Prostituição, séculos XIX – XXI (2)
Este sistema era visto como um garante da lei e da ordem
intimamente ligado à ordem moral, e sobretudo um garante da saúde pública numa
altura em que a higiene se tornava uma preocupação essencial, mesmo uma
obsessão, entre as autoridades e classe abastada por medo da propagação da sífilis.
Essa função profilática da regulação, fundamental para entender a expansão do
sistema pela Europa, foi proclamada tanto na Itália unificada quanto no Império
Alemão. Enquanto, na Alemanha, a situação variava de lugar para lugar (bordéis
eram autorizados em Estugarda e Hamburgo, mas proibidos em Berlim e Munique),
havia controlos policiais e a inspeção sanitária de prostitutas declaradas em
todos os lugares. Na Rússia, enquanto isso, a prostituição era regulamentada
pelo Departamento Médico do Ministério do Interior. Na Inglaterra, a legislação
que impôs a regulação em todo o país foi simplesmente chamada de “The
Contagious Diseases Acts”. No entanto, apenas as prostitutas eram acusadas de
espalhar doenças venéreas: em nenhum país europeu os clientes eram submetidos a
inspeções médicas.
Essa posição permitia que a prostituição fosse tolerada enquanto
as prostitutas eram rejeitadas pela sociedade. Embora essa rejeição não fosse
nova, a regulação modificou-a ao criar uma nova categoria jurídica, fora do
direito comum, já que regulação, repressão, controlos policiais, inspeções
sanitárias e bordéis diziam respeito apenas às mulheres.
Este consenso discriminatório, o quarto elemento comum na
abordagem europeia da prostituição, só foi possível através da existência de um
arquétipo – a Prostituta – ao qual todos os governos e sociedades aderiram.
Este foi o elemento final que permitiu o sucesso europeu da regulação. Nas
gírias e formas vulgares, “prostituta” era um insulto em si, que tinha associações
degradantes ou desumanizantes, mesmo quando o termo era usado por feministas
(evocando imagens de imundície, esgoto, gangrena, a escória da sociedade…).
Este consenso depreciativo combinou amoralidade e declínio
(“queda”) segundo um conjunto de valores de género: saber e poder entrelaçados
para transformar “a profissão mais antiga do mundo” – na maioria das vezes
gerada pela pobreza – num ato abjeto resultante do vício, poupando os clientes,
alcoviteiros e chulos de tais acusações. Em 1896, estes duplos padrões sexuais
foram reforçados pelo sucesso em toda a Europa da teoria pseudocientífica da Nascida
Prostituta, supostamente identificável pelo seu físico e os seus órgãos
sexuais: um estado de natureza que justificava o seu tratamento separado e o seu
confinamento num bordel (Lombroso e Ferrero, A Mulher Criminosa e a
Prostituta, 1896).
A prostituição é obviamente uma questão física, mas, em toda a
Europa, as relações sexuais remuneradas eram também uma questão de género:
visível na negação da prostituição masculina e das necessidades femininas, ou
na leitura positiva do cliente viril e na leitura negativa da prostituta
degradada, que era responsabilizada pela disseminação da sífilis, uma obsessão
entre as classes dominantes, que viam nisso a ameaça de declínio nacional por
transmissão hereditária. Era também uma questão de classe: os europeus tinham o
cuidado de não confundir a demi-mondaine encartadas, a clandestina ou prostituta
ocasional.
Dessa forma, a ideologia compartilhada que sustenta a regulação parece
ter sido mais forte do que quaisquer diferenças culturais. É claro que as
diferenças culturais também eram políticas, porque o poder do Estado tem mais
peso do que a influência das atitudes: mas mesmo quando os regimes mudaram ou
se democratizaram, a regulação persistiu. Doravante, os seus opositores
poderiam destacar essa violação de direitos fundamentais, desde que tais
direitos fossem a base do atual sistema político ou, pelo menos, entre as
reivindicações dos seus opositores políticos. Esse movimento contra a regulação
teve as suas raízes na Inglaterra e na França, mas era europeu nas suas
ambições.
Fonte: Digital
Encyclopedia of European History
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