A Revolução Colorida Americana e Israelita de 1968 em França: parte I
O.P.J.
Pacific Sud (2019) - Pauline Latchoumanin
Talassocracia
contra De Gaulle
Pierre-Antoine Plaquevent sustenta que redes de
inteligência estrangeiras e a influência mediática convergiram em 1968 para
enfraquecer o projeto de soberania nacional de De Gaulle
Em 14 de maio de 1968, o primeiro-ministro Georges Pompidou
dirigiu-se à Assembleia Nacional a respeito da insurreição estudantil. No seu
discurso, declarou que o movimento incluía “indivíduos determinados, munidos de
meios financeiros consideráveis, com materiais adequados para o combate de rua,
claramente dependentes de uma organização internacional, e não creio correr
qualquer risco ao sugerir que essa organização visa não apenas criar subversão
nos países ocidentais, mas também perturbar Paris precisamente no momento em
que a nossa capital se tornou o ponto de encontro para a paz no Extremo Oriente
[a Guerra do Vietname]. Teremos de nos ocupar dessa organização, para garantir
que ela não possa prejudicar nem a nação nem a República.”
O que queria dizer o futuro presidente da República com o
termo “organização internacional”? Outros altos membros do governo também
sugeriram que a agitação estudantil era produto de intenções mais profundas,
envolvendo forças estratégicas empenhadas em desestabilizar o Estado francês.
Assim, o então ministro da Economia e das Finanças, Michel Debré, escreveria
mais tarde nas suas memórias:
“Dinheiro estrangeiro, nomeadamente chinês, correu para
dentro dessa turbulência, principalmente para contrariar movimentos apoiados
pelos russos. Havia também as constantes intrigas israelitas, habilmente
orquestradas, com o objetivo de enfraquecer o general [de Gaulle], condenado
desde a conferência de imprensa em que tomara posição contra a política de
Israel.” ¹
Do outro lado das barricadas, podemos citar o escritor
Morgan Sportès, então ativista maoista, que também lança luz sobre o pano de
fundo desta verdadeira revolução colorida anti-gaullista que Maio de 68
representou:
“O que o simpático e, até certo ponto, ingénuo Cohn-Bendit
não se gaba é que, desde março de 1968, era seguido passo a passo por Paris
Match e pela RTL, entre outros, que o transformaram numa ‘estrela
revolucionária’. Reportagens fotográficas mostravam Cohn-Bendit na sua cozinha
a fazer café; ou a brincar com os filhos do irmão; ou, o cúmulo da ironia, uma
dupla página mostrando-o de casaco, carregando uma ‘mala de bolchevique
errante’ em frente à Porta de Brandemburgo, com a legenda: ‘E agora parte para
pregar a anarquia por toda a Europa.’ Isto, repare-se, na Match, um
‘pasquim de esquerda’, se é que alguma vez houve!!! Foi no carro da Match,
um Citroën ID 19, que Cohn-Bendit deixou França em meados de maio de 1968, e
foi no carro da Match que voltou a entrar — com o cabelo ruivo tingido
de preto. Uma verdadeira commedia dell’arte!”
Além disso, Sportès recorda o momento em que Cohn-Bendit se
gabou de ter sido abordado pela CIA:
“Em junho de 1968, Cohn-Bendit declarou a Hervé Bourges:
‘Parece que a CIA tem-se interessado por nós ultimamente: certos jornais e
associações americanas, subsidiárias e intermediárias da CIA, ofereceram-nos
grandes somas de dinheiro; escusado será dizer que as recusámos…’” ²
Para o historiador e jornalista Éric Branca, essa influência
subterrânea da CIA era bem real e manifestava-se através de manipulações da
opinião pública, reminiscente dos métodos utilizados nas atuais revoluções
coloridas noutros teatros de operação:
“O exemplo mais marcante é o rumor, concebido em 1966 por
agências de comunicação ligadas ao Departamento de Estado, segundo o qual De
Gaulle não se contentaria em mandar para casa os GI’s estacionados no nosso
território, mas preparar-se-ia para ordenar o repatriamento dos corpos dos
soldados americanos caídos em 1944 pela libertação da França! A terrível imagem desses franceses a desenterrar
cadáveres prenunciava a mentira igualmente monstruosa fabricada em 1991 por
agências semelhantes para desacreditar Saddam Hussein, cujos
soldados teriam desligado as incubadoras dos recém-nascidos em Kuwait City…” ³
Para compreender por que razão a subversão freudo-marxista e
o “deep state” americano convergiram em Maio de 1968 para desestabilizar o
regime do general de Gaulle, é preciso recordar tanto o contexto geopolítico da
época como o trabalho político levado a cabo por De Gaulle. O general procurava
posicionar a França como uma potência de equilíbrio entre as três grandes
forças geopolíticas do seu tempo:
1. os EUA e a NATO,
2. a URSS e o Pacto de Varsóvia,
3. e o Movimento dos Não-Alinhados, que reunia países que
rejeitavam a bipolaridade geopolítica entre Ocidente e Socialismo.
No âmbito dessa política de não-alinhamento, De Gaulle
também confrontou diretamente o euro-globalismo, então incarnado por figuras
como Jean Monnet. De Gaulle não era antieuropeu, mas a sua visão da Europa não
era supranacional; tratava-se antes de uma Europa com limites geográficos
definidos e coerência histórica. Assim, duas
visões de Europa entraram em choque: por um lado, a visão nacional, defendida
por De Gaulle; por outro, a visão supranacional e “euro-globalista” de Monnet —
e, de forma mais ampla, da tecnocracia e das finanças internacionalistas.
Foi também o período em que a França, já potência nuclear,
procurava encarnar uma “terceira via” entre o capitalismo e o comunismo,
inclusive no domínio económico. Um exemplo disso foi a lei de agosto de 1967
sobre a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, que tornava
obrigatória a partilha dos frutos da expansão em empresas com mais de cem
trabalhadores. ⁴
Acima de tudo, tratava-se de um período de forte tensão
internacional, com a Guerra dos Seis Dias
(1967), crise durante a qual De Gaulle denunciou a atitude expansionista de
Israel e proferiu a célebre conferência de imprensa onde descreveu os judeus
como “um povo de elite, seguro de si e dominador”. Essa declaração
valeu-lhe numerosos ataques, inclusive de figuras conservadoras como Raymond Aron, que lhe
dedicou um livro inteiro — De Gaulle, Israël et les Juifs (De Gaulle,
Israel e os Judeus).
Nesse ensaio, Aron comenta o discurso de De Gaulle
afirmando:
“O general de Gaulle abriu, consciente e deliberadamente, um
novo período na história judaica — e talvez na
própria história do antissemitismo. Tudo volta a ser possível.”
O livro desenvolve uma acusação de antissemitismo gaullista
que atravessa as observações de Aron num tom inusitadamente severo, destoando
do seu estilo habitualmente moderado:
“Por que motivo o general De Gaulle reabilitou solenemente o
antissemitismo? Para se entregar ao prazer do escândalo? Para punir os
israelitas pela sua desobediência e os judeus pelo seu ocasional
anti-gaullismo? Para proibir solenemente qualquer inclinação à dupla lealdade?
Para vender mais alguns Mirages aos países árabes? Teria atingido os Estados
Unidos ao atingir os judeus? (…)”
Essas posições também se explicam pelo papel desempenhado
por Raymond Aron como mediador dos interesses estratégicos atlantistas na
Europa, nomeadamente através do Congress for
Cultural Freedom (CCF) —
organização político-cultural fundada em Berlim Ocidental, em 1950, e com sede
em Paris. O CCF tinha como objetivo contrariar a influência do bloco comunista
na cultura e no debate intelectual, sendo financiado pela CIA. ⁵
Convém recordar que, até à década de 1960, a França fora um
apoio incondicional do Estado sionista, sustentando-o em momentos cruciais da
sua história — como durante a Crise de Suez de 1956, em que se aliou ao Reino
Unido e a Israel contra o Egito nacionalista de Gamal Abdel Nasser, ou através do apoio técnico clandestino ao programa
nuclear israelita. Foi o general De Gaulle quem pôs termo a essa
cooperação nuclear, com o intuito de reorientar a política externa francesa
para um reequilíbrio entre os diversos polos de poder da época.
A França, que sobrevivera à derrota de 1940 e à Segunda
Guerra Mundial, e sofrera crises políticas recorrentes sob a Quarta República,
procurava agora, sob a liderança de De Gaulle, forjar uma política de força
baseada na dissuasão nuclear e no realismo político — considerando a Rússia e a
China numa perspetiva de longo prazo, para além dos respetivos sistemas
ideológicos.
Essa política ficou marcada por uma rejeição da bipolaridade
herdada de Yalta (da qual a França fora excluída) e, sobretudo, por um reforço
das instituições internas. Apesar do trágico abandono dos pieds-noirs e
dos harkis — mancha moral que perdura —, a Quinta República, tal como De
Gaulle a estava a moldar, representava uma “terceira via” tipicamente francesa
e uma tentativa de restauração nacional conduzida através da legalidade e da
inteligência política.
A França representava, nessa
altura, um sério problema para a hegemonia americana sobre o Ocidente. Além
disso, a política de equilíbrio de De Gaulle no Médio Oriente constituía um
obstáculo ao expansionismo israelita. O Estado nacional-gaullista
surgia, assim, como um regime político antagónico, que precisava de ser
desestabilizado por todos os meios possíveis. No entanto, num contexto de pleno
emprego e de crescimento económico no final da década de 1960, como atacar — ou
mesmo derrubar — um adversário tão sólido como a França, teoricamente aliada no
mesmo campo antissoviético? E, mais ainda, uma aliada com a legitimidade
histórica da “cruzada das democracias” contra o fascismo, conquistada pelo seu
gaullismo de guerra?
Foi neste ponto que novos
métodos de enfraquecimento de um Estado começaram a ser utilizados — novas
tecnologias políticas ainda incipientes à época, mas que viriam a ser
sistematizadas com a eficácia que hoje conhecemos.
Entre essas técnicas, destacou-se o uso de movimentos
estudantis de protesto, dirigidos e apoiados por atores políticos cujos
interesses — ou origens — os ligavam a potências estrangeiras.
O sionismo de esquerda e a Open Society contra De
Gaulle
Já abordei, noutros estudos, a figura de Aryeh Neier, presidente
das Open Society Foundations e diretor executivo da Human Rights Watch (HRW)
entre 1993 e 2012. Antes disso, Neier fora um dos fundadores do grupo Students
for a Democratic Society (SDS), a mais importante organização estudantil da
esquerda radical americana nos anos 1960.
A sua trajetória é, sob muitos aspetos, significativa e
representativa de uma geração inteira de líderes políticos da esquerda
estudantil que ascenderam progressivamente na hierarquia social, passando da
ação direta e do protesto radical para posições de influência política, quer no
seio de grandes ONG, quer em instituições políticas mais tradicionais.
Este percurso, simultaneamente biográfico e ideológico,
ilustra bem o modo como o radicalismo juvenil dos anos 1960 foi sendo absorvido
e institucionalizado, transformando-se num instrumento de poder cultural e
diplomático ao serviço de redes transnacionais, muitas vezes afinadas com os
interesses geopolíticos dos Estados Unidos e de Israel.
O mesmo aconteceu em França: a maioria dos líderes mais
mediatizados de Maio de 68 passou, como observou Guy Hocquenghem, “do colarinho
maoísta ao Rotary Club”, título do seu livro em que afirmava:
“Não foi a direita, mas o esquerdismo, que matou o comunismo
e descredibilizou a esquerda durante dez anos após Maio de 68, através de anos
de paciente subversão.” ⁶
Com esta frase incisiva, Hocquenghem resumia o destino
paradoxal de uma geração que, tendo-se erguido contra a autoridade e o
capitalismo, acabou por integrar-se nos mesmos mecanismos de poder e de
prestígio social que antes combatia. O espírito revolucionário foi, assim,
gradualmente domesticado, transformando-se num capital cultural e simbólico que
abriu as portas do sistema político, mediático e académico francês aos antigos
“revolucionários” de 1968.
Tal como nos Estados Unidos, os líderes franceses de Maio de
68 acabaram por seguir carreiras bem-sucedidas — na política (Daniel
Cohn-Bendit), na vida intelectual (Alain Finkielkraut), nos média (Serge July)
ou na esfera do intervencionismo humanitário ao estilo Soros (Bernard
Kouchner).
Mais uma vez, como nos EUA na mesma época, muitos desses
líderes franceses de Maio de 68 — que mais tarde se tornariam figuras centrais
da Open Society em França — eram ativistas
judeus que se imaginavam a reeditar, uma geração depois, uma luta antifascista
mítica e romantizada. Tratava-se, contudo, de um simulacro de
antifascismo estudantil, em contraste com o antifascismo histórico e autêntico
incarnado pelo general De Gaulle e pelo Partido Comunista Francês.
Entre esses nomes destacam-se:
• Daniel Cohn-Bendit, o mais emblemático;
• Alain Geismar, “Secretário-Geral do SNE
Sup, depois membro ativo da Esquerda Proletária”; figura central entre os
líderes estudantis e intelectuais de Maio de 68, Geismar representava a ponte
entre a contestação universitária e o ativismo marxista-leninista. Após o
movimento, tornou-se uma das vozes mais conhecidas da Gauche Prolétarienne, um grupo
que procurava traduzir o impulso revolucionário das universidades para o
terreno das lutas operárias — antes de, como tantos outros, integrar-se nas
estruturas institucionais do Estado francês.
• Henri Weber (falecido em 2020 de
coronavírus), futuro dirigente do Partido Socialista, cofundador com Alain
Krivine do movimento trotskista JCR (Juventude Comunista Revolucionária),
antecessor da LCR (Liga Comunista Revolucionária) e mais tarde do NPA (Novo
Partido Anticapitalista);
• Robert Linhardt, “dirigente da UJCML
(União da Juventude Comunista Marxista-Leninista)”;
• Benny Lévy, figura central do maoísmo
francês sob o pseudónimo Pierre Victor, “líder da Esquerda Proletária,
cofundador do Libération e secretário pessoal de Jean-Paul Sartre”, que
— segundo o seu biógrafo — passou “de Mao a Moisés”;
• e ainda André Glucksmann, Bernard
Kouchner, Alain Finkielkraut, entre outros.
Estas trajetórias, simultaneamente políticas e simbólicas,
ilustram a mutação de uma geração revolucionária em elite cultural e mediática,
num processo em que o radicalismo juvenil foi absorvido, neutralizado e
reconvertido em instrumento de poder soft, articulado com as redes
atlanticistas e liberal-internacionalistas que dominaram o espaço europeu após
a década de 1970.
Notas
¹ Michel
Debré, Mémoires, Paris: Albin Michel, 1988.
² Morgan
Sportès, Tout, tout de suite, Paris: Fayard, 2011.
³ Éric Branca, L’ami
américain: Washington contre De Gaulle, 1940–1969, Paris: Perrin, 2017.
⁴ Journal
officiel de la République française, loi n.º 67-693, de 17 de agosto de
1967, relativa à participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das
empresas.
⁵ Frances
Stonor Saunders, Who Paid the Piper? The CIA and the Cultural Cold War (Granta
Books, 1999).
⁶ Guy
Hocquenghem, Du col Mao au Rotary Club (Paris: Albin Michel, 1986).
Pierre-Antoine Plaquevent
Fonte: Multipolar Press, 3de novembro de 2025

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