Iraque, 20 anos depois. Erros da invasão ainda pesam na fatura americana
As contas da Universidade de Brown citadas pela Associated
Press apontam para a perda de 300 mil vidas entre civis iraquianos, mas
outras fontes chegam a dobrar este número para o balanço do conflito.
Acresce, do lado americano, a perda de 4500 militares
e um orçamento de guerra que ascendeu a 2 triliões de dólares nessa
campanha depois estendida à Síria, onde combateu os extremistas do Estado
Islâmico.
São várias as críticas à operação Iraque apontadas pelos
inimigos e detratores dos Estados Unidos. A primeira convoca à memória o
momento em que o secretário de Estado norte-americano Colin Powel
discursava perante as Nações Unidas.
Nesse dia 5 de fevereiro de 2003, numa peroração que levou quase
hora e meia perante a assembleia reunida em Nova Iorque, Powell garantia de
fonte segura a existência de armas de destruição massiva no regime de Saddam
Hussein e o carimbo nessa verdade, que veio depois a cair por terra, foi tudo quanto bastou à ONU
para autorizar aquela que viria a ser a operação militar ocidental mais
duradoura no Médio Oriente.
Esta falha atingiu o secretário de Estado do presidente
George W. Bush de forma duradoura. Foi uma ferida no seu currículo que nunca
mais fechou. Num livro de memórias, uma década depois, afirmou: “Não foi o
primeiro, mas foi um dos meus fracassos mais importantes, aquele de maior
impacto”.
“[Powell] disse que iria para o túmulo com essa tortura
do Iraque”, confidenciou Larry Wilkerson, coronel reformado e que era então
chefe de gabinete de Powell e mais tarde um crítico acérrimo da Administração
Bush.
Há um ano, o próprio George W. Bush teria um lapsus
linguae ao pretender referir-se “à decisão de um homem [Vladimir Putin]
de lançar a injustificada e brutal invasão” da Ucrânia. Ao invés, Bush declara
a “decisão de um homem de lançar a injustificada e brutal invasão do Iraque”. O
ex-presidente corrige para “Ucrânia”, ri-se da situação, mas acrescenta: “Do
Iraque também, de qualquer forma”.
A intervenção norte-americana foi apoiada inicialmente
por Londres, mas
também por Espanha
e Portugal, que
recebeu a 16 de março, nos Açores, George W. Bush, o presidente americano, Tony
Blair, primeiro-ministro britânico e José Maria Aznar, líder do governo
espanhol. O então primeiro-ministro Durão Barroso foi o anfitrião da Cimeira
das Lajes encontro que culminaria quatro dias depois no início da intervenção
militar no Iraque.
A incapacidade para localizar o alegado armamento iraquiano viria,
entretanto, lançar uma mancha sobre a capacidade dos serviços de informações
norte-americanos. A dúvida começara dois anos antes com as acusações aos
serviços secretos por não terem evitado os ataques lançados pela al Qaeda de
Bin Laden a 11 de Setembro contra o World Trade Center, fazendo três mil
vítimas e provocando a derrocada das torres gémeas.
Umas das consequências dos sucessivos fiascos
relacionados com o Iraque foi a consciência de que era necessário mexer na
máquina dos serviços de informações, que, de acordo com um trabalho da AP,
viria a sofrer profundas alterações. A CIA perdeu o seu papel de supervisão
sobre outras agências de espionagem e reformas foram implementadas para
permitir que os analistas avaliem melhor as fontes e contestem as conclusões
face a possíveis enviesamentos.
Avril Haines, atual diretora dos serviços de informações dos
Estados Unidos, sublinha esses novos padrões de análise e supervisão:
“Aprendemos lições fundamentais na sequência da avaliação falhada do programa
ativo de ADM (armas de destruição massiva) no Iraque em 2002. Desde então,
por exemplo, redobrámos o uso de técnicas analíticas estruturadas,
estabelecemos padrões analíticos em toda a comunidade e melhorámos as
capacidades de supervisão. Como em todas as partes do nosso trabalho,
esforçamo-nos por aprender as lições que nos permitem avançar na forma de ver
as coisas com maior efeito ao serviço da segurança nacional”.
Fonte: RTP, 23 de março de 2023
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