As sanções do Ocidente contra a Rússia estão realmente a funcionar?
A UE aprovou o 11º pacote de sanções contra Moscovo, mas
desta vez direcionam-se principalmente a empresas fora da Rússia, que Bruxelas
acredita estarem a ser usadas para contornar sanções anteriores.
Nos últimos meses, houve um aumento acentuado nas
importações de produtos ocidentais para países que fazem fronteira com a
Rússia. Supõe-se que essas cargas vão para a Rússia. Além disso, o trânsito
pelo território russo também foi seriamente restringido, para que não se percam
"acidentalmente" as mercadorias no caminho.
De acordo com os especialistas, o próprio facto de as
sanções serem agora impostas a países terceiros mostra que as restrições
originais não estão a funcionar como o pretendido e que a Rússia tem sido
bem-sucedida a encontrar soluções alternativas. Mas quão eficazes realmente
são é difícil dizer.
Alexandra Prokopenko, investigadora do Centro de Estudos
Internacionais e do Leste Europeu, em Berlim, lembra que esta é uma
situação sem precedentes para ambos os lados. "Estamos a assistir a um
tipo de experiência económica que nunca aconteceu antes. Porque nenhum país
jamais esteve sob tantas sanções. Existem agora mais de 13 mil sanções completamente diferentes contra a
Rússia, o que é mais do que as sanções impostas ao Irão, Síria,
Coreia do Norte e Cuba combinadas. Portanto, é muito difícil dizer que o
mecanismo [de contornar as sanções] é confiável”.
E a Europa está a tentar garantir que as empresas entendem a
situação. "A aplicação das sanções deve ser acompanhada por uma tentativa
de educar as empresas, porque algumas empresas provavelmente estão a
violar as sanções involuntariamente. Por exemplo, têm um pedido de rolamentos
de esferas para o Cazaquistão e estão completamente felizes em exportar
rolamentos de esferas para o Cazaquistão, sem saber que estes vão diretamente
para a Rússia e ajudar a maquinaria de guerra russa" explica Berit
Lindeman, secretária-geral do Comité Norueguês de Helsínquia.
A economia russa é sustentável?
Os economistas observam que o efeito a curto prazo das
sanções não foi tão grave quanto o esperado. A economia russa encolheu - 2,1% no ano passado (2022),
enquanto as previsões do Fundo Monetário Internacional sugerem até um
crescimento de 0,7% em 2023.
A energia desempenhou um papel importante. O volume das
exportações russas caiu constantemente em 2022, mas os preços subiram ainda
mais rápido, de modo que, no final, de acordo com o Banco Central da Rússia, o Kremlin ganhou ainda mais
dinheiro com as vendas de gás para a Europa em 2022 do que em 2021.
Mas agora o processo de "desconexão" da Europa em
relação à Rússia praticamente acabou. Segundo a Comissão Europeia, em fevereiro
de 2023, as receitas da exportação de petróleo russo foram 41,7% inferiores às
de fevereiro de 2022.
Além disso, pelas mesmas "rotas de desvio",
segundo dados ocidentais, a Rússia conseguiu compensar no máximo um quarto das
mercadorias atingidas pelas sanções e, segundo algumas estimativas, apenas 10%.
Se a luta contra as formas de contornar as sanções for bem-sucedida, o problema
intensificar-se-á muitas vezes.
A médio e longo prazos, porém, as sanções já causaram
prejuízos potenciais.
"Claro que uma guerra em si
pode realmente impulsionar a economia. Portanto, a um certo nível,
alguém pode ser enganado por números, acreditando que há muita atividade na
economia, mas muito disso está realmente relacionado com a atividade de guerra
em si", diz Berit Lindeman.
“As autoridades russas estão empenhadas no que eu chamaria
de 'keynesianismo militar', ou seja, a redistribuição de recursos na
economia ocorre principalmente por meio do complexo militar-industrial. O
problema é que o complexo militar-industrial da Rússia nunca conseguiu
converter o seu know-how em algumas áreas civis. Isso significa que o
desequilíbrio vai crescer e uma "bolha" vai "inchar" em
torno do complexo militar-industrial. E, consequentemente, tudo vai
"encolher" nas áreas civis, porque todos os recursos vão fluir para o
setor militar. Isso não tem nada a ver com o crescimento normal. Portanto, a
curto prazo, as sanções falharam em derrubar uma fera como a economia russa. Mas
a longo prazo ela está profundamente doente", explica Alexandra
Prokopenko.
Potenciais conflitos
A lista de sanções da UE inclui empresas da China. Será que
esta situação originará um conflito entre a Europa e a China? Por um lado, a UE
e o Império Celestial estão intimamente ligados economicamente e, segundo
especialistas, Pequim não enfrentará a Rússia diretamente, mas também não
seguirá a agenda ocidental.
"Não apenas a Europa, mas também os Estados Unidos não
podem fazer nada sobre o facto de que o nível de comércio entre a Rússia e
a China é tão alto que é muito fácil esconder qualquer violação de sanções
neste volume. Mas vou assumir que a China pode acompanhar os seus aliados
europeus e transferir o comércio com a Rússia para empresas que, em geral,
estão basicamente envolvidas em servir as relações comerciais da China com o
Irão, Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, aqueles países com os quais é
impossível negociar no atual sistema bancário e financeiro. Não descarto que a
Rússia seja simplesmente transferida para o mesmo lugar", acredita
Alexandra Prokopenko.
Também não é lucrativo para a Europa colocar diretamente a
República Popular da China contra si. Mas muitos na UE estão prontos a fazê-lo,
em caso de emergência.
"Estamos em guerra e a China precisa entender que a
segurança europeia está em jogo e não é útil que as empresas chinesas estejam a
ajudar a contornar as sanções que introduzimos. Portanto, a guerra tem um
custo, também possivelmente para o relacionamento com a China. Mas, em algum
momento, a China precisa decidir se quer ficar do lado da Europa ou do lado de
Putin", diz Berit Lindeman.
Sul Global
Juntamente com o "pivô para o leste" (para a
China), Moscovo fala sobre o "pivô para o sul", para fortalecer os
laços com os países da Ásia, África e América Latina.
Os países pobres do Sul Global não podem tornar-se um
substituto de pleno direito para o Ocidente. Mas a sua posição, a recusa em
condenar politicamente o Kremlin e em aderir a sanções económicas - continua a
ser um fator importante.
Os especialistas não descartam, embora seja improvável a
curto prazo, que o Ocidente tenha de estender as sanções anti-russas a um
número crescente de países terceiros que já criticam abertamente as ações dos
EUA e da UE.
Alexandra Prokopenko explica: "Parece-me que os
países ocidentais chegaram a um ponto em que precisam parar e pensar de maneira
geral sobre a política de sanções, não apenas contra a Rússia, mas em geral, as
sanções como um instrumento de política económica, que de algo extraordinário
se torna algo comum e normal. Isto significa que este regulamento precisa
de alguns ajustes, de ser repensado. Talvez faça sentido não introduzir
restrições adicionais, mas em geral tentar repensar todo o quadro de
sanções".
Fonte: Euronews, 28 de junho de 2023
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