Crimes nas redes sociais. Raparigas dos 12 aos 16 em escalada de violência
Análise feita a processos tutelares educativos relativos a
crimes muito graves que chegaram ao Tribunal de Menores revela que 1/3 dos
jovens recorreu a redes sociais no planeamento, organização e execução. Na
maioria dos casos estudados a "defesa da honra" motivou os crimes.
Duas
menores, de 15 e 13 anos, juntaram-se com mais oito raparigas de idades
semelhantes, para agredir outras duas de 13 anos. Primeiro com "utilização
de violência psicológica" obrigaram-nas a seguir até um beco isolado onde
as espancaram. Para "aumentar a sua humilhação, vexame e
constrangimento" gravaram as agressões para as "difundir por amigos e
conhecidos" das vítimas".
Esta descrição está entre os 201 processos tutelares
educativos analisados no Tribunal de Família e Menores pela socióloga Maria
João Leote de Carvalho, que estuda a delinquência juvenil há mais de 30
anos.
É um dos casos que retrata uma nova tendência nos crimes
graves cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos, identificada pela
primeira vez por esta investigadora: nos processos em que houve utilização das redes
sociais para o planeamento, organização e difusão dos
crimes, são as raparigas quem estão ao comando da violência, são elas as
protagonistas das agressões mais graves e algumas até já têm grupos organizados
para encomendarem o ataque contra os seus alvos.
"Nos
casos em que as redes sociais foram utilizadas não é significativa a diferença
entre rapazes e raparigas, ao contrário da delinquência que acontece fora do
digital, em que os rapazes estão sempre em maior número. As raparigas também
agem de forma mais violenta no espaço físico, a serem mesmo em maior
número nas agressões mais graves e únicas nas ameaças agravadas. Identifiquei
alguns casos em que as agressões foram encomendadas a grupos de raparigas
organizados para o efeito. Este é um espelho de delinquência juvenil no
feminino que não é frequente", sublinha Maria João Leote,
investigadora auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, no Centro Interdisciplinar de Ciências Socias
(CICS.NOVA).
Neste estudo, intitulado "Redes Sociais em
Práticas de Delinquência Juvenil: Usos e Ilícitos Recenseados na Justiça
Juvenil em Portugal" e publicado na revista científica
Comunicação e Sociedade, assume "particular relevância o protagonismo de
raparigas e dos seus grupos, a maioria agregando menores e jovens adultas,
algumas liderando grupos de rapazes".
Para a maioria destas raparigas, "as redes sociais constituem
locais de construção identitária e de disputa por poder, não se inibindo do
recurso à violência sob diferentes formas".
Maria João Leote, que integra a Comissão de Análise
Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV),
criada pelo Ministério da Administração Interna para estudar respostas para
o aumento da criminalidade dos gangues juvenis, escreve que este
fenómeno - um possível reflexo das internacionalmente caracterizadas
"fight compilations" (compilações de lutas),
tradicionalmente masculinas - "ocupa um espaço privilegiado nas redes
sociais das raparigas e as vítimas são essencialmente outras raparigas".
Esta "significativa sobrerrepresentação das raparigas
enquanto autoras de ilícitos, especialmente com elevado grau de violência, em
números muito próximos dos rapazes" revela-se uma "orientação
distinta da que tem sido comum na delinquência oficialmente recenseada a nível
nacional e internacional".
Domínio feminino nas agressões e ameaças agravadas
Mas vamos aos números. Dos 201 processos tutelares
educativos analisados (83% do total existente) e sujeitos a decisão
final no tribunal, entre 1 de janeiro de 2015 e 30 de junho de 2021, houve 354
factos provados, dos quais em 92 (26%) foi identificado o uso das redes sociais
da autoria de 56 jovens (27,8% do total): 30 rapazes e 26 raparigas.
"A diferença entre sexos é ligeira e não segue a
tendência relativa à menor representatividade do sexo feminino na delinquência
offline recenseada em tribunal", salienta a socióloga.
A utilização das redes sociais tem maior expressão nos
crimes contra as pessoas (79,3%), "sobretudo envolvendo raparigas",
seguindo-se em percentagem bem mais reduzida os ilícitos contra o património
(18,4%), em que se "evidenciam os rapazes".
Verifica-se a relação entre o uso das redes sociais com
práticas offline, fora do mundo digital , "sobretudo ofensas à integridade
física que, nas diferentes categorias, representam mais de um terço do total
(35,8%), com as raparigas mais representadas que os rapazes".
Nas ofensas à integridade física simples foram
responsabilizados 10 rapazes e oito raparigas. Mas nas ofensas à integridade
física qualificada, foram identificadas 10 raparigas e apenas três rapazes.
As ameaças, quando "agravadas", são exclusivas de
raparigas, tendo sido contabilizadas três. A pornografia de menores (18,5%),
quando "agravada", é exclusiva do sexo masculino.
Defesa da honra no epicentro da motivação
Recuando ao início das histórias narradas nestes processos,
conclui-se que "a maioria dos ilícitos identificados relaciona-se com a
escola e as interações aí originadas que, nesta era digital, estendem-se além
do horário e espaços escolares. A permanente interação entre vítimas e agressores
potenciada pelas redes sociais, a qualquer hora e lugar, tem no epicentro a
perceção de que a honra pessoal foi atingida e requer reparação. Daí
ao ato violento é um passo curto, por vezes originando uma reconfiguração e
troca de papéis entre vítima e agressor, nem sempre fácil de provar".
Maria João Leote de Carvalho frisa que "a defesa da
honra é a base de muitos problemas. Sentir que o seu nome, a sua
identidade, ou da sua família e amigos, foram manchados e têm de ser
defendidos, continua a ser basilar nas relações sociais. A marcação
online para acertar contas na reposição dessa ofensa é muito evidente".
Apesar de nos processos analisados, "o
planeamento/organização de ilícitos através das redes sociais" estar pouco
representando, está normalmente associado a "factos graves contra pessoas
e contra o património, sobretudo ofensa à integridade física qualificada e
roubo qualificado, dos quais resultaram elevados danos pessoais".
Foram identificados "grupos fechados em redes
sociais com o fim de preparação da agressão a outrem, por adesão consciente
e/ou sob pressão/ameaça dos utilizadores" com uma relevância assumida
"pela forma como a prática de violência é organizada e, de certa forma,
normalizada entre jovens".
Os espancamentos "por encomenda", sublinha a
investigadora da FCSH, "são práticas identificadas exclusivamente com
raparigas, em diferentes contextos, que revelam o seu crescente envolvimento em
violências tradicionalmente vistas como masculinas, podendo as mesmas espelhar
a construção de novas feminilidades".
Alunos de quadro de honra e diversidade social
Na análise socioeconómica que fez aos envolvidos nos
processos, Maria João Leote de Carvalho, concluiu que "há uma enorme
diversidade social".
"Surpreende até alguns casos de alunos de quadro de
honra e mérito. Alguns nem dão conta de que estão a cometer crimes, como a
partilha de fotos. É transversal a todos os grupos sociais, jovens que
aparentemente não apresentam fatores de risco tradicionais, estão
integrados social e familiarmente, com percursos sociais que se destacam. Não
integram os fatores clássicos na avaliação da delinquência", afirma.
Nas suas conclusões e recomendações, esta
investigadora salvaguarda que "este estudo está limitado aos casos mais
graves sujeitos a decisão da justiça juvenil em Portugal, logo com evidente prova
de dano", sendo por isso importante "não se fechar a análise da
delinquência numa visão dicotómica entre online e offline".
Fonte: Diário de Notícias, 28 de janeiro de 2023
Recomenda o bom senso a criação de ambientes mais amigáveis
para que as jovens se possam conhecer profundamente e ultrapassarem as suas
diferenças. À semelhança das salas de chuto, abrirem-se salas de chupo onde, em
segurança e condições higiénicas, as jovens interagem fisicamente, sem a mediação
das redes sociais, conhecendo as suas personalidades e idiossincrasias.
Foto: Emma Hix, Eliza Ibarra e Gabbie Carter na obra
cinematografia “Strip Pillow Fight” (2022).
Emma Hix, tcc Crissy Kay / Emma Hicks, 1,62 m, 50 kg,
86-60-86, sapatos 36, olhos castanhos, cabelos loiros, nascida a 25 de outubro
de 1997 em Kelowna, Canadá.
Eliza Ibarra, 1,75 m, 50 kg, 86-63-93, sapatos 39, olhos
castanhos, cabelos pretos, nascida a 22 de março de 1997 em Riverside, Califórnia.
Gabbie Carter, 1,70 m, 59 kg, 86-55-81, sapatos 37, olhos
verdes, cabelos loiros, nascida a 4 de agosto de 2000 em Austin, Texas.
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