A história das greves em Portugal em cinco pontos
Nautilus (2024)
Origem da palavra
Os espanhóis dizem huelga, os italianos sciopero
e os galegos folga. Greve é um galicismo, e deve o seu nome à Place de
la Grève — cais parisiense coberto de areia grossa (grava) que funcionava como
praça de jorna no século XVIII. No século XIX, a praça foi palco de grandes
protestos e reivindicações operárias, e o termo greve ganhou o uso que hoje lhe
damos em Portugal e em França.
A primeira paragem
Foi em 1849, contra os serões, e é a primeira paragem
reconhecida como greve, quando a palavra ainda não tinha cá chegado, pelos
operários das fundições da Rua da Boavista, em Lisboa, organizados
espontaneamente. As primeiras associações mutualistas operárias só se formariam
entre 1850 e 1852: “Na tarde do dia 10 de setembro, várias dezenas de
ferreiros, serralheiros e torneiros da fábrica Vulcano, abandonaram o trabalho
à hora do começo do serão, recusando-se a trabalhar até às 8 da noite. Foram
para a rua e percorreram o caminho até à fábrica Phenix, gritando que não
faziam serão, chamando os seus colegas que ainda se encontravam a trabalhar
(...) dirigiram-se em cortejo até às fábricas Collares e Bachelay”, onde os
proprietários chamaram as forças da ordem para dispersar os manifestantes,
“acusados de amotinadores”, escreveu o historiador José Barreto num artigo
publicado na revista Análise Social.
O “decreto burla”
A primeira lei da greve ficou conhecida como “decreto
burla”, por gorar as expectativas dos sindicalistas e de boa parte dos
portugueses. Publicada a 6 de dezembro de 1910, dois meses depois da
implantação da I República, foi uma faca de dois gumes: reconheceu o direito à greve,
legitimou o direito ao lock-out pelos patrões, garantindo proteção aos fura
greves e permitindo o uso da força policial e militar contra os trabalhadores —
nas empresas e manifestações. Quatro meses depois, a 13 de março, as
trabalhadoras das fábricas de conservas de Setúbal entraram em greve, exigindo
melhores salários. O governo enviou a GNR para o local e foram mortos dois
trabalhadores (uma mulher e um homem).
Quantas na I República?
Um artigo de Carlos Carvalho, na Seara Nova,
contabilizou 518 greves sectoriais e nacionais de 1910-1926: “Em 128 destas os
trabalhadores viram integralmente satisfeitas as suas reivindicações, 196
resultaram em acordos e 63 foram consideradas derrotas, ou foram suspensas.”
No Estado Novo
A greve e o lock-out foram proibidos em fevereiro de 1927,
com direito a menção na Constituição de 1933. Isso não impediu que o dia 18 de
janeiro de 1934 e o soviete da Marinha Grande ainda hoje sejam evocados como
exemplo de luta operária; menos conhecidas são as greves dos operários de
Silves e do Barreiro nesse mesmo dia. Entre as muitas greves e protestos
durante a ditadura, destaque para a dos operários dos lanifícios da Covilhã, em
novembro e dezembro de 1941; os trabalhadores organizaram-se sem a mediação de
sindicatos nacionais e sem interferências partidárias. Em 1943, há uma vaga
grevista nos sectores operários da região de Lisboa. No ano seguinte, greves
dos trabalhadores rurais no Alentejo e Ribatejo; repetem-se no Alentejo em maio
de 1962, com os trabalhadores a conquistarem a jornada e oito horas de trabalho
diário. Daqui à queda da ditadura, o movimento grevista estende-se e alarga-se
ao sector terciário e a estudantes.
Fonte: Expresso, 16 de agosto
de 2019

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