Portugal e Canadá procuram alternativas: Existe algum caça europeu que possa acabar com a dependência do EUA e dos seus F-35?
Perry Mason (1957-1966)
Portugal está a considerar
abandonar a aquisição do caça
norte-americano F-35A Lightning II e a procurar uma alternativa europeia mais
autónoma e menos dependente de Washington. Em
cima da mesa está agora o Gripen E/F, produzido pela empresa sueca Saab, uma opção que
também está a ser avaliada pelo Canadá, segundo confirmou o CEO da empresa,
Micael Johansson, à imprensa sueca.
A decisão surge numa altura em que o ministro da Defesa, Nuno Melo, manifestou
recentemente reservas quanto à compra dos F-35, sublinhando preocupações de
soberania operacional e de dependência tecnológica face aos Estados Unidos. O
Canadá, embora não tenha cancelado o contrato com a Lockheed Martin, iniciou
igualmente uma revisão do processo de aquisição.
Parte do receio em torno do F-35 prende-se com a alegada existência de um “kill switch” — um sistema remoto que permitiria aos EUA
desativar os caças à distância. Apesar de não haver provas concretas da sua
existência, e da própria Lockheed Martin negar essa funcionalidade, o tema tem
ganhado destaque no debate político e técnico europeu.
Esta questão levanta dúvidas sobre até que ponto os países
aliados podem realmente operar os F-35 de forma totalmente independente. A
crescente instabilidade geopolítica e a incerteza sobre a política externa
norte-americana em futuros mandatos — especialmente se figuras como Donald
Trump voltarem à presidência — alimentam o receio de dependência excessiva.
Gripen: fiável, adaptável e mais barato
Embora o Gripen E/F não seja
um substituto direto do F-35 em
termos de capacidades furtivas ou de guerra eletrónica, os especialistas
consideram-no uma opção muito sólida para países que valorizem flexibilidade
operacional, custos reduzidos e independência.
“O F-35 é como um Ferrari e o
Gripen é como um Honda Civic. Não se repara um Ferrari na berma da
estrada…, mas provavelmente conseguiríamos arranjar um Honda Civic”, afirmou
Walter Kowalski, antigo gestor de projetos da NATO, em entrevista à Euronews.
Segundo o especialista, o Gripen tem a vantagem de ser compatível com uma vasta
gama de armas — tanto mísseis de curto como de longo alcance — e pode ser
facilmente adaptado aos sistemas já existentes em muitos países.
Além disso, o Gripen é significativamente mais barato de operar: entre 4700 e 7000
dólares por hora de voo, contra os 33 000 a 40 000 dólares do F-35, segundo
dados citados por Kowalski. O tempo de preparação entre missões também joga a
favor do caça sueco — apenas 20 minutos para o Gripen, contra até três horas
para o F-35.
Velocidade, alcance e transferência de tecnologia
O Gripen E/F é também superior em velocidade e alcance. Pode
atingir os 2400 km/h, face aos 1900 km/h do F-35, e tem maior autonomia de voo.
A Saab destaca ainda a transferência de tecnologia como um ponto-chave da sua
proposta: no contrato com o Brasil, por exemplo, foi incluída a capacitação de
empresas locais para manterem e modernizarem os caças durante até 40 anos, sem
necessidade de intervenção sueca.
Andrew Erskine, investigador do Institute for Peace &
Diplomacy (IPD), destaca que o F-35 representa sobretudo a visão americana do “caça
perfeito”, com foco em stealth, sensores e guerra eletrónica —
capacidades difíceis de replicar, mas também caras e exigentes em termos de
logística.
A questão da soberania e da “americanização” dos
sistemas
Tanto Erskine como Kowalski sublinham outro ponto central no
debate: o grau de controlo dos EUA sobre os seus sistemas de defesa. As regras
do International Traffic in Arms Regulations (ITAR) colocam os componentes
fabricados nos EUA sob vigilância apertada, obrigando os países compradores a
lidar diretamente com Washington para qualquer questão de manutenção ou
exportação.
“Comprar o F-35A é investir num avião de elevado custo,
com logística extremamente complexa, e tornar-se extremamente dependente da
amizade com a administração norte-americana em funções”, alertou
Kowalski.
Mesmo o Gripen, no entanto, não está totalmente isento dessa
influência: cerca de 30% dos seus componentes têm origem nos EUA. O motor F404
ou F414, por exemplo, foi desenvolvido pela General Electric, embora tenha sido
modificado e produzido pela Volvo. O sistema de suporte de vida do avião, que
garante oxigénio de emergência aos pilotos, é fabricado pela norte-americana
Honeywell.
A alternativa francesa: Dassault Rafale F4
Para os países que pretendem evitar qualquer interferência
americana, o Rafale F4 da francesa Dassault surge como a opção mais
“independente”. Com capacidades equilibradas, boa transição entre operações
terrestres e navais, e fácil manutenção, o Rafale é considerado um caça
versátil e tecnologicamente robusto.
Ainda assim, a aceitação do Rafale no mercado internacional
encontra resistência em países habituados a sistemas norte-americanos, como
Egito, Qatar ou Índia. “O cliente está habituado a componentes americanos… e o
cliente tem sempre razão”, comentou Erskine.
A longo prazo: repensar a autonomia europeia
Kowalski apela à prudência dos países europeus na gestão
desta transição. “Levantar as mãos e criticar a administração atual para
justificar o fim do investimento na segurança nacional não me parece sensato”,
afirmou. Em vez disso, defende a negociação de soluções equilibradas com os EUA
que salvaguardem os interesses estratégicos da Europa.
Já Erskine defende uma resposta mais coordenada dentro da
União Europeia, propondo a criação de uma coligação que partilhe tecnologias,
peças críticas e cadeias de abastecimento. “O que precisamos é de mais visão
estratégica”, afirmou.
Num contexto em que o debate sobre soberania, independência
tecnológica e defesa europeia ganha relevância, a procura de alternativas ao
F-35 — por parte de países como Portugal — marca um ponto de viragem. A decisão
que vier a ser tomada poderá ter impacto muito para além das fronteiras
nacionais, reconfigurando o equilíbrio de poder e influência nas forças armadas
da Europa nas próximas décadas.
Fonte: Executive Digest, 16 de abril de 2025
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