Uma rapariga da minha idade
Uma mulher abeirada da meia-idade acreditar ser ainda uma “rapariga”
constitui um exemplo eloquente da alienação subjetiva promovida pela esquerda
contemporânea que, há muito, trocou Marx — e a luta concreta contra as
condições materiais — pelas fantasias narcísicas de Teresa de Lauretis. Já não
se trata de compreender o mundo para o transformar, mas de decorar a própria
alienação com adereços identitários, modismos requentados da luta de sexos e promoção do "eterno jovem" da L'Oréal. O
materialismo dialético cedeu lugar à maquilhagem ideológica, numa tragicomédia
onde o capital venceu.
O materialismo dialético, concebido para expor as leis objetivas do movimento histórico e revelar as contradições internas do capitalismo, foi escorraçado em favor de uma maquilhagem ideológica de superfície, onde a superestrutura se sobrepõe à infraestrutura. A luta de classes cedeu lugar à gestão das sensibilidades individuais, transformando a emancipação coletiva num desfile interminável de identidades performativas. Nesta tragicomédia tardia, o capital, longe de se sentir ameaçado, agradece e prospera: enquanto os explorados debatem o direito à autoimagem e à autorrepresentação simbólica, a exploração material permanece intacta, naturalizada e invisível. Trata-se de um triunfo absoluto da reificação (Verdinglichung) de Lukács: as relações sociais são mascaradas, fetichizadas, celebradas como escolhas pessoais em vez de reconhecidas como estruturas opressivas.
A esquerda pós-marxista, atolada numa lógica de falsa consciência, tornou-se cúmplice involuntária do capital. Enquanto pinta de cores novas as grilhetas antigas, o sistema reproduz-se em silêncio, imperturbável. A transformação revolucionária cede o seu lugar à administração simbólica da impotência — um carnaval de “identidades” sob a vigilância sorridente dos donos dos meios de produção, clássicos ou big tech (ou Uber e apps de trabalho: os motoristas são tratados como "prestadores de serviço", não como trabalhadores com direitos. A relação social de trabalho vira apenas uma troca comercial impessoal); (ou redes sociais - Instagram, TikTok: as pessoas transformam-se em "produtos" de si mesmas - influencers, métricas, likes. A personalidade vira mercadoria para vender atenção e dados). E assim, entre slogans progressistas e gestos vazios, a máquina capitalista avança, agradecida: mais do que nunca, domina não apenas os corpos, mas também as mentes.
A substituição da análise das condições objetivas de existência por construções discursivas identitárias reflete a capitulação teórica diante da lógica do capital, transformando a práxis revolucionária numa gestão erótica da decadência social. Lamber uma crica, por muito bom que seja, (ou chupar pau, no masculino) não sepulta a luta de classes.
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