Deputado eleito de ultradireita é preso antes de posse

Daniel Halemba, político bávaro de 22 anos filiado à AfD, admitiu ter feito parte de associação estudantil investigada por exibir símbolos e slogans nazis. A prisão ocorreu horas antes de ser empossado como deputado.

A polícia alemã prendeu nesta segunda-feira (30/10) Daniel Halemba, um deputado estadual bávaro do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Com 22 anos e recentemente eleito para seu primeiro mandato no parlamento do estado da Baviera, Halemba é investigado por incitação ao ódio e uso e exibição de símbolos de organizações anticonstitucionais.

Halemba admitiu ser membro da fraternidade estudantil Burschenschaft Teutonia Prag zu Würzburg, cuja sede na Baviera foi alvo de uma operação de busca e apreensão pela polícia em setembro. Durante a operação, as autoridades afirmaram ter encontrado diversos símbolos banidos de organizações inconstitucionais e material racista – a lei alemã veda a exibição de símbolos de organizações banidas como o Partido Nazi. Além do material associado ao nazismo, vizinhos do local também haviam se queixado de ouvir regularmente gritos de "Sieg Heil" (uma saudação nazista).

Halemba, que admitiu ser membro da fraternidade desde 2021, negou ter cometido qualquer ilegalidade. Além dele, outros quatro membros da fraternidade estão sendo investigados.

Eleito para o Parlamento da Baviera na última eleição, em 8 de outubro, Halemba, que se tornou o membro parlamentar mais jovem da história da Baviera, nem havia tomado posse como deputado, quando foi preso. A previsão é que a nova legislatura fosse empossada na tarde desta segunda-feira, portanto Halemba não contava com imunidade parlamentar quando a ordem de prisão foi emitida.

Durante a sessão plenária que marcou a posse, um orador leu o nome dos novos deputados por ordem alfabética. Ao ler o nome do deputado eleito preso, o orador provocou risadas entre boa parte dos deputados presentes. A bancada da AfD permaneceu em silêncio.

Enquanto era procurado pela polícia, Halemba queixou-se da ordem de "prisão arbitrária": "Querem me prender, um membro eleito do parlamento estadual, três dias antes da sessão constituinte com um mandado de prisão completamente arbitrário”, disse Halemba num vídeo publicado na plataforma X na última sexta-feira, quando a ordem de prisão foi divulgada.

"Este é outro triste clímax na caçada da CSU à oposição democrática", disse, em referência ao partido de centro-direita que chefia o governo da Baviera, a União Social Cristã (CSU), cujo líder, o governador Markus Söder, é um crítico da AfD.

O advogado de Halemba, Dubravko Mandic, também rejeitou as acusações, afirmando que "não há verdade" nelas. A presidente da bancada da AfD no parlamento bávaro, Katrin Ebner-Steiner, criticou a prisão, chamando as ações de "uma incriminação" da democracia.

AfD sob vigilância

Na última eleição bávara, a AfD conquistou 14,6% dos votos locais, elegendo 32 deputados, entre eles Halemba. O partido é a maior força de oposição no estado e a terceira com mais apoio, atrás da CSU e da FW, uma federação de partidos ruralistas independentes.

Em setembro, o Departamento Federal de Proteção da Constituição – serviço de informação responsável por conter riscos à segurança interna da Alemanha – foi autorizado pela Justiça a investigar o diretório regional da AFD na Baviera.

A partir de então, o órgão passou a mobilizar recursos para manter a sigla sob observação e informar a opinião pública sobre as conclusões da análise.

Na ocasião, a Justiça entendeu haver indícios de "esforços hostis à Constituição" dentro da AfD na Baviera, especialmente no que diz respeito à influência individual sobre o partido de alguns filiados suspeitos de integrar a ala Der Flügel (A Ala), oficialmente dissolvida, e às "fantasias golpistas" de alguns deles.

Os juízes apontaram, na sua decisão, que a conceção populista que diversos apoiantes da extinta Der Flügel, bem como nomes proeminentes da ala jovem do partido, a Junge Alternative (Alternativa Jovem), têm sobre o que é o povo não é compatível com a Constituição. Também haveria diversos indícios de que a ideia de política do partido atentaria contra a dignidade humana de seguidores da crença islâmica.

Der Flügel era chefiada por Björn Höcke, líder do diretório da AfD no estado da Turíngia e considerado um dos elementos mais ultradireitistas da organização. Durante uma entrevista, o bávaro Halemba, quando questionado sobre figuras que considerava como "modelos", respondeu: "Se eu tivesse que escolher alguém cujo estilo político considero desejável, seria Björn Höcke".

Em setembro, a Justiça informou que Höcke será levado a julgamento por utilizar um slogan nazi durante a sua última campanha eleitoral. Ele foi acusado de usar a frase "Alles für Deutschland" ("Tudo pela Alemanha") durante um evento de campanha em maio de 2021. O slogan era o lema do movimento paramilitar nazi Sturmabteilung (SA), cujos membros eram também chamados de "camisas-pardas" e se notabilizaram por atos de violência nas ruas durante o período democrático que precedeu a ditadura de Adolf Hitler.

A frase, assim como uma série de símbolos, saudações e outros slogans da era nazi, é proibida na Alemanha. Segundo a acusação, Höcke, ex-professor de História, saberia muito bem ao que estava se referindo quando utilizou o antigo lema da SA.

Höcke – que já é considerado pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, a instância jurídica mais alta do país, como extremista de direita – será julgado em Mereburg, no estado da Saxónia-Anhalt, a mesma cidade onde proferiu a frase durante um discurso de campanha para cerca de 250 apoiantes.

Höcke é alvo de outras investigações por suspeitas de atitudes racistas e de incitação ao preconceito contra migrantes. Ele já se referiu ao Memorial do Holocausto em Berlim como um "monumento da vergonha" e defendeu uma "guinada de 180 graus" na cultura da memória alemã sobre o passado nazi. Em 2018, o discurso sobre o memorial chegou a render a abertura de um processo de expulsão contra Höcke na AfD, mas no fim o partido decidiu mantê-lo como membro.

Fonte: Isto É, 30 de outubro de 2023

Todos os Estados moldam o passado aos seus interesses e chamam-lhe proteger os olhos, os ouvidos, a inteligência do povo de algo inominável, algo prejudicial. A Alemanha e Israel estão juntos nesta obliteração histórica.

Luto ilegal: A Lei Nakba e o apagamento da Palestina

Em 2010, um membro do parlamento israelita ofereceu-me um presente: uma brochura intitulada Carta de Israel, produzida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel. Com 59 páginas, a brochura pretende fazer uma história de Israel e da Terra de Sião, abordando temas como "A Terra", "História", "O Estado", "Povo" e "Cultura e Lazer".

Li cuidadosamente todas as páginas. Não há uma única vez em que a palavra "ocupação" seja usada. De facto, a seguinte declaração aparece no capítulo "História":

"Inspirados pela ideologia sionista, milhares de judeus começaram a chegar à Terra, então uma parte pouco povoada e negligenciada do Império Otomano. Os primeiros pioneiros drenaram pântanos, recuperaram terrenos baldios, florestaram encostas nuas, criaram indústrias e construíram cidades e aldeias."

Os palestinianos estão ausentes do folheto, a menos que apareçam como estatísticas demográficas. Este é um exemplo da versão israelita da terra nullius (terra de niguem). Enquanto o caso Mabo rejeitou a mitologia da Austrália como uma terra "vazia", a ideia semelhante de que a terra da Palestina era, como Israel Zangwill de modo infame afirmou, uma "terra sem povo para um povo sem terra", continua a ser uma parte duradoura da grande narrativa de Israel.

E, no entanto, sabemos que a criação do Estado de Israel resultou numa catástrofe, uma Nakba, para a população palestiniana autóctone. Desde 1948, Israel tem tentado apagar da memória a dor, a história e a identidade dos palestinianos. Os palestinianos nos territórios ocupados, em Israel e na diáspora, assinalam tradicionalmente o Dia da Independência oficial de Israel, a 15 de maio, como um dia de luto nacional, o dia que para os palestinianos representa a perda de 78% da sua pátria histórica.

O historiador Ilan Pappe é um dos historiadores israelitas (nem o primeiro nem o único) que documentou meticulosamente a campanha cuidadosamente planeada para expulsar a maioria da população palestiniana indígena da sua terra. Quase 800 000 palestinianos foram desenraizados e tornaram-se refugiados, 531 aldeias foram destruídas e onze bairros urbanos foram esvaziados dos seus habitantes.

A Nakba é uma verdade histórica, não uma posição ou liberdade de expressão. Negá-la não é censura de uma ideia, opinião ou ideologia pessoal. É um processo de genocídio cultural.

Em março de 2011, o Knesset israelita aprovou a alteração n.º 40 (2011) à Lei das Fundações Orçamentais (1985) - Redução do orçamento ou do apoio a atividades contrárias aos princípios do Estado. A chamada "Lei Nakba" autoriza o Ministro das Finanças a reduzir o financiamento ou o apoio do Estado a uma instituição se esta se envolver numa "atividade contrária aos princípios do Estado". Entre as atividades em causa contam-se "rejeitar a existência do Estado de Israel como Estado judeu e democrático" e "comemorar o Dia da Independência ou o dia da criação do Estado como um dia de luto".

A Lei Nakba demonstra que Israel é um Estado que não tolera críticas à política governamental, considerando que estas constituem uma "deslegitimação" do Estado judaico. Ao mesmo tempo que recorda constantemente ao mundo que é a única democracia do Médio Oriente (como se os regimes despóticos que o rodeiam fossem critérios de comparação com os quais qualquer Estado se quisesse medir para provar que ocupa a posição moral mais elevada), Israel esquece-se de que pode dizer-se uma democracia e continuar a ser uma má democracia. Pode ser um Estado que finge defender os princípios democráticos ao mesmo tempo que os desmantela.

Em 4 de maio de 2011, a Adalah (Centro Jurídico para os Direitos das Minorias Árabes em Israel), a ACRI (Associação para os Direitos Civis em Israel), cinco pais de crianças que estudam na Galil (uma escola bilingue judaico-árabe) e uma ONG de antigos alunos da escola árabe-ortodoxa de Haifa apresentaram ao Supremo Tribunal uma petição conjunta contra a Lei da Nakba, solicitando que a lei fosse considerada inconstitucional. O consultor jurídico da ACRI argumentou que a lei "prejudica o interesse público da sociedade no seu conjunto. Para que uma sociedade democrática e aberta floresça, a liberdade de expressão deve ser defendida, especialmente quando estão em causa questões sensíveis e políticas". Uma das mães judias de um aluno da escola árabe-judaica Galil argumentou que a petição era "sobre educação sem censura. Houve pessoas que sofreram quando o Estado foi fundado, porque é que havemos de esconder isso? Por que não escolher reconhecer a dor e curá-la?".

O Supremo Tribunal rejeitou a petição em janeiro de 2012, decidindo que o caso era prematuro, uma vez que a lei não tinha sido utilizada contra nenhuma instituição específica. No entanto, a lei teve um efeito inibidor. As escolas, os teatros, os municípios e os professores têm receio de se mostrarem politicamente ativos, por medo que isso possa afetar o seu financiamento ou, no caso dos indivíduos, as suas oportunidades de emprego. O ensino da Nakba nas escolas é largamente proibido porque, aparentemente, mina o carácter "democrático" de Israel e deslegitima Israel. Trata-se de uma situação distorcida, em que a censura da Nakba nas escolas é apresentada como proteção da democracia.

Escusado será dizer que nem todos os israelitas são cúmplices. Zochrot - que significa "recordar" - é uma campanha popular israelita que procura sensibilizar o público para a Nakba palestiniana, especialmente entre os judeus de Israel que, segundo a campanha, têm a responsabilidade especial de recordar e alterar o legado de 1948.

Visitei a Palestina em 2011. Enquanto conduzíamos pela autoestrada de Jerusalém para Telavive, via Modin, a minha guia, uma ativista americana e professora de escrita criativa que vive em Ramallah, chamou-me a atenção para uma floresta alpina perto da povoação de Modin. Percebi imediatamente o que é que ela queria que eu visse. O local de uma aldeia palestiniana evacuada e destruída em 1948. Depois de 1948, os pinheiros europeus não nativos foram utilizados como "instrumentos de dissimulação", plantados pelo Fundo Nacional Judaico para cobrir estrategicamente os restos das aldeias árabes dizimadas. Não havia nada de antigo ou romântico nas florestas que brotavam onde outrora existiam cidades e aldeias. Em vez disso, havia apenas a estranha sensação de que estas árvores estavam a "lavar de verde" a história, a enterrar as suas raízes nas histórias, memórias, corpos, casas dos mortos e dos despossuídos.

Quando estive em Jaffa, fiz um passeio a pé ao longo da cornija do Mar Mediterrâneo. Reparei nas placas de informação turística ao longo do caminho, que ofereciam uma história multilingue da cidade, cobrindo milhares de anos até aos dias de hoje. Não havia nada em árabe. Posteriormente, encontrei uma descrição destas placas na Internet. Não me lembro de ter visto a placa em inglês, mas parece que diz: "No ano de 1936, os bárbaros árabes atacaram o bairro judeu".

O apagamento sistemático da identidade, da história e da memória palestinianas e árabes de Israel, bem como a amnésia coletiva forçada em torno da Nakba, confrontaram-me em todo o lado para onde me virei, quer na Cisjordânia, em Israel ou em Jerusalém. É verdadeiramente um feito notável de censura construir um Estado inteiro em torno de uma falsidade: apagar sistematicamente a existência, a deslocação, a perda e a nostalgia de um povo, tanto do passado como do presente; manter a ideia de que nada de coerente, belo, legítimo, significativo e não judaico precedeu Israel.

Com medo da memória palestiniana, não é de admirar, portanto, que esta censura seja agora lei. A discussão sobre a definição do Estado de Israel é potencialmente sediciosa. As verdades históricas sobre o que aconteceu ao povo palestiniano, bem como sobre o que continua a acontecer-lhe, não são toleradas.

A Lei da Nakba é uma expressão explícita do que tem acontecido aos palestinianos desde 1948 até hoje - nomeadamente, um ataque à memória coletiva, à liberdade de expressão, à história, à igualdade e à dignidade dos palestinianos. No entanto, a Lei Nakba e todos os esforços para censurar os palestinianos falharão. Não se pode legislar contra a memória e o luto de um povo. Se há um sítio onde Israel não tem o direito de existir, esse sítio é o nosso coração.

Fonte: ABC, 17 de maio de 2013

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