Tarifas de Trump ao Brasil vão afetar os EUA: "Os norte-americanos vão ter de pagar mais caro pela carne, pelo café e pelas laranjas"
Presidente
republicano aprovou impostos de 50% sobre produtos brasileiros, o que torna
mais caros os alimentos exportados pelo país sul-americano
Donald Trump anunciou a imposição de tarifas de 50% a todos
os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos a partir do início de
agosto. Numa carta endereçada ao presidente do Brasil, Lula da Silva, esta
quarta-feira, o líder republicano critica o julgamento de Jair Bolsonaro
(acusado de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado
democrático de direito) e diz estar em causa uma relação comercial "muito
injusta" que gerou "défices comerciais insustentáveis". A nova
taxa, contudo, pode ser prejudicial para o dia a dia da população
norte-americana.
Os Estados Unidos são um
cliente fundamental para a economia brasileira. Em 2024, o país sul-americano
exportou o equivalente a 40,3 mil milhões de dólares em produtos de
diferentes origens. "Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos
crus" lideram a lista, equivalendo a 14% de todas as vendas. Seguem-se,
"produtos semiacabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou
aço" (8,8%) e "aeronaves e outros equipamentos, incluindo suas
partes" (6,7%) - o "Top 3", segundo divulgado pelo governo.
Apesar da forte relação entre os países, e o alto valor dos
produtos vendidos pelo Brasil, os EUA conseguiram um superavit de 7,4 mil milhões de
dólares em 2024, revelam os dados oficiais norte-americanos. Este
valor, além de contradizer a carta enviada por Donald Trump, é também 1,8 mil
milhões de dólares mais alto que o registado no ano anterior.
Os Estados Unidos não importam apenas itens como os
referidos acima, que são utilizados principalmente para fomentar a indústria do
país. Produtos provenientes da agropecuária brasileira abastecem supermercados
na América do Norte e estão presentes no dia a dia das famílias, mas agora
podem ficar mais caros devido ao novo imposto. O
Brasil, por exemplo, foi o terceiro maior fornecedor de carne bovina do mercado
americano em 2024, e cresceu consideravelmente em 2025,
ultrapassando Canadá e Austrália no período entre janeiro e maio.
Outros alimentos, como café e
laranja, também se destacam. "O que mais vai ser impactado a
longo prazo é isso, alimentos básicos que a população usa", explica ao Expresso
Sérgio Rodrigo Vale, economista-chefe e sócio da MB Associados, empresa de
consultoria e análise macroeconómica brasileira. Sendo assim, com as tarifas, a
tendência é "um aumento de preço" destes produtos, ainda que o
economista acredite que demore para “o impacto aparecer com mais intensidade”:
"Certamente vai ver aparecer com mais força no segundo semestre".
Em 2024, o Brasil exportou o equivalente a 2,3 mil milhões
de dólares de produtos agropecuários. Para evitar o aumento de 50% nos preços
deste setor, os Estados Unidos necessitariam de produzir estes alimentos
internamente ou encontrar novos fornecedores. Na carta enviada a Lula, Trump afirma que "não haverá tarifa se o Brasil, ou
empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro
dos Estados Unidos". A situação no caso dos alimentos,
contudo, não é tão simples assim.
"O Brasil é o maior produtor de carne do mundo. A gente
tem um rebanho que é mais de duas vezes maior que o americano, a gente produz
mais carne hoje do que os americanos, e eles dependem dessa nossa importação
para consumo de carne. Não tem muita alternativa viável para eles passarem a
importar, a dependência do Brasil nesse sentido é muito grande", explica
Sérgio Vale. "Os norte-americanos vão ter de pagar mais caro pela carne,
pelo café e pelas laranjas", completa.
"Um tiro no pé astronómico na própria economia
americana"
O impacto na economia dos Estados Unidos não está restrito
às tarifas brasileiras. O país anunciou impostos sobre produtos de mais de 20
países diferentes, incluindo até 35% em compras provenientes do Canadá. E estas
medidas já estão a ser sentidas pelo consumidor final. “Para o padrão
americano, que trabalha com uma inflação de 2% de meta, ao subir e ficar entre
3% e 4%”", surgirão implicações na taxa de juros que será preciso
acompanhar", analisa o especialista, que critica: "é um tiro no pé astronómico
na própria economia americana".
O impacto também é relevante noutros países. Um estudo da
Universidade Federal de Minas Gerais projeta uma queda de 0.12% do Produto
Interno Bruto (PIB) global. No país norte-americano, a queda é mais acentuada:
0.37% do PIB.
No caso brasileiro, os setores mais afetados, segundo o
estudo, serão "tratores e outras máquinas agrícolas", com queda de
23.61% das exportações, aeronaves, embarcações e outros equipamentos de
transporte, -22.33%, e "outros produtos da lavoura temporária (cereais,
oleaginosas, exceto soja)", que deve diminuir em 21.35%.
Este cenário, no entanto, pode abrir novas alternativas ao
mercado brasileiro. "Se os Estados Unidos não querem comprar, vamos
procurar quem queira", anunciou Lula da Silva, numa entrevista ao Jornal
Nacional, da Rede Globo.
Atualmente, o país possui um "comércio
diversificado", e está "a ampliar" esta característica nos
últimos anos, entende Sérgio Rodrigo Vale. Recentemente, o
Mercosul celebrou um acordo comercial com o EFTA, grupo
económico composto pela Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça, e trabalha
para finalizar um tratado com a União Europeia que está a ser negociado há
décadas.
Negociações com Trump ou medidas de reciprocidade?
"Nós entendemos que o Brasil é um país que não tem
contencioso com ninguém, nós não queremos brigar com ninguém, nós queremos
negociar e o que nós queremos é que sejam respeitadas as decisões
brasileiras", disse Lula da Silva. Já esta sexta-feira, Trump mudou
levemente o tom irredutível demonstrado na carta, e disse à Globo que
admite conversar com o Brasil, "talvez em algum momento, mas não agora”.
Sem um acordo, o presidente sul-americano prometeu utilizar
a "Lei da Reciprocidade quando necessário" e acionar a Organização
Mundial do Comércio para que a entidade "tome uma posição para saber quem
é que está certo ou que está errado". As possíveis represálias, no
entanto, não foram anunciadas.
Caso o país opte por impor tarifas a produtos
norte-americanos, Trump prometeu aumentar os impostos em vigor. Sendo assim, o
"Estadão" noticiou que o governo estuda pôr fim à patente de
medicamentos, como uma reposta a partir de agosto. "É um caminho que foge
de gerar um impacto muito negativo na economia brasileira e fere mais
profundamente a própria economia americana", explica Sérgio Vale.
"Neste momento em que há uma inflação elevada no Brasil, aumentar as
tarifas contra os EUA acaba por ter alguma implicação nos preços. Talvez o
Banco Central tenha de manter juros elevados por mais tempo… aproxima-se um
período eleitoral, tudo isso conta. Será preciso ser mais inteligente sobre
como responder a este ataque tarifário de Trump", finaliza o economista.
Fonte: Expresso, 11 de julho de 2025
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