Staff do BCE acusa Lagarde de práticas antidemocráticas e agir como um miniestado
O.P.J. Pacific Sud (2019) - Marielle Karabeu, Marcelino
Méduse
Favoritismo
na contratação e promoção, pressões sobre os técnicos, indefinição sobre o
estatuto legal do banco e abuso de contratos precários – estas são algumas das
acusações do staff do BCE à atual liderança, que tem “tomado uma postura muito
mais antidemocrática do que anteriores” e levado a altas
taxas de burnout e suicídio
A liderança do Banco Central Europeu (BCE) está a ser
acusada pelos trabalhadores de promover uma cultura de impunidade marcada por
nepotismo, pressões sobre o staff e as suas conclusões técnicas e um
enquadramento legal que torna a instituição num “miniestado” de facto – tudo
opções que minam o que Christine Lagarde recentemente descreveu como uma das
“vantagens competitivas críticas” da instituição e da UE.
Numa carta dirigida aos governadores do BCE a que o Jornal
Económico teve acesso, o comité do staff do banco argumenta que os
princípios do Estado de direito, que a presidente do banco e outras altas
figuras elogiaram recentemente como um fator diferenciador, estão a ser
atropelados por uma cultura antidemocrática que transforma a instituição numa
“fortaleza legal impenetrável”.
Em particular, o enquadramento jurídico do banco central e “natureza extraterritorial” permitem “distorcer a aplicação do princípio da separação de poderes”, um dos pontos fulcrais neste desentendimento entre trabalhadores e liderança do BCE.
Este é mais um capítulo nas tensões entre staff e
governadores, isto depois de a instituição ter proposto que os representantes
dos trabalhadores, eleitos por votação, dediquem parte do seu horário a funções
técnicas – isto apesar de a lei laboral alemã permitir que estes aloquem todo o
seu tempo à defesa dos direitos dos trabalhadores.
Sendo uma instituição supranacional, a lei alemã não se
aplica ao BCE, deixando o banco agir numa zona legal pouco definida.
“Externamente, o BCE está colocado numa situação de enorme
margem de discrição na definição do seu próprio mandato. […] Na prática, vemos
uma situação em que o BCE consegue imiscuir-se no domínio político, emitindo
instruções a governos eleitos que vão para lá do domínio da política monetária
ou tomando decisões que muitos observadores dizem ser de natureza política”,
lê-se no documento.
Mas a situação interna é ainda pior, acusam os
trabalhadores. A indefinição legal da relação laboral com o banco deixa o staff
“numa situação de extrema dependência do poder no cargo, o que ameaça a
capacidade dos técnicos de expressarem independentemente as suas visões de
especialista”.
“Este desequilíbrio de poder está a gerar problemas
substanciais relacionados com a inexistência de pesos e contrapesos, tal como
as suspeitas generalizadas de favoritismo nas contratações e promoções, o abuso
de contratos precários ou os elevados níveis de burnout e suicídio mostram”,
ilustra a carta.
A situação não é nova, verificando-se há uma série de anos e
abrangendo várias lideranças, mas “este Conselho Executivo tem tomado uma
postura muito mais antidemocrática do que anteriores”.
Estas acusações marcam nova página nos desentendimentos no
seio do BCE, onde o ambiente aparenta vir a deteriorar-se há anos. Uma sondagem
do IPSO, um dos sindicatos que representa os trabalhadores do BCE, concluiu em
maio que 77% dos técnicos do banco acreditam que “conhecer a pessoa certa” é o
principal veículo para uma promoção, enquanto apenas 34% afirmam ser um reflexo
da performance pessoal. O inquérito abrangeu 1425 dos cerca de 5 mil
trabalhadores do banco, com mais de metade a dizer ter pouca ou nenhuma
confiança no trabalho de Lagarde e do Conselho Executivo.
Comparando com 2015, quando 39% do staff discordava da noção
de que o BCE estaria a fazer o melhor possível para promover os trabalhadores
mais competentes, este número quase duplicou para 72%.
Fonte: Jornal Económico, 30 de julho de 2025
Comentários
Enviar um comentário