Sociedades fantasma e petróleo angolano. Inspetor explica como Salgado tentou dar "uma roupagem" ao dinheiro que terá chegado a Sócrates
Perry Mason
(1957-1966) – Kelly Thordsen
Com Sócrates já sem advogado escolhido por si, a sessão da
tarde desta terça-feira debruçou-se novamente sobre o
caminho do dinheiro entre o Grupo
Espírito Santo e os milhões nas contas de Carlos Santos Silva que viriam a ser
disponibilizados ao antigo primeiro-ministro - e que a acusação diz terem sido
fruto de luvas por benefícios dados a, entre outros, Ricardo Salgado, enquanto
era chefe do governo.
Manuel Silva, um dos inspetores tributários responsáveis por desvendar
o circuito obscuro de empresas e offshores do BES, voltou ao
tribunal para explicar em detalhe como a operação montada por Salgado quis dar
“uma roupagem” através de sociedades que, na prática, não existiam.
Um dos casos mais evidentes, contou em tribunal, aconteceu
em 2007, quando o Grupo Espírito Santo assinou um suposto contrato entre uma
sociedade chamada Markwell, propriedade de Hélder Bataglia - ex-líder do BES
Angola e tido como um dos intermediários de José Sócrates -, e uma outra
chamada Pinsong, criada a mando de Ricardo Salgado. O contrato tinha como
objetivo a prestação de consultoria para a exploração de um bloco de petróleo
em águas angolanas.
Mas, como destacou Manuel
Silva, algo não batia certo: ambas as sociedades eram fantasma. “É
uma sociedade que não existe, que não tem nada, a transferir verbas para outra,
que não tem nada também” e, explica, aquilo que entenderam foi a existência de
um plano para “dar uma realidade operacional” impossível.
Até porque, como depois os investigadores viriam a
aperceber-se, o success fee de sete milhões que a Pinsong viria a pagar
à sociedade de Hélder Bataglia para conseguir alcançar o suposto contrato foi
pago antes mesmo de o governo angolano oficializar a abertura do concurso de
exploração petrolífera. Esse valor estava “relacionado com um concurso que não
tinha sequer começado”.
Esses milhões e muitos outros chegariam depois às contas
sediadas na Suíça de Carlos Santos Silva que estavam abrangidas pelo Regime Excecional
de Regularização Tributária (RERT) e que
acabariam por ser o pontapé de saída para a investigação da Autoridade
Tributária. “As autoridades suíças tinham já um conhecimento sobre a
origem e o circuito do dinheiro”, conta o inspetor, explicando que receberam dos suíços um instrumento que acabou por
definir toda a investigação.
Quando entrou para esta investigação, em 2005, Manuel Silva
teve acesso a um “documento importante”. “Era uma árvore bastante complexa, uma
espécie de diagrama que fazia uma reconstituição das verbas comunicadas no RERT
pelo engenheiro Carlos Santos Silva” - o testa de ferro de Sócrates, segundo a
acusação. Depois disso, os inspetores em
Portugal começaram um rastreamento desse diagrama “muito extenso e complexo que
foi sido reconstituído numa lógica de puzzle”.
Foram analisados cerca de 170 milhões só na esfera da
Espírito Santo Enterprises - o “saco azul” do GES - e o processo era mantido
numa lógica de máxima reserva. “A nossa informação era muito segmentada em
discos externos encriptados só com a info que precisavam.” No final, conta,
“todas as verbas” de Santos Silva na Suíça foram rastreadas e a conclusão foi a seguinte: todos os valores
que entraram nas contas do amigo de José Sócrates têm origem em negócios que
foram alvo da acusação: como ‘luvas’ pagas pelo GES ou pela Vale do Lobo.
“Todas as verbas, até ao cêntimo, foram mapeadas. Era uma prioridade da
investigação.”
Já a defesa de Ricardo Salgado acabou por contestar este
testemunho, salientando que o antigo banqueiro está “impossibilitado de defesa”
já que, pelo menos desde julho deste ano, está submetido a um regime de maior
acompanhado e, por isso, “o seu direito ao contraditório está inviabilizado”.
Para esta quarta-feira está prevista a audição de Henrique
Rodrigues, um dos homens mais próximos de Hélder Bataglia, mas também de
António Joaquim Fernandes, engenheiro ligado à construção de casas na Venezuela
- um dos alicerces deste processo.
Fonte: CNN Portugal, 4 de novembro de 2025

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