Espionagem. México ignorou alertas dos EUA (incluindo provas da CIA) e manteve no país rede de espiões russos
Il mio nome è Shangai Joe (1973) - Chen Lee, Giacomo Rossi
Stuart
Moscovo
considera México um país estratégico, onde a espionagem ocorre quase sem
vigilância. EUA alertaram para a presença de espiões russos, mas Governo
mexicano desvalorizou e recusou expulsá-los
O governo do México foi, nos últimos anos, repetidamente
alertado pelos Estados Unidos para a presença de espiões russos a operar no
país, mas ignorou os avisos, de acordo o New York Times, que cita nove
(atuais e antigos) responsáveis norte-americanos e mexicanos. Esta informação
contradiz a declaração pública do então presidente Andrés Manuel López Obrador,
que em março de 2022 garantiu não ter informações sobre qualquer atividade
deste género, recusando-se a expulsar os agentes secretos russos identificados
pela CIA.
De acordo com três responsáveis norte-americanos, López
Obrador tinha sido informado diretamente sobre o problema, numa altura em que o
serviço secreto norte-americano já tinha elaborado uma lista com mais de duas
dezenas de agentes russos colocados na embaixada de Moscovo na Cidade do México
sob cobertura diplomática.
Washington conseguiu, apenas em 2023, limitar a entrada de
novos diplomatas russos no México, quando o
Executivo aceitou, sob pressão, permitir que responsáveis norte-americanos
interviessem na acreditação de novos diplomatas russos — tendo, inclusive, alguns pedidos sido
rejeitados. Porém, segundo seis responsáveis atuais e recentemente afastados,
mesmo após a chegada de Claudia Sheinbaum à Presidência do país, no ano
passado, nenhum dos espiões já instalados foi obrigado a sair do país, tendo a
rede permanecido ativa. “O governo mexicano ajudou, mas podia ter feito muito
mais”, afirmou Juan González, antigo diretor para o Hemisfério Ocidental no
Conselho de Segurança Nacional dos EUA. “Demos-lhes nomes de espiões russos que
se faziam passar por diplomatas na embaixada da Rússia na Cidade do México. Eram agentes experientes, envolvidos em
operações sofisticadas por toda a Europa”, sublinhou.
O turismo e a proximidade do México com os Estados Unidos
são fatores que fazem do México um ponto de encontro privilegiado para as
operações de Moscovo. Responsáveis norte-americanos descreveram um padrão em
que agentes e informadores do Kremlin voam para
destinos como Cancún, misturam-se com turistas e trocam informações
recolhidas em território americano, fugindo, assim, à vigilância de Washington.
Paralelamente, Moscovo tem intensificado campanhas de
desinformação dirigidas aos mexicanos, visando alimentar sentimentos
antiamericanos e antieuropeus — preocupação expressa por diplomatas britânicos
e franceses, que levaram Paris a criar um
cargo específico dedicado ao combate à desinformação.
Segundo o jornal norte-americano, a embaixada russa nega
todas as acusações, dizendo que as missões diplomáticas de Moscovo são
“frequentemente alvo de acusações infundadas”, lembrando que os dois países
mantêm “um amplo leque de relações bilaterais”. Já o governo mexicano recusou
comentar o caso.
Os responsáveis norte-americanos afirmaram que a lista elaborada pela CIA incluía detalhes sobre postos anteriores dos
agentes e operações específicas na Europa e nos Estados Unidos. Desde 2022,
Washington levantou repetidamente as suas preocupações junto do presidente
mexicano, do ministro dos Negócios Estrangeiros e de outros ministros. No
entanto, as respostas variavam entre a desvalorização — descrita por uma fonte
como “paranoia norte-americana” — e alegações de que os documentos nunca tinham
sido recebidos ou se tinham perdido.
“A Rússia pode atuar com maior impunidade no México”
As preocupações de Washington intensificaram-se com o
aumento do fluxo migratório, incluindo de cidadãos russos. A tensão agravou-se
quando o chefe do Comando Norte dos EUA, o general Glen VanHerck, afirmou
perante o Senado, em 2022, que “a maior concentração de membros do GRU
[secretas russas]” se encontrava no México.
López Obrador desvalorizou as declarações do funcionário
norte-americano e, mais tarde, a então vice-secretária de Estado dos EUA, Wendy
Sherman, confrontou o então ministro dos Negócios Estrangeiros mexicano,
Marcelo Ebrard, ao dizer: “Eles são um problema. Sabemos disso. Expulsámo-los
de Washington e agora estão aqui [México]”.
A Casa Branca receava que Moscovo pudesse infiltrar agentes
entre os requerentes de asilo e enviou a conselheira de segurança interna, Liz
Sherwood-Randall, para alertar as autoridades mexicanas. Segundo duas fontes, o
México comprometeu-se a vigiar os russos que pediam proteção internacional e a
alertar os Estados Unidos caso detetasse comportamentos suspeitos.
No entanto, no plano diplomático, a posição mexicana
manteve-se duvidosa. Embora tenha votado na ONU a favor da soberania da
Ucrânia, o México recusou-se a impor sanções a Moscovo ou prestar apoio a Kiev.
Além disso, o governo autorizou a participação de um militar russo no desfile
de 2023 — atitude criticada pelos aliados ocidentais. Na liderança de
Sheinbaum, o país manteve formalmente a neutralidade: apoiou as resoluções na
ONU, mas não avançou com encontros políticos de
alto nível com responsáveis ucranianos, enquanto o ministro dos
Negócios Estrangeiros mexicano manteve reuniões cordiais com o homólogo russo.
Para especialistas citados pelo New York Times, a
estratégia de Moscovo na América Latina beneficia de uma rede de aliados e
plataformas regionais que incluem Brasil, Cuba e Venezuela. Mas o México ocupa
um lugar central com décadas de tradição, sendo conhecido como a “Viena da
América Latina”, uma referência ao papel do centro de espionagem durante a
Guerra Fria.
Após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, essa
importância aumentou. Com dezenas de agentes russos expulsos da Europa e dos
EUA, Moscovo redireciona os espiões experientes para a Cidade do México, onde,
segundo responsáveis norte-americanos, enfrentam pouca vigilância. “Se se
pretende recrutar ou gerir agentes secretos, a proximidade é fundamental. E é
isso que o México oferece”, sublinhou Duyane Norman, antigo responsável da CIA,
acrescentando que “a Rússia pode atuar com maior impunidade no México, onde há
muito menos olhos do que nos Estados Unidos ou no Canadá”.
Fonte: Observador, 9 de dezembro de 2025





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