Trinta mil milhões de dólares depois, Argentina está de novo à beira da falência

 

A corretora XTB analisa o percurso da economia argentina desde a vitória de Javier Milei: a economia do país parece ter melhorado significativamente, mas o investimento não chegou como esperado e o crescimento económico abrandou

Após ter recebido 30 mil milhões de dólares do FMI e do Banco Mundial, a Argentina encontra-se de novo à beira da falência – este seria o quarto incumprimento ou reestruturação do país nos últimos 25 anos.

Analisando o percurso da economia argentina desde a vitória de Javier Milei nas eleições gerais de dezembro de 2023, percebemos que numa fase inicial, a economia do país parece ter melhorado significativamente, tendo os investidores estrangeiros, acolhido bem as mudanças.

À medida que a economia melhorava, Milei também permitia a livre circulação de capitais dentro e fora da Argentina, aumentando a confiança dos investidores na sua economia.

O índice de ações do país – Merval – foi o mais rentável durante 2024, subindo 130% em termos de dólares, enquanto os fundos de investimento consideraram incorporar obrigações argentinas nos seus produtos.

Milei alcançou progressos fiscais e regulamentares significativos desde que herdou o caos económico do peronismo em dezembro de 2023. Equilibrou o orçamento e libertou milhares de empresários da burocracia:

Redução da inflação: O crescimento dos preços nos últimos anos manteve-se próximo dos 100%. Aquando da sua vitória eleitoral, a inflação atingiu 211% e, em abril, 294%. No entanto, desde então, conseguiu estabilizar-se nos 30%, e espera-se que confirme a tendência descendente em outubro, com um crescimento de “apenas” 25%.

Crescimento económico: A economia argentina cresceu 6,3% no segundo trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, ultrapassando o recorde do primeiro trimestre. Esta é a taxa de expansão mais rápida desde o segundo trimestre de 2022, impulsionada por uma forte recuperação no sector agrícola, à medida que os efeitos de uma seca histórica que tinha atingido severamente a produção de cereais começaram a desaparecer.

Taxa de pobreza: A taxa de pobreza da Argentina caiu drasticamente no segundo semestre de 2024, depois de as medidas de austeridade e os cortes na despesa pública terem inicialmente empurrado milhões de pessoas para a miséria. A taxa caiu de 52,9% no primeiro semestre do ano passado para 38,1%.

Balança comercial: A balança comercial da Argentina tem sido uma das principais preocupações de Milei. Os resultados têm sido positivos, mostrando sinais de melhoria em 2025 em relação aos anos anteriores. A Argentina acumulou um superavit comercial de 5,071 mil milhões de dólares, uma dinâmica positiva, embora inferior ao ano anterior, quando o país fechou 2024 com um superavit histórico de 18,928 mil milhões de dólares. O comércio externo mantém um excedente sustentado, impulsionado pelas exportações do agronegócio e da energia, mesmo num contexto de preços internacionais relativamente estáveis, enquanto o aumento das importações reflete uma economia interna mais dinâmica. Ainda assim, o quadro não é perfeito: com a China, a Argentina mantém um défice estrutural próximo dos 100 mil milhões de dólares nos últimos cinco governos.

Défice fiscal: O carro-chefe da política de Milei é o superavit fiscal. Para o conseguir, aplicou a “motosserra”: cortes na educação, obras públicas e subsídios; despedimentos no sector estatal; e fusões de ministérios. Lançou também uma reforma fiscal eliminando 19 impostos, baixando as tarifas sobre os bens de equipamento e criando o Regime de Incentivos aos Grandes Investimentos (RIGI), com isenções e amortizações aceleradas. Vetou leis que aumentavam as pensões ou as prestações sociais, defendendo como prioridade o “défice zero”.

O resultado: em agosto de 2025, o excedente primário acumulado equivalia a 1,3% do PIB. Uma reviravolta sem precedentes para um país habituado a gastar.

Mas o investimento não chegou como esperado e o crescimento económico abrandou. A culpa assentou essencialmente nas dúvidas sobre o banco central e na instabilidade do peso.

Durante mais de um ano, a Argentina manteve os controlos de capitais do anterior governo e o banco central utilizou uma taxa de câmbio fixa com o dólar abaixo da taxa de inflação para sustentar o peso. Demasiados pesos à procura de poucos bens a uma taxa de câmbio sobrevalorizada fez com que os argentinos se sentissem mais ricos do que realmente eram, encorajando as importações em moeda estrangeira.

O governo decidiu deixar o mercado encontrar o verdadeiro valor do peso. Em abril, o banco central anunciou que iria manter a moeda dentro de uma banda de flutuação, o que funcionou durante algum tempo. Mas quando o Tesouro deixou de emitir notas de curto prazo com cupões elevados para os bancos os clientes começaram a substituir pesos por dólares.

Quando Milei teve um mau desempenho nas eleições provinciais de Buenos Aires – onde vive quase 40% da população – o receio do regresso do peronismo aumentou. Os argentinos lançaram outra rodada de venda de pesos. O peso caiu quase 10% em 15 dias, atingindo o fundo da banda de flutuação adotada em abril, quando Milei afrouxou os rigorosos controlos de capitais da Argentina, depois de obter um empréstimo de 20 mil milhões de dólares do FMI.

Num caso normal, um banco central aumentaria as taxas de juros para conter o crédito e fortalecer a moeda, atraindo capital em pesos e desencorajando a dolarização. Mas aumentar demasiado as taxas na Argentina significa sufocar ainda mais as famílias e as empresas já sobrecarregadas com custos elevados.

Os investidores locais ficaram receosos de que o governo tivesse de abandonar a banda de flutuação e desvalorizar o peso, alimentando ainda mais a procura de dólares. O banco central gastou 1,1 mil milhões de dólares em três dias, e estas vendas de dólares, por sua vez, enervaram os detentores de obrigações, que temiam que o governo estivesse a gastar as suas escassas reservas – estimadas em menos de 5 mil milhões de dólares – provocando o colapso dos preços das obrigações.

A salvação de Javier Milei reside nos EUA?

A hemorragia só parou depois de o Tesouro dos EUA anunciar na segunda-feira que

estenderia a ajuda financeira e o governo de Milei anunciou uma suspensão temporária dos impostos de exportação.

Scott Bessent, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, referiu que Washington consideraria a compra de moeda argentina ou dívida soberana através de um fundo controlado pelo Tesouro dos EUA, acrescentando que “todas as opções” estavam sobre a mesa. Evocando as palavras de Mario Draghi, ex-presidente do BCE durante a crise da zona do euro, afirmou que os EUA fariam “o que fosse preciso” para sustentar os mercados financeiros da Argentina.

O peso recuperou após a promessa de apoio de Bessent, valorizando-se 6%. O índice Merval registou uma forte recuperação e os rendimentos das obrigações argentinas em dólares caíram para cerca de 15%. Ainda assim, continuam longe de oferecer segurança aos investidores. As obrigações mais arriscadas dos mercados emergentes, como as do Equador ou de Angola, são negociadas “apenas” a cerca de 11%.

Antes do desastre de Buenos Aires, Milei planeava atingir rendimentos de um só dígito no próximo ano, suficientemente baixos para emitir novas obrigações. Isso dependerá da recuperação de Milei nas eleições nacionais intercalares, cuja data-chave é 26 de outubro.

Será a dolarização a solução?

Por um lado, eliminaria o risco de desvalorização do peso e a tentação política de imprimir dinheiro para cobrir os défices, e a inflação poderia ser estabilizada rapidamente.

Mas, por outro lado, a Argentina perderia a soberania monetária e ficaria dependente da política da Reserva Federal. Se o dólar valorizar, os preços internos tornam-se mais caros globalmente, as exportações caem, a balança comercial piora e a Argentina perde competitividade – exatamente o oposto do que precisa.

Além disso, para dolarizar, a Argentina precisa de reservas líquidas reais em dólares para trocar por pesos em circulação – algo que não tem atualmente (as suas reservas líquidas são extremamente baixas). Embora se tenha falado de 20 mil milhões de dólares em reservas, tal inclui na realidade linhas de crédito e outros passivos que não podem ser facilmente liquidados. Os cálculos atuais sugerem cerca de 5 mil milhões de dólares, contra uma oferta monetária total de cerca de 40 mil milhões de dólares – insuficiente para dolarizar a economia.

Por conseguinte, neste momento, a única opção viável parece ser a de o peso ganhar estabilidade e confiança dos investidores, tanto locais como internacionais, que pode ser conseguido com um excedente fiscal permanente. A questão é se Milei conseguirá fazê-lo e se terá tempo suficiente.

Fonte: Jornal Económico, 28 de setembro de 2025

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