos para conservarem não apenas Rúben Amorim, nesta altura o
melhor treinador português, muito provavelmente, como também fazerem um esforço
para não deixarem voar Gyökeres (de longe o melhor jogador do campeonato). Essa
tranquilidade é o seu ponto forte perante dois adversários perdidos no tempo e
no espaço e incapazes, pelos vistos, de compreenderem onde residem as suas
maiores fraquezas. Se o FC Porto tem, para já, a liderança na corda bamba –
domingo, o novo presidente demonstrou que continua demasiado apegado ao velho,
tal como acontece com Sérgio Conceição -, o Benfica é um barco à deriva que, à
primeira vista, vai voltar a trocar uma equipa inteira por outra, insistindo
num treinador que já deixou claras as tremendas insuficiências que tolhem todas
as suas reações e atitudes, tanto no comando dos jogadores como na sua relação
com os adeptos, diretamente ou através da comunicação social. Chega ao fim
desta época tão, tão fragilizado que ao primeiro resultado negativo da próxima
fará estremecer todos os alicerces do clube e acabará, segundo todos os indicadores,
por ter um futuro muito curto. Mas o presidente Rui Costa deu-lhe vida e
autoridade. Agora, Roger Schmidt é irremovível. Logo veremos se continuará a
desperdiçar os jogadores que lhe põem nas mãos.
Afonso de Melo
Fonte: jornal i, 28 de maio de 2024
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