Valtesse de La Bigne
Émilie-Louise Delabigne, conhecida como condessa Valtesse de
La Bigne (1848, em Paris - 29 de julho de 1910, em Ville-d'Avray) foi uma
cortesã e demi-mondaine francesa, nascida numa família da classe
operária de Paris, mas que subiu na hierarquia social e foi mecenas dos
pintores, criando um espaço para as mulheres participarem no mundo da arte
através do seu colecionismo e do seu Salon.
A vida
Juventude e entrada na prostituição
Uma de seis irmãos, Émilie-Louise era filha de um pai
alcoólico e violento e de Émilie Delabigne, uma empregada de lavandaria da
Normandia, que também se dedicava ao trabalho sexual. Desde os 10 anos, trabalhava
num atelier de confeção em Paris. Aos 13 foi violada na rua por um homem mais
velho. Foi modelo para o pintor Corot, cujo atelier se situava no bairro onde
vivia e que apreciava pintar raparigas novas. Ainda jovem, começou a trabalhar
como prostituta fazendo parte das lorettes (amantes respeitáveis), não sendo
uma prostituta de rua (grisette), nem uma demi-mondaine (cortesã
da classe alta). No entanto, tratava-se ainda de uma prostituição clandestina,
muitas vezes à porta de casa, com o risco de ser presa pela polícia ou de ter a
cabeça rapada como castigo ou humilhação.
Visando rapidamente os clientes ricos, frequenta o bal
Mabille aos domingos e trabalha numa cervejaria no Champ-de-Mars, frequentada
por oficiais de alta patente, o que lhe permite sonhar com a ascensão social.
Aí conhece e apaixona-se por um jovem de 20 anos, Richard Fossey, com quem tem
duas filhas (Julia Pâquerette Fossey, 3 de março de 1868, e Valérie Fossey,
ca.1869), mas ela não abandona a prostituição e Fossey deixa-a sem se casar com
ela. Valtesse confiou as suas duas filhas à sua mãe, colocando uma - Julia
Pâquerette – num convento, receando que a mãe a prostituísse.
A relação de Valtesse com a sua irmã Emilie Delabigne
Tremblay era igualmente conflituosa. Emilie trabalhava como madame num bordel
na Rue Blanche e chamava-se a si própria "Marquesse". No início da
década de 1880, Valtesse, a sua irmã Emilie e a sua mãe entraram em conflito
quando a mãe e a irmã pareceram estar a tentar atrair a sua filha
Julia-Pâquerette para o trabalho sexual.
Ela assumiu o pseudónimo de "Valtesse" devido à
proximidade semântica com "Votre Altesse" (mais tarde aconselhará
Liane de Pougy, Anne-Marie Chassaigne, a fazer o mesmo, acrescentando uma
partícula ao nome) e jura nunca arranjar marido e sair do seu meio social
ganhando dinheiro. Aproveita-se dos "brésiliens", os clientes
estrangeiros que visitam Paris, e aspira a tornar-se membro das
"archidrôlesses", um grupo de cortesãs venais.
Cortesã de Tout-Paris
Jacques Offenbach vê Valtesse a representar um pequeno papel
nos Bouffes-Parisiens e convida-a a participar nas suas peças. A sua estreia em
palco foi como Hébé em Orphée aux Enfers. Um crítico descreveu-a como
"tão ruiva como uma virgem de Ticiano e muito tímida". Em seguida, atuou
em papéis menores: em Le Fifre enchanté, como Saturnin em La Chanson
de Fortunio, Berthe em La Diva, uma pajem em La Princesse de
Trébizonde. O seu primeiro papel de relevo foi Mistress Johnson em La
Romance de la Rose, no qual cantou.
Amante do compositor dá-lhe acesso aos restaurantes da moda.
Tal como Zola, Flaubert e Maupassant, frequentava o Bignon (antigo Café de Foy)
ou o Café Tortoni. Mas o cerco de Paris, durante a guerra franco-prussiana de
1870-1871, faz com que os parisienses passem fome, comam ratos, o que não abafa
as aspirações de Valtesse. O jornalista, cronista e escritor Aurélien Scholl,
conhecido em Paris pelo seu humor mordaz, escreveu: "Durante o cerco de
Paris, todas as mulheres comeram cães. Pensou-se que este alimento lhes
incutiria princípios de fidelidade. Nada disso, elas exigiram coleiras.”
No final da guerra, Valtesse não perdeu tempo e tornou-se
uma cortesã de alto nível. Abandona Offenbach e atira-se ao príncipe Lubomirski.
Consegue que ele a instale num apartamento na rue Saint-Georges, arruína-o,
abandona-o e continua a seduzir uma série de amantes ricos, uns atrás dos
outros, como o muito dandy príncipe de Sagan, que financia a mansão
privada no número 98 do boulevard Malesherbes, na esquina da rue de la Terrasse,
construída pelo arquiteto Jules Février.
Apelidada de "Raio de ouro", era refinada e
interessava-se pelas artes e pela literatura. Comprou uma carruagem para se
deslocar em Paris. Adquire uma casa sumptuosa em Ville-d'Avray, onde recebe os
seus convidados e onde pendura quadros encomendados ao pintor Édouard Detaille,
representando os membros fictícios da "família de la Bigne" que
inventou para si própria.
Em 1876, Valtesse de la Bigne publica na Dentu o seu romance
autobiográfico, Isola assinado "Ego", de acordo com o seu
lema, mas não é um grande sucesso.
Em 1882, conseguiu que a grafia do seu nome fosse corrigida
para "de la Bigne", e obteve também uma correção ortográfica na
certidão de nascimento da sua mãe Victoire Émilie Delabigne: "Por sentença
em 3 de junho de 1882, o Tribunal Civil de Lisieux decidiu que o nome patronímico
Delabigne, escrito como uma só palavra no registo aqui anexo, deve ser escrito
como três palavras "de la Bigne", tanto para a demoiselle
Victoire Émilie de la Bigne como para o nome do seu pai que figura no referido
registo, e ordena uma reidentificação do registo de nascimento da demoiselle
Victoire Émilie de la Bigne, lavrado em Orbec a 2 de julho de 1820. Por menção,
em Lisieux, a 9 de junho de 1882.”
A pedido de Léon Hennique, ela aceita mostrar a Émile Zola a
sua mansão privada. O seu quarto - e em particular a sua cama - inspiram-no a
descrever o quarto de Nana: "Uma cama como se não existisse, um
trono, um altar onde Paris viria admirar a sua nudez soberana [...]. À
cabeceira da cama, um bando de amantes entre as flores debruçava-se com riso,
procurando a volúpia nas sombras dos cortinados".
Ao ler Nana, Valtesse ficou indignada por encontrar tal
descrição do seu cenário: "alguns traços de terna estupidez e de esplendor
espalhafatoso”. Quanto à personagem de Nana, ela, que pensava ser a inspiração
do escritor, descreveu-a da seguinte forma: "Nana é uma puta vulgar, tola
e grosseira!”
No entanto, Zola teve mais sorte do que Alexandre Dumas filho.
Quando Dumas pede a Valtesse de La Bigne para entrar no seu quarto, ela
responde-lhe friamente: "Caro mestre, isso está para além das suas possibilidades.”
Uma amiga influente dos artistas
Henri Gervex utilizou-a como modelo para a cortesã do seu quadro Le Mariage civil, que decorava o salão de casamentos do 19.º arrondissement de Paris.
Diz-se também que inspirou a heroína do romance La
Nichina, de Hugues Rebell. Foi também a personagem Altesse no romance Idylle
saphique da sua amiga Liane de Pougy.
Valtesse de La Bigne foi amiga, e por vezes amante, de
Édouard Manet, Henri Gervex, Édouard Detaille, Gustave Courbet, Eugène Boudin e
Alphonse de Neuville, o que lhe valeu a alcunha de "L'Union des
Peintres" ou "Altesse de la Guigne". Posou para Manet, Gervex ou
Forain. E Detaille mudou-se para perto da sua casa no Boulevard Malesherbes.
Frequenta também escritores como Octave Mirbeau, Arsène Houssaye, Pierre Louÿs,
Théophile Gautier ou ainda Edmond de Goncourt, que a informa sobre a sua Chérie.
Henri Gervex pintou uma tela célebre de um jovem desesperado que contempla uma jovem nua a dormir depois de terem feito amor. Inspirado no poema de Alfret Musset sobre um jovem loucamente apaixonado por uma demi-mondaine, prestes a suicidar-se saltando da varanda depois de ter gastado todas as suas poupanças para pagar uma noite com a jovem. A jovem do quadro de Gervex representa Valtesse de la Bigne.
Descomplexada, dá provas de grande liberdade de espírito e
toma como amante uma outra cortesã, Liane de Pougy.
Vizinha de Léon Gambetta em Ville-d'Avray, pede-lhe para o
conhecer. Embora bonapartista, faz campanha com ele para que a França fique com
Tonkin. Conhecedora da geopolítica da região, mantém uma correspondência com um
antigo amante, Alexandre de Kergaradec, que se tornou cônsul francês em Hanói e
lhe enviou muitos presentes, entre os quais um gigantesco pagode. Em 9 de junho
de 1885, a França reconheceu o protetorado francês sobre Annam e Tonkin.
Acumula uma vasta coleção de arte, grande parte da qual foi
vendida em leilão no Hôtel Drouot, de 2 a 7 de junho de 1902. O único objeto
que legou ao Musée des Arts Décoratifs de Paris foi a sua notável cama em
bronze, criada em 1877 por Édouard Lièvre, que se encontra no museu desde 1911.
Conduz automóvel, constrói a Villa des Aigles em Monte
Carlo, vende a sua casa no boulevard Malesherbes e vive sobretudo em
Ville-d'Avray, onde forma jovens raparigas que queriam seguir as suas pisadas.
Em 1910, uma das suas veias rebentou e morreu pouco tempo depois. No seu
necrológio, escreveu: "É preciso amar um pouco ou muito, conforme a nossa
natureza, mas rapidamente, por um momento, como se ama o canto de um pássaro
que nos fala à alma e cuja memória se desvanece com a última nota, como se ama
a cor púrpura do sol ao desaparecer no horizonte". Está sepultada num
túmulo elaborado no cemitério de Ville-d'Avray, com dois homens: o comandante Louis Marius Auriac e um desconhecido "E. Luna".
Fonte: Wikipédia



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