Porque é que as elites continuam a ser vítimas da sua própria armadilha
Perry Mason
(1957-1966) – Gavin MacLeod
O
excesso do establishment criou um público zangado e desconfiado
Recordar-se-á de que Rosencrantz e Guildenstern partiram
para Inglaterra com uma carta que pedia ao rei inglês que matasse o seu
companheiro, Hamlet. Mas Hamlet altera a carta para que instrua o rei a matar,
em vez disso, os dois estudantes desajeitados, o que acaba por acontecer. Ao
descrever o seu plano, Hamlet introduziu na língua inglesa a expressão “hoist
with his own petard” (apanhado pela sua própria armadilha).
Ser apanhado na própria armadilha tornou-se, hoje em dia, um
fenómeno político surpreendentemente comum. Repetidas vezes, figuras
proeminentes queixam-se de ser vítimas de políticas que elas próprias
instigaram, ou de se verem do lado errado de opiniões públicas que elas
próprias ajudaram a provocar.
Alguém resmungou comigo, na semana passada, sobre o plano do
Reform UK de acabar com a “autorização de residência por tempo indeterminado”
para migrantes legais e deportar mais de meio milhão de pessoas. Conhecia
colegas que vivem e trabalham aqui há muitos anos e que agora temem ser
expulsos do país. Escandaloso. Concordei, mas acrescentei: não acha que a razão
pela qual o Reform está em alta nas sondagens é o facto de muitos milhares de
migrantes que entram ilegalmente poderem ficar e receber benefícios – mesmo, em
muitos casos, quando cometem crimes? Essa é a política que deveria culpar,
sugeri, e não a resposta inevitável do Reform, que procura popularidade.
Na semana passada, democratas e jornalistas nos Estados
Unidos queixavam-se de que a acusação de James Comey, o antigo chefe do FBI,
estava a politizar a justiça. Eis que surgiram, em catadupa, vídeos online de
há dois anos dos mesmos democratas e jornalistas a descrever as tentativas
descaradamente políticas de processar Donald Trump como “fazer justiça”.
Os americanos têm um acrónimo mais cru para isto: FAFO (fuck around and find out – “anda a brincar e vais ver no que dá”). Num dos casos mais obscuros desta “petardaria”, Comey publicou uma vez no Instagram uma fotografia de conchas numa praia que pareciam formar os números 8647, com a legenda: “Cool shell formation on my beach walk” (“Formação de conchas engraçada no meu passeio pela praia”). Como 86 pode ser código para “livrar-se de” (ou matar) e 47 é o código para Trump (por ter sido o 47.º presidente, no seu segundo mandato), alguns perguntaram-se se Comey não estaria a insinuar uma ameaça. Na semana passada, Elon Musk publicou no X uma imagem gerada por IA de Trump ajoelhado a reorganizar conchas na areia de modo a soletrar FAFO. A legenda de Musk: “Cool shell formation found on beach walk”.
A eleição de Donald Trump foi um caso espetacular de
políticos de esquerda a serem apanhados na sua própria armadilha. Passaram anos
a dizer aos americanos que eram racistas deploráveis, fascistas e transfóbicos
— e depois espantaram-se por eles não votarem neles.
Após o assassínio de Charlie Kirk, muitos ficaram chocados
com o cancelamento do comediante de late night Jimmy Kimmel, depois de
este ter alegado falsamente que Kirk fora morto por um conservador do movimento
MAGA. Mas muitas dessas mesmas pessoas tinham aplaudido, ou pelo menos
encolhido os ombros, perante o cancelamento de comentadores conservadores em anos
anteriores.
Muitos amigos académicos estão horrorizados com os ataques
da administração Trump ao financiamento das universidades e da investigação
científica. Talvez, digo-lhes, não tenha sido assim tão inteligente transformar
as universidades em madraças de monopólio da extrema-esquerda, cheias de
extremistas zangados a ensinar os alunos a descolonizar a matemática, inventar
uma centena de sexos diferentes e odiar a sua própria cultura. Normalmente,
recebo olhares vazios quando tento fazer este ponto a estas pessoas supostamente
inteligentes.
Claro que a petardaria pode apanhar tanto a direita como a
esquerda. Quando Trump cortou o financiamento do Serviço Nacional de
Meteorologia, um meteorologista avisou:
“Estes cortes vão dificultar a proteção da sua família
quando o céu se tornar ameaçador. Alarmismo? Esperem para ver… uma potencial
edição mortal de FAFO.”
Esperem mais disto à medida que os trumpistas colherem o que
semearam.
Ou então vejamos a questão da justiça a duas velocidades no
Reino Unido. O procurador-geral, Lord Hermer, atacou ontem o secretário da
Justiça conservador, Robert Jenrick, por se atrever a nomear e criticar juízes
– como se Hermer estivesse alegremente alheado de quão políticos os juízes se
tornaram nas suas decisões recentes. Os juízes
têm-se intrometido em assuntos que costumavam ser prerrogativa do parlamento e
comportam-se cada vez mais como ativistas judiciais. Num caso infame, um homem
muçulmano que violou uma rapariga de 13 anos foi poupado à prisão porque o juiz
admitiu que ele podia não saber que violar uma criança era errado. Esses
juízes esperam mesmo estar imunes a críticas?
O patriotismo na Grã-Bretanha está agora a tornar-se zangado
e feio, lamentam alguns, e a bandeira de São Jorge está a ser apropriada por
racistas. Pois bem… quem é que começou por chamar racistas às pessoas que
hasteavam a bandeira de São Jorge?
Se passas anos a gritar insultos online a qualquer pessoa
que ouse levantar a mais leve objeção contra homens que fingem ser mulheres
para poderem competir em desportos femininos ou serem transferidos para prisões
femininas, então não fiques surpreendido se pessoas trans genuínas receberem
menos simpatia ou consideração do que merecem por parte de alguns.
A BBC dá alegremente palco a alarmistas climáticos extremos,
que dizem que biliões vão morrer de fome ou em tempestades, e depois dá-nos
lições sobre a necessidade de abdicar das caldeiras, da carne de vaca e das
viagens a Benidorm. Mas proíbe qualquer aparição de céticos razoáveis que
afirmam que o aquecimento global é real, mas não constitui uma ameaça
existencial. Depois, finge espanto quando o público, reparando que os
rendimentos agrícolas estão a aumentar e não a diminuir, que as tempestades não
são piores do que antes e que a energia ficou caríssima, começa a achar que
tudo pode não passar de uma fraude ou de um esquema.
As taxas de vacinação caíram a pique e os “pais centristas”
culpam os ativistas anti-vacinas. Mas quem é que insistiu em enganar o público
ao afirmar falsamente que as vacinas da Covid impediam a transmissão e obrigou
toda a gente a vacinar-se sob pena de perder o emprego ou a possibilidade de
viajar, até mesmo crianças em risco mínimo de morrer de Covid? Não é preciso
procurar muito para perceber quem lançou Robert F. Kennedy Jr. para a ribalta.
“Porque é que as pessoas perderam a fé na ciência e
começaram a ouvir teorias da conspiração?”, lamentam os bien pensants.
Ora, talvez porque passaram anos a chamar-nos conspiracionistas por
suspeitarmos que a Covid podia ter alguma coisa a ver com o facto de
experiências científicas altamente duvidosas e perigosas com vírus de morcegos
estarem a ser conduzidas precisamente em Wuhan, a mesma cidade onde surgiram os
primeiros casos.
Durante toda a pandemia, “a ciência” tratou de arruinar a
sua própria reputação. Dizer
às pessoas que era seguro participar numa manifestação em massa pelo Black
Lives Matter, mas não era seguro visitar a avó, foi um ponto especialmente
baixo para os especialistas científicos.
A razão pela qual a petardaria está em ascensão, sugiro eu,
deve-se ao efeito de câmara de eco. Vivendo na sua própria bolha filtrada, as
pessoas nem conseguem imaginar o dia em que as suas ações se voltam contra
elas. O crescimento da violência política à esquerda – como as tentativas de
assassinato de Trump, e o homicídio de Charlie Kirk e de vários agentes de
imigração – não é apenas errado, mas extraordinariamente estúpido, nem que
fosse só porque a direita, nos EUA, tem muito mais armas, e alguns idiotas da
direita poderão estar mais do que dispostos a responder na mesma moeda.
A expressão de Shakespeare refere-se ao risco que um petardier
do século XVI corria ao colocar uma pequena carga explosiva na parede de um
castelo para abrir uma brecha. A bomba, chamada petard, era um
dispositivo metálico cónico com cerca de dois quilos e meio de pólvora, que era
inserido num buraco da parede e cujo pavio era aceso antes de o petardier,
presumivelmente, sair a correr a toda a velocidade. Foi inventado em 1579 em
França, sendo péter o verbo francês para “peidar”.
Chame-lhe petard, pêndulo, bumerangue, justiça poética,
“volta a morder-te” ou “ceifar o vendaval” – mas aprecie o efeito sobre aqueles
que acabam por ser apanhados (those who get hoist).
Matt Ridley
Fonte: spiked, 29 de
setembro de 2025
Comentários
Enviar um comentário