É preciso ter “muito cuidado” com a informação partilhada nos sistemas de IA
Perry Mason (1957-1966) – Ruta Lee
A
rápida evolução da tecnologia vai levar a que a IA esteja “nas nossas vidas
muito rapidamente e nas vidas do mundo do crime de certeza absoluta”, alerta o
inspetor-chefe da Polícia Judiciária Luís Afonso
O inspetor-chefe da Polícia Judiciária Luís Afonso aconselha
a que se tenha muito cuidado com a informação partilhada nos sistemas de
inteligência artificial (IA), adiantando que a polícia está a fazer um forte
investimento nesta área.
“Eu daria como conselho muito cuidado com as informações”
que se colocam nos sistemas de IA, “principalmente as informações pessoais”,
disse em entrevista à Lusa o inspetor-chefe da Unidade Nacional de Combate ao
Cibercrime e Criminalidade Tecnológica (UNC3T).
Segundo Luís Afonso, “pessoas
põem lá os seus extratos de conta bancária para fazer médias, para fazer
análises” ou até os seus registos médicos “para ver se a
inteligência artificial tem lá uma outra opinião diferente da do médico”.
“Tenham cuidado com isso, pelo menos saibam, pelo menos
tenham consciência que uma vez colocado lá, para
todo o sempre, estará lá”, adverte Luís Afonso, referindo que se
desconhece o que vai ser feito com essa informação.
Existe o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), “mas
é para os dados normais, para aquilo que até hoje estávamos habituados”,
prossegue.
“Depois de pormos um dado num assistente de inteligência
artificial, não sabemos o que é que fazem com eles, e a verdade é mesmo essa”,
refere.
E no caso de modelos de IA onde as regras não são as mesmas
da Europa ou dos Estados Unidos? “Se estivermos
a pôr num país que talvez possa no futuro ser potencialmente hostil a nós, acho que ainda é mais arriscado, enquanto
aqui na Europa, especialmente com os assistentes dos EUA, temos alguma confiança”,
embora “claro que vão ser utilizados os dados”, diz.
“Agora quando estamos a dar
exatamente a assistentes sediados na China, nós não fazemos a mínima
ideia” de como é que esses dados vão ser utilizados, “mas vão ser utilizados,
certamente”.
Até porque “é um manancial de informação enorme. Aliás, os
próprios assistentes, a própria IA aprende com tudo o que nós colocamos lá,
estão sempre a aprender”, reforça.
Contudo, estas ferramentas de IA estão “disponíveis para os
dois lados”.
Por isso, Luís Afonso considera que se vai assistir a uma
“corrida pela originalidade dos criminosos em arranjar novos ‘modus operandi'”
e a PJ a “tentar seguir e descobrir”.
Com a IA, “uma das coisas que
nós podemos tentar fazer é tentar prever o comportamento dos criminosos da
mesma maneira que os criminosos poderão tentar prever a nossa reação”,
sublinha.
“Vamos ter aqui uma corrida no futuro, isto parece que é
daqui a muitos anos e quase ficção científica, mas não, o desenvolvimento da
inteligência artificial está a uma velocidade enormíssima”, acrescenta o
inspetor-chefe da UNC3T.
A velocidade é “brutal” e “vai estar nas nossas vidas muito
rapidamente e nas vidas do mundo do crime de certeza absoluta”.
Quando à capacidade da PJ, garante que estão a ser formadas
equipas, sem adiantar números, uma responsabilidade da Direção Nacional.
“Posso dizer que há um fortíssimo investimento”, salienta,
afirmando-se surpreendido pela positiva e apontando que a hierarquia está sempre aberta a ouvir aqueles que estão
no terreno e as suas sugestões,
tal como o próprio ministério.
“Estamos a preparar, mas já está mesmo decidido, um
fortíssimo investimento, já foram feitos alguns passos e um fortíssimo
investimento nesta área. Vamos ter que formar mais pessoas, claro, como toda a
sociedade, vai ter que haver um maior investimento pessoal e material”,
salienta Luís Afonso.
“Temos expectativas que corra tudo bem […], acho que desta vez não vamos ficar atrás dos criminosos”,
sublinha, referindo ter “a firme convicção” que esta “será uma das áreas de
ponta dentro da polícia”.
Quanto às ‘deepfakes’,
o inspetor-chefe salienta que hoje em dia é possível fazer filmes com IA com
“qualidade extraordinária” e existem “ferramentas para detetar se aquela imagem
é verdadeira ou não”.
Nesse sentido, vai haver “uma corrida de sistemas
adversativos, enquanto um tenta fazer uma imagem mais perfeita, um filme mais
perfeito e o outro tenta detetar o que é que está mal ali”.
Segundo o responsável, a IA “traz desafios grandes na
investigação da pornografia infantil porque existem métodos que, utilizados,
poderão tornar muito mais difícil o rastreamento da pornografia infantil”.
Ao longo do tempo, “as autoridades a nível mundial
desenvolveram métodos” que resultam em mais de 90% [dos casos] e a IA, “com
ferramentas simples de utilizar, livremente disponíveis, consegue vir dar-nos
muito mais trabalho e desfazer” alguma desta metodologia que já está
desenvolvida há algum tempo e que tem dado “bons resultados”, remata.
Fonte: O Jornal Económico, 8 de junho de 2025
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