Pioneiro da imprensa cor-de-rosa, discreto, excêntrico e controlador. O "senhor Jacques" da Impala foi detido aos 83 anos
"O episódio mais grave de assédio moral que vivi
nos meus 18 anos de carreira aconteceu no grupo Impala, precisamente com uma
das pessoas detidas esta quinta-feira. Só posso descrever aquela hora em que
estive fechada naquele gabinete, sozinha com aquela pessoa, como puro terror."
O texto foi publicado no Facebook por Raquel Costa, jornalista e atual diretora
executiva da MAGG, e diz muito sobre a forma como se relacionavam funcionários
e chefias do grupo Impala, propriedade do empresário Jacques Rodrigues, de 83
anos - que foi detido esta quinta-feira juntamente com o filho, que também se
chama Jacques Rodrigues, o advogado Natalino de Vasconcelos e um revisor
oficial de contas do grupo, que publica revistas como a Nova Gente, Maria ou TV 7 Dias.
Segundo comunicado da Polícia Judiciária, na operação
"Última Edição" estão em causa suspeitas da prática dos crimes de
corrupção passiva, corrupção ativa, insolvência dolosa agravada, burla
qualificada e falsificação ou contrafação de documentos. A fraude será na ordem
dos 100 milhões de euros e os crimes estão relacionados com a
insolvência dolosa de várias sociedades, tentativa do empresário Jaques
Rodrigues de fugir ao pagamento de dívidas a credores, dívidas estas que estão
repartidas entre trabalhadores das empresas, muitos jornalistas das várias
publicações e o próprio Estado.
Raquel Costa foi coordenadora do site da TV7Dias entre 2017
e 2020 e conta que logo no primeiro mês de trabalho não recebeu ordenado.
Recorda um plenário, no início do seu percurso na empresa, onde Jacques Rodrigues
falou com os trabalhadores descontentes. "Ele era sempre o senhor Jacques.
A reverência era um bocadinho incomodativa", admite. E diz que chegou a
ouvi-lo dizer a um funcionário com salários em atraso: "Você não tem
dinheiro para ter a sua própria casa porque não quer."
O clima, admite, era "persecutório, de suspeita, de
e-mails agressivos" que eram enviados por toda a hierarquia de chefias,
"porque este espírito transpira para toda a gente e todos acabam por
incorporar a perseguição e delação", recorda.
"O espírito era bastante tenso e, sendo eu uma
mulher jornalista, muito misógino", garante. Com o empresário Jacques
Rodrigues, refere, interagiu em algumas reuniões e conta uma história que não
será estranha a quem viu o patrão
do grupo Impala responder aos deputados em 2021 na Comissão de Trabalho
e Segurança Social sobre os problemas na empresa - que se arrastavam há anos.
"A mim interrompem-me, mas a vocês não posso interromper",
disparava, num tom agressivo.
Nesta ocasião, uma das deputadas chegou mesmo a pedir-lhe
"atenção à linguagem", dizendo-lhe que ninguém o tinha ofendido.
Minutos depois, o "senhor Jacques" voltou à carga. "No grupo
Impala não existem armaduras, aí para esse lado é que devem existir muitas",
ironizava.
O espírito irascível de Jacques Rodrigues era conhecido, e a
faceta imprevisível e arrojada também. A revista Sábado cita um artigo do
Expresso, de 1992, que recorda que o dono da Impala também foi um dos
fundadores da SIC - tinha 6,75% do canal - e que começara naquele ano a
construção da casa na Quinta da Marinha que mantém hoje, decorada num estilo excêntrico
afro-revivalista a lembrar os tempos que viveu em Angola. Foi em África,
precisamente, para onde emigrou, que começou a carreira como editor, onde
também foi paginador e começou a lançar revistas, inspirando-se noutras
publicações estrangeiras - a Nova Gente,
por exemplo, era uma cópia despudorada da espanhola "Gente".
A mansão que tem na Quinta da Marinha foi, entretanto,
arrestada pela Justiça e, ao que apurou a TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal),
estava já à venda por mais de sete milhões de euros. Tem três andares, sete
quartos, dez casas de banho, garagens, piscina e extenso jardim.
Fonte: TVI, 23 de março de 2023
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