Uma redução de "1500%" nos preços dos medicamentos e a falsa ajuda à Ucrânia: as 10 mentiras que Donald Trump repetiu só na última semana

Perry Mason (1957-1966) – Tony Travis, Andra Martin

O presidente Donald Trump continua a dizer as mesmas mentiras vezes sem conta.

As mentiras de Trump sempre foram notáveis ​​pela sua audácia – a sua disponibilidade para fazer afirmações obviamente falsas que podem ser rapidamente desmascaradas. Mas também se distinguem pela sua repetitividade – a sua relutância em deixar de usar estatísticas exageradas, acusações infundadas ou histórias fictícias após meses ou mesmo anos de desmascaramentos.

Há anos que Trump tem resultados persistentemente maus nas sondagens sobre se é honesto e de confiança; parte da razão pode muito bem ser a sua devoção inabalável a afirmações que muitos norte-americanos já sabem não serem verdadeiras. Mas a sua implacabilidade também o beneficia de certa forma. Como os meios de comunicação estão naturalmente focados em material novo, alguns podem verificar uma mentira à primeira, mas não à décima ou centésima vez que Trump a repete. Ao repetir mentiras descaradamente, Trump pode divulgar os seus maiores sucessos com pouca resistência.

As recentes declarações públicas do presidente têm revelado muitas mentiras antigas. Para não as deixar passar em branco, aqui ficam 10 afirmações desmentidas que Trump repetiu só na última semana.

Gasolina imaginária abaixo de 2 dólares

Na terça-feira, quando falava sobre os preços da gasolina numa reunião de gabinete, Trump declarou: "Em alguns lugares, o preço está nos 2 dólares. Está até acima dos 2 dólares em alguns locais do Sul." (a)

Isso não é verdade, tal como não se confirmaram as inúmeras declarações anteriores de Trump sobre a gasolina a 2 dólares ou menos.

Na terça-feira, não havia um único estado americano em que preço médio da gasolina tenha ficado abaixo dos 2,69 dólares/litro do Mississippi, de acordo com dados publicados pela American Automobile Association (AAA), e a empresa GasBuddy afirmou não ter visto um único posto, entre as dezenas de milhares que monitoriza em todo o país, que estivesse a vender gasolina por 2 dólares ou menos por litro no momento em que Trump falava. A média nacional da AAA na terça-feira era de 3,19 dólares por litro.

Uma redução impossível de "1500%" nos preços dos medicamentos sujeitos a receita

No início do mês, Trump declarou: "Nós cortámos os preços dos medicamentos em 1200, 1300, 1400, 1500%. Não estou a falar de 50%. Estou a falar de 14%, 1500%." (b) A CNN e outros meios de comunicação social concluíram que esta declaração não só é imprecisa, como também não faz sentido em termos matemáticos, uma vez que um corte de 100% nos preços tornaria os medicamentos gratuitos e um corte de 1200% ou mais significaria presumivelmente que os americanos seriam pagos para comprar medicamentos.

Trump continuou a usar os números falsos mesmo assim.

Na segunda-feira, prometeu que vai "reduzir os preços dos medicamentos em 1400 a 1500%" e, na terça-feira, repetiu: “Não estamos a falar de um corte de 25% ou 50% — estamos a falar de um corte de 1.500%.”

"Nenhuma inflação" em plena inflação crescente

Há inflação nos Estados Unidos. Os preços estavam 2,7% mais elevados em julho, em comparação com o período homólogo, e 0,2% mais elevados do que no mês anterior. É possível debater o quão bons ou maus são estes números. Mas Trump disse, na terça-feira, como, aliás, tem vindo a fazer ao longo deste verão, que "não há inflação".

Trump usou por vezes uma retórica mais branda em meados de agosto, declarando que “a inflação caiu para um número perfeito, um número bonito, quase nenhuma". No dia seguinte, Trump voltou à sua habitual afirmação de que "não temos inflação".

A (não) unicidade do voto por correspondência nos EUA

Para apoiar a sua proposta de eliminar o voto por correspondência, Trump reavivou na passada segunda-feira a sua falsa alegação de que os EUA são o único país do mundo onde existe voto por correspondência. A declaração foi prontamente desmentida, mais uma vez, pela CNN e outros; dezenas de países utilizam o voto por correspondência, incluindo o Canadá, o Reino Unido, a Alemanha, a Austrália e a Suíça.

Trump repetiu então a mesma declaração numa entrevista a um apresentador de rádio que o apoiava, três dias depois. "Somos os únicos no mundo que o utiliza [o voto por correspondência.”

A água que Trump diz ter enviado para Los Angeles (não enviou) ao abrir uma "válvula" (que não existe)

Na terça-feira, Trump contou a sua habitual história sobre como "agora há água" em Los Angeles porque ele "abriu a válvula" para enviar água para a cidade em vez de ter esta "válvula" a enviar a água para o Oceano Pacífico.

A história é um disparate – como os especialistas em política hídrica da Califórnia têm vindo a salientar há meses.

Em primeiro lugar, não existe uma "válvula" única que controle o fluxo de água na Califórnia. Em segundo lugar, o que Trump fez realmente no final de janeiro e início de fevereiro foi enviar milhares de milhões de litros libertados inutilmente de duas barragens numa parte do Vale Central do estado para outra parte desse vale, a mais de 160 quilómetros a norte de Los Angeles. A água não foi para Los Angeles, que nem sequer tem ligação automática às barragens.

A eleição de 2020, novamente

Quase cinco anos depois de ter perdido legitimamente as eleições de 2020, Trump continua a mentir sobre o assunto. Referiu-se na segunda-feira ao ex-presidente Joe Biden como "um tipo que entrou lá com uma eleição fraudulenta" e disse na quinta-feira que "sabia que a eleição foi alvo de fraude” e que agora “descobrimos isso definitivamente”.

Ninguém descobriu isso porque é definitivamente falso.

A lei inexistente sobre os monumentos

Trump repetiu ainda outra mentira que tem vindo a contar desde 2020: disse que assinou uma "lei" ou "estatuto" nesse ano que impunha uma pena automática de "10 anos de prisão" para as pessoas que danificassem monumentos.

A CNN e outras agências têm vindo a noticiar desde 2020 que não foi isso que aconteceu. Trump emitiu, na verdade, uma ordem executiva que instruía o procurador-geral a priorizar as investigações e os processos contra pessoas que danificaram monumentos que são propriedade do governo e a processar os infratores "na medida máxima" permitida pela lei federal em vigor, que permitia aos juízes impor uma pena máxima de 10 anos de prisão.

Mesmo assim, Trump continuou a contar a história falsa. Na segunda-feira, enquanto assinava um decreto a ordenar ao procurador-geral para que tentasse encontrar uma forma, sem violar a Primeira Emenda, de reprimir aqueles que queimaram a bandeira norte-americana, o presidente alegou, sem qualquer fundamento aparente, que os infratores agora seriam sujeitos a “um ano de prisão" – e repetiu a sua velha ficção sobre assinar uma legislação para punição severa de crimes contra monumentos. “Dez anos de prisão se danificar algum dos nossos belos monumentos”, indicou.

Falsa ajuda à Ucrânia

Durante meses, Trump afirmou que os EUA deram "350 mil milhões de dólares" em ajuda à Ucrânia, embora inúmeras verificações de factos tenham apontado que esse número é um exagero absurdo. Trump fez a afirmação de "350 mil milhões de dólares" cinco vezes numa mesma ocasião, na segunda-feira.

O valor real é muito inferior ao número apresentado por Trump.

Um think tank alemão que acompanhou de perto o apoio destinado à Ucrânia afirma que os EUA enviaram cerca de 133 mil milhões de dólares a Kiev (e comprometeram-se com cerca de 5 mil milhões de dólares a mais) desde o final de janeiro de 2022 até junho de 2025. O site do inspetor-geral do governo norte-americano, que supervisiona a resposta federal à Ucrânia, refere que os EUA desembolsaram cerca de 90 mil milhões de dólares para a ajudar a Ucrânia até março de 2025 (e destinaram cerca de mais 95 mil milhões de dólares), incluindo dinheiro que foi gasto nos EUA e na Europa em geral, e não na própria Ucrânia.

Quando a CNN perguntou à Casa Branca, no início deste mês, sobre as afirmações de Trump de que os EUA tinham fornecido à Ucrânia "350 mil milhões de dólares", um funcionário tentou justificar o valor acrescentando uma série de coisas que não estão relacionadas com a ajuda à Ucrânia — incluindo, absurdamente, o custo da inflação dos EUA para as famílias norte-americanas após a invasão russa.

Uma história fictícia sobre Biden e a Coreia do Sul

Trump repetiu o já desmentido valor de "350 mil milhões de dólares" para a ajuda à Ucrânia quando estava sentado ao lado do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na semana passada. Esta segunda-feira, repetiu a já desmentida história sobre as relações dos EUA com a Coreia do Sul, quando estava sentado ao lado do presidente sul-coreano, Lee Jae-myung.

Nessa ocasião, fez a seguinte declaração sobre a presença de mais de 26 mil militares norte-americanos na Coreia do Sul: “Como sabem, a Coreia do Sul concordou em pagar por isso durante o meu último mandato. E depois, quando Biden assumiu o cargo, queixaram-se a Biden que eu não era uma boa pessoa e ele concordou em não pagar. Ele abdicou de milhares de milhões de dólares. Estávamos a receber milhares de milhões de dólares, mas depois Biden acabou com isso por alguma razão. É inacreditável que ele o tenha feito."

Isto é uma inversão da realidade.

Biden não aceitou deixar que a Coreia do Sul deixasse de partilhar o custo da força militar norte-americana no país. O que aconteceu foi que, durante a administração Biden, a Coreia do Sul assinou dois acordos de partilha de custos com os EUA, um em 2021 e outro em 2024, ambos incluindo aumentos substanciais nos pagamentos sul-coreanos.

Uma história desmentida que Trump alegou ter sido comprovada

Trump contou na segunda-feira uma história sobre um governador democrata com quem tinha trocado acusações públicas este mês, o governador Wes Moore, do Maryland, que, segundo ele, lhe disse durante uma conversa nos bastidores, no ano passado: "'Senhor, o senhor é o maior presidente desde que estou vivo". A história foi desmentida pela Fox News, favorável a Trump, no mesmo dia: descobriu-se que um documentário da Fox tinha gravado a conversa, na qual Moore não disse nada próximo do que Trump alegou.

Trump não se deixou intimidar pelas imagens. Contou uma história semelhante na terça-feira, desta vez afirmando falsamente que Moore lhe tinha dito: "Senhor, o senhor é o maior presidente" – e acrescentou: "Apanharam-no". Na realidade, foi Trump quem a câmara captou a mentir.

Fonte: CNN Portugal, 29 de agosto de 2025 

(a) CNN Portugal fiou-se no tradutor automático e não correu. A expressão de Trump é “There’s some places it’s $2. It’s even – it broke $2 in a couple of locations in the South.” “Há sítios onde está a 2 dólares. Até caiu abaixo dos 2 dólares nalguns locais no Sul.”

(b) A expressão de Trump é “You know, we’ve cut drug prices by 1,200, 1,300, 1,400, 1,500%. I don’t mean 50%. I mean 14-, 1,500%.” Com tradução de “Sabem, cortámos os preços dos medicamentos em 1200, 1300, 1400, 1500%. Não estou a falar de 50%. Quero dizer, 14... 1500%.” O 14 é uma fala truncada, estava a dizer uma coisa e decide dizer outra. 

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