Cristiana Kopke, a quase estrela pop dos anos 80 em Portugal
Assistente
de Thilo Krassman e letrista para artistas como as Doce ou Dina, era uma voz
promissora da pop em Portugal. Lançou um álbum em 1982 - e desapareceu. Esta é
a história de Cristiana Kopke.
Cristiana Kopke foi, em tempos, uma das cantoras mais
promissoras do país. E foi mais: assistente de produção de Thilo Krassman,
escreveu letras para artistas como as Doce ou Dina, teve um grupo com Armando
Gama, lançou um inovador disco a solo e, sem avisar, desapareceu. Fugiu de um
mundo pop sedento de hits mas desafortunado de estabilidade financeira, sempre
em rutura com o presente e levou uma vida quase nómada.
Tudo começa em Lourenço Marques. “O meu avô materno era
Governador de Moçambique, na altura fui a primeira neta”, diz-nos em
entrevista. O avô foi intransigente e insistiu que os pais de Cristiana
tivessem a primeira filha em África: “‘Tudo para cá. Nasce aqui’. E eu nasci
lá”. Ainda conheceu Portugal aos 4 anos: “Lembro-me da viagem de navio para cá,
lembro-me de situações, eu era pequenina. Estive em Lisboa brevemente entre os
4 e os quase 6. E depois fui para Paris”.
É em Paris que começa a crescer a sua ligação com a música pop, quando descobre uma banda especial, uma influência marcante até aos dias de hoje. Cristiana admite que “era fanática dos Beatles, doente! Usava os casacos com a gola de veludo, tinha o corte de cabelo, era membro do clube de fãs e recebia discos daqueles flexíveis”.
Foto em Paris
A relação dos seus pais não terminou da melhor maneira. “Até
porque vim de uma forma estranha. A minha mãe trouxe-me para Portugal
ilegalmente, porque o divórcio foi em França e tinha sido decretado que eu não
podia sair de lá. Portanto, a minha mãe trouxe-me à revelia do meu pai.
Arrastou-me. Eu não falava português na altura. Cheguei a Portugal e lembro-me
de dizer a uma das minhas tias, a única que falava sempre francês comigo:
‘pourquoi il y a la messe tout le temp?’. Porque é que a gente só ouve missa no
rádio? Porque, para mim, fado e missa era tudo um bocadinho igual. Não percebia
nada”.
Portugal e a saia acima do
joelho
Encontra em Portugal uma realidade muita distinta da
parisiense, onde escasseia a liberdade em que tinha crescido. Acostumada a
outros que não os nossos brandos costumes, sente-se desenquadrada. Lembra-se de
“ter sido insultada”, apenas pelo tom, por umas “velhas na paragem do autocarro
porque tinha uma saia um palmo acima do joelho”. “Isto foi na altura da Mary
Quant [inventora da minissaia] e essas coisas. Foi muito, muito difícil a minha
adaptação a Portugal naquela altura”. Trazia no sangue rebeldia, desenquadrando-a
da sociedade portuguesa da altura.
“Fui muito rebelde. Nunca aceitei muito bem coisas rígidas,
pré-estabelecidas. Portanto, entrei em rebeldia. Bem, diverti-me tanto!
Diverti-me horrores. Hoje percebo — bem, já há muitos anos — que devo ter dado
muito trabalho à minha mãe, aos professores e aos educadores no geral. E,
pronto, sim, em função das muitas palhaçadas que fiz no Liceu Francês fui
convidada gentilmente a sair. Fui convocada para uma reunião com o
diretor-geral, o ‘proviseur’. Disse-me: ‘Olhe, nós vamos ter que a convidar a
sair’. E eu, com um ar muito inocente, que era a minha especialidade, digo
assim: ‘Porquê? Nunca cá venho, não chateio ninguém!’”.
A vida foi-se desenrolando. Alguns anos mais tarde, teve uma
revelação. “Há um dia em que penso: ‘Mas, espera aí, eu tenho 21 anos. Já estou
a trabalhar, feita estúpida. Esta gente está-me a fazer a cabeça em água. Uns e
outros. Ou vou fazer agora o que me apetece fazer ou quando chegar aos 40 vou
ser uma chata.’ E fui. Comecei a aventurar-me’”.
Recorda-se de um momento definitivo da sua vida: “Um dia
estava num café onde ia a malta da música, perto do Teatro Vilaret, onde íamos
muito. Já não me lembro do nome daquilo. Estava o Tozé Brito e provavelmente o
grupinho do costume. E, entretanto, apareceu o Thilo Krassman, que nessa altura
estava na Movieplay, ali perto. O Tozé apresentou-nos”. Durante a conversa, uma
revelação: “Thilo disse que andava à procura de uma assistente. Nunca me tinha
passado pela cabeça”.
E foi assim a primeira incursão no mundo da música, como
assistente de produção do músico, compositor e maestro Thilo Krassman. “Ia com
ele para estúdio e ia aprendendo. Nessa altura estava ele a produzir o Pedro
Malagueta. Lembro-me disso particularmente bem porque, no dia das misturas,
diz-me ele: ‘Olha, eu não posso ir. Vais tu fazer a mistura com o Zé Fortes’”.
Ficou surpreendida, mas correu bem. “A voz e a mistura já fui eu sozinha. Ele
fez de propósito, claro”.
Mestre Thilo
Naquela altura, Cristiana Kopke era como a sombra profissional de Thilo Krassman, “andava sempre para trás e para a frente, porque o Thilo, na altura, era diretor musical de quase todas as revistas. Passava as noites com ele no Parque Mayer, dentro do fosso da orquestra”. E rapidamente começou a fazer parte do grupo. “Tive o privilégio de aos 20 anos, ainda uma miudeca, andar pela noite lisboeta como ela era na altura, fazer a voltinha que fazia aquele pessoal”. O grupo era constituído por pessoas como o César de Oliveira ou o Carlos Cruz. “Saía-se da revista às 3 da manhã e ia-se comer qualquer coisa que o pessoal estava cheio de fome, depois ia-se para a Cova da Onça ou para o Porão da Nau. Eu ia na boa, tipo menina com os tios todos. Era tudo pessoal mais velho e eu estava protegidíssima. Diverti-me imenso. E, de facto, foram os últimos anos da noite lisboeta, pelo menos como era naquela altura”.
Foto em Lisboa
O Cova da Onça ficava na Avenida da Liberdade. Era um bom
restaurante para se dar uns passos de dança, o mesmo onde, a partir de certa
hora, havia espaço para uma espécie de cabaré. Já o Porão da Nau ficava situado
na cave do mesmo espaço onde agora é a Cervejaria Maracanã, na Avenida Fontes
Pereira de Melo em Lisboa. O andar de cima, um restaurante, tinha o pertinente
nome de Convés. Foi o primeiro lugar de Lisboa a vender pizzas. O Porão era
frequentado por muitas estrelas nacionais e, por vezes, até algumas
internacionais, personalidades como a Gal Costa, Ella Fitzgerald ou Duke
Ellington embarcaram nas noites daquele espaço onde, por várias vezes, Thilo
Krassman atuou com a sua banda, o Thilo’s Combo. De resto, até tocaram no
espaço aquando a sua inauguração em fevereiro de 1965.
Não foi por acaso que a música surgiu na vida de Cristiana.
“Tive aulas de música desde criança, porque adorava e tinha a obsessão da
música, o meu pai comprou uma guitarra e eu enlouquecia a minha mãe. O Vicente
da Câmara [fadista que morreu em 2016], que era pessoa de ir lá a casa,
encorajou-me muito e eu na altura, com uns 15 anos, lá fazia umas coisinhas
ingénuas”.
Alguns anos depois destas primeiras experiências musicais
com as tais juvenis composições, viria a retomar a aventura, mas no campo da
produção. Assumiu um papel criativo pelo qual foi reconhecido passados poucos
anos, e isso deve-se em parte ao mundo publicitário. Foram os seus primeiros
sucessos, recorda-se bem: “Depois, com o Thilo tive uma experiência muito
engraçada que foi começar a escrever para jingles. Ele fazia as músicas e eu
fazia as letras. Fizemos até coisas que chegaram a ganhar prémios como um
anúncio da Yoplait. Foi um ano e meio, fui uma esponja de absorção de muito
conhecimento”.
Do concerto dos Tantra ao Duo Sarabanda
Nas férias cruzava o país de uma ponta à outra, sempre com
uma guitarra atrás e com a voz aquecida para cantar. Fez férias em comunidades
no Algarve ou em Vilar de Mouros. “Coisas daquela altura”, diz-nos. Um dia, ao
chegar a Alvor, no Algarve, à boleia com uma amiga, aproximava-se do estrelato
sem saber. Ouviram música. E disse-lhe a amiga: “Ah, é verdade, há um concerto
dos Tantra”. “E os Tantra eram uma banda fantástica”, lembra. “Eu e a minha
amiga pensámos: ‘Vamos lá ter com eles’. Com aquela falta de vergonha que se
tem naquela idade, entrámos durante o ensaio de som. Foi ali que conheci o
Armando [Gama] e já não nos largámos”.
Começam a namorar e a fazer coisas juntos, pouco depois
Armando Gama deixa os Tantra. Recorda-se da rapidez com que aquilo tudo
aconteceu: “Seis meses depois já tínhamos composto juntos uma série de coisas,
era tudo originais, aquilo começou a gerar o que viria ser o Duo Sarabanda. Um
dia, também o Tozé [Brito] falou de nós ao Milo [MacMahon], do Duo Ouro Negro.
Acho que o Tozé mencionou-nos, mas nem conhecia o nosso trabalho”.
Segundo Cristiana, “o Milo tinha na altura duas situações:
um restaurante no Campo Grande, onde é hoje a churrasqueira, que se chamava Os
Bons Velhos Tempos ou uma coisa desse género, e um bar que era o Hit, ali ao pé
da Avenida de Roma. Era um bar muito pequenino, uma salinha com um palco muito
pequenino com um balcão do bar ao lado. Nós começámos a tocar aos
fins-de-semana, tudo acústico. Era a nossa onda. Tínhamos um repertório baseado
em Simon & Garfunkel e Beatles. Começámos a aproveitar e a fazer musiquinhas
nossas e a introduzi-las, eram na mesma onda. Até que um dia o Tozé vai lá ao
fim-de-semana acompanhado de um senhor, o Cláudio Condé, que na altura era o
diretor da Polygram. Dali saiu o nosso primeiro contrato discográfico”.
Em 1980, o Duo Sarabanda participou no Festival da Canção da RTP. “Foi o único ano em que aconteceu em duas eliminatórias, até ali”. Confessa que ficou sempre com a sensação que a Polygram exerceu influência para uma possível vitória, mas isso não adiantou de muito, foram eliminados e nem chegaram à final.”
Dos Sarabanda ficaram ótimas memórias. “Tivemos muito sucesso. De muita qualidade, mas muito soft. Era um delírio. Íamos à província, nas condições que ninguém imagina”. Apesar de as condições não serem as mais profissionais, “no último ano dos Sarabanda tivemos 28 espetáculos no mês de agosto, nos sítios mais remotos que possas imaginar. Havia uma sede ainda muito grande de coisas novas. Eu e o Armando decidimos que em cada aldeia onde íamos havíamos de abrir sempre os espetáculos com uma música da região. Chegámos a Moura, à Praça de Touros, afinámos as gargantas e cantámos ‘Toda a vida fui pastor… todo a vida guardei gado’. E, na frase seguinte, entraram todos em harmonia. Eu toda arrepiada. O Armando olhava para mim… lágrimas nos olhos. Depois do espetáculo estive uma hora e meia a assinar autógrafos”.
Sempre a música, entre ela e
os outros
A paixão pela música tornava-se uma carreira e um amor
antigo deixava de ser hobby. “Sempre gostei de escrever letras, adoro escrever.
Sempre foi a minha forma de terapia, desde muito nova”. A letra mais conhecida
que escreveu, será, muito provavelmente, a da canção “Há Sempre Música Entre
Nós” e, segundo a nossa entrevistada, foi feita especificamente a pensar na
Dina. “A música já estava feita. Aliás, eu sempre trabalhei melhor assim. Claro
que também tive poemas já escritos, em que amigos me perguntavam se podiam
musicar. Mas por encomenda sempre trabalhei por cima da música. Também escrevi
para mais pessoas, como as Doce. Às vezes vejo nas listas da Sociedade
Portuguesa de Autores e fico surpreendida. Escrevi tantas, até para discos
infantis. Fiz várias adaptações de outras músicas para o Marco Paulo, escrevi
para o Luís Pedro Fonseca também. Escrevia muito, e eu e Armando éramos
conhecidos enquanto dupla, pelo tipo de sonoridade que fazíamos. As minhas
palavras encaixavam de forma perfeita nas notas dele. Portanto, havia muita
solicitação”. E a verdade é que ainda hoje escreve ocasionalmente para algumas
pessoas.
O Angel Studio, no Alto de S. João, foi berço de muito dos
discos clássicos da música portuguesa. Por exemplo, o primeiro disco que lá foi
gravado foi o Ar de Rock do Rui Veloso. Lena D’Água, Doce, Heróis do Mar, Xutos
& Pontapés, Fausto e muitos outros também lá gravaram discos que fizeram
história. Mas, para Cristiana Kopke, aquele lugar era muito mais que isso.
“Naquela altura, eu, o Armando e as Doce fazíamos os backing
vocals de toda a gente. Como também éramos amigos do Zé, passávamos lá a vida.
Isto foram anos em que o estúdio fazia parte do nosso percurso de dia”. E do
convívio nasceu algo mais: “Éramos muito amigos. Também, naquela altura, a cena
musical era muito diferente. As Doce vinham fazer as vozes para nós, nós para
as Doce. Naquele disco há até um assobio do Paulo de Carvalho. Porque éramos
todos amigos, funcionávamos em troupe”.
Cristiana lembra um de muitos dos “bons momentos” que lá
passou, que aconteceu no dia em que conheceram a Dina. “Ela entrou pela porta,
com a sua guitarrinha. Nós estávamos com uma pedra monstra nos cornos,
estávamos a rir-nos feitos parvos. A Dina só me disse anos depois que achou que
nos estávamos a rir dela”. A primeira impressão não impediu o que viria depois.
“Eu e o Armando quase que adotámos a Dina, a quem passámos rapidamente a chamar
de meia-dose [por causa da sua altura]”.
Mas muitas destas ligações terminaram com o fim da relação
com Armando Gama. “A relação acabou primeiro e ainda continuámos, mas era muito
difícil de gerir, e eu não era a pessoa mais madura do mundo. Em termos de
amadurecimento, acho que comecei a chegar ao estado adulto quando tinha 40.
Ainda hoje sou um bocadinho adolescente, mas já com maturidade e equilíbrio. E
gerir uma coisa daquelas é muito difícil”. Os Sarabanda chegavam assim ao fim.
Depois de anos de estrada e de estúdio, Cristiana estava num
impasse. Como seria o futuro? A solução acabaria por vir do norte. “A dada
altura, aquele maluco, o Sérgio [Castro] dos Arte & Ofício, estava em
Lisboa. Surgiu a conversa: ‘Podias vir trabalhar connosco uns tempos, que
aquilo é muita giro. Há lá uma miúda que canta connosco e tal’”. E foi para o
Porto, onde esteve um ano e meio, a fazer “coisas com uns e outros”. “Cantei
nos Arte & Ofício e nos Trabalhadores do Comércio [ambas com Sérgio
Castro], dependia dos concertos. Mas era mais Arte & Oficio.”
Por lá tornou-se amiga de António Pinho Vargas. Um dia
disse-lhe: “António, ando à procura de fazer coisas diferentes… Mas tenho
aquele problema, aquela coisa que já deves ter ouvido muita gente dizer: eu sei
o que não quero, mas não tenho bem a certeza sobre o que quero”.
Kriskopke e as noites
americanas em Lisboa
Voltou para Lisboa com vontade de fazer algo diferente, desabafou com António Avelar de Pinho, A&R da Polygram da altura: “Eu sei que vocês vão achar isto uma grande doideira. Mas eu gosto muito de Duran Duran e desta onda nova que está a aparecer. Gostava de experimentar uma coisa minimalista em termos instrumentais”. Carlos Maria Trindade, dos Heróis do Mar, foi chamado para o comando da produção do disco, dado o conhecimento que tinha sobre a tecnologia necessária para o trabalho em questão: sintetizadores. E assim nasce La Nuit Américaine, com Cristiana a assinar como Kriskopke, o seu nome artístico.
“La Nuit Américaine é uma homenagem ao [François] Truffaut, um grande cineasta francês, o primeiro europeu que arranjou uma maneira de filmar cenas noturnas em pleno dia. A isso chamou ‘La Nuit Américaine’, porque os americanos já tinham umas coisas nesse campeonato. E com as rádios, aquilo caiu-lhes no goto. Não há outra explicação”.
O disco foi redescoberto por apaixonados da música nos últimos anos, talvez por ser um dos melhores exemplos de synthpop em Portugal, ou por ser escandaloso que “Kodak” não seja um clássico da música portuguesa. Os preços subiram bastante nas lojas de revenda online, surgiu a história em algumas publicações e foi destacado em rádios. Cristiana tem reparado nisso: “Estou sempre a ver por aí, e vejo os direitos de autor nas cartas da SPA também!”. Já na altura foi outra história: “Aquilo não vendeu o que se esperava, apesar de ter passado muito na rádio”, diz.
Na promoção do disco, o pragmatismo e descaramento da
cantora destacava-se. “Eu dizia às pessoas: ‘Vocês querem-me entrevistar, eu
digo o que tenho a dizer. Agora vocês escrevem o que eu digo e não escrevem ao
lado’. E por acaso, devo dizer que não tenho a mais pequena queixa da imprensa
da altura, muito pelo contrário”. Um exemplo é a sua entrevista para uma
publicação da altura, a TVTop, onde se revelou sem preconceitos e com um
discurso em que abordava assuntos que eram tabu naquela altura. “Eu acho que se
as pessoas têm alguma coisa para dizer, dizem. Se não têm, digam: ‘Olha, eu
sobre esse assunto não tenho nada a dizer’”.
O que prometia ser a continuação do sucesso do Duo
Sarabanda, mas a solo, foi na verdade o princípio do fim do lado mais mediático
da sua carreira musical. “Quando iam começar os espetáculos ao vivo com esse
disco, cantei muitas músicas em bares onde atuava com frequência e integrei
algumas dessas músicas em espetáculos que fiz posteriormente”. Mas hoje deixa
questões sobre opções editoriais: “A altura em que esse disco saiu, eu acho —
mas posso estar completamente enganada — foi a mesma em que surgiu a mentalidade
que viria a ser a das décadas seguintes, algo como ‘ah, se isto funciona vamos
repetir a receita'”.
“Visage”, Funchal, Brasil
Mas Cristiana estava decidida a fazer coisas de outra forma.
“Depois do disco, pouco depois, conheci uns bailarinos brasileiros com os quais
comecei a trabalhar e em vez de insistir em fazer espetáculos relacionados com
o disco, montámos uma apresentação diferente. Uma coisa chamada Visage, com
dança, música e muito cuidado com o guarda roupa. Maluquice essa que teve um
sucesso enorme, de tal forma que no verão de 1983 fomos contratados para ir
para o Funchal. A banda-sonora ia desde o tradicional brasileiro candomblé,
passando por músicas brasileiras que todos nós conhecemos, mas abria com uma
enorme música do Jean Michel Jarre. Muito visual, muita roupa, muita coisa. Eu
mudava de roupa para aí 5 vezes. E cantava pelo meio também. Tive a ousadia de
fazer vocalizações por cima do Jean Michel Jarre.” Chegaram ao Funchal com um
contrato de 15 dias, mas o espetáculo correu tão bem que só saíram de lá 3
meses depois.
A série de atuações culminou no Teatro Municipal do Funchal,
onde, devido à dimensão, foi necessário adaptar os cenários, criados pelos seus
bailarinos. “Eram cenários feitos para boîtes, teve que se refazer aquilo tudo,
tinha uma série de estrados e eram pequenos.”
Durante o tempo de preparação foi contratada por vários
hotéis do Funchal para cantar, um deles era o Casino Park: “A minha ambição era
cantar com uma big band e eles tinham uma banda fantástica”. Foi convidada para
jantar em casa de um amigo da mãe, alguém que conhecia desde sempre. “Estava eu
nesse jantar e passa um senhor alto, muito bem parecido. Ele para e olha. E eu
olhei. Foi aquela coisa dos olhares. Veio o Carlos, que era o dono da casa, e
disse: ‘Ah, olha, apresento-te fulano coiso e tal’. Surpreendida, disse-lhe
assim: ‘Olhe, eu estou a cantar no Casino Park. Não quer lá ir?’. E no
fim-de-semana, estou eu a cantar, entra-me o homem. Foi daquelas histórias que
lemos nos livros. Começámos a sair a partir daquele dia, logo. E ele marcava
sempre encontro no Hotel Savoy. Eu achava normal, porque era um hotel bonito e
ele era um senhor, enfim… Houve um dia em que fui ter com ele à hora combinada
ao bar do Savoy e ele atrasou-se”. Ficou a fazer conversa com o barman, que já
conhecia, e disse-lhe:
– “Então o senhor Zé Dias?”.
– “Ah, o patrão?”
– “Mas qual patrão?”
– “Ai, senhora, o patrão”
– “Não, o Sr. Zé Dias”
– “Sim. É o Patrão”
Quando o “patrão” regressou, Cristiana disparou: “Olha lá, então não te passou pela cabeça dizeres-me que eras dono disto?” Ele respondeu: “Não, é-me indiferente”. “A família era dona do Savoy, de facto, tinham vendido o hotel e ele tinha lá ido, naquela ocasião específica, para ir recolher a última prestação do pagamento dos compradores. Pagamento esse que era feito em espécie, uma data de dólares com zeros à frente. Nós já estávamos muito envolvidos, aquilo era muito intenso.”
“Para aí 2 ou 3 dias depois, eu vejo-o preocupado. ‘Epá, estou aqui com um problema’. Naquela altura não se podia sair de Portugal com divisas para lado nenhum e ele vivia no Brasil.” Mas Cristiana Kopke era uma mulher com um plano: “Vou-te explicar. Agora vou para o continente, anuncio à imprensa que vou para o Brasil. Achas que quando chegar ao aeroporto alguém se vai lembrar de olhar para o que é que tenho na mala? Tu não sabes…” O plano deu certo. “E quando cheguei ao aeroporto era uma confusão”, lembra. Conseguiu chegar ao Brasil.
Aquela intensa história de amor acabou por perder gás e afastaram-se, mas ficou “no Brasil por paixão, uma porrada de anos”. Só voltou para a Europa em 1990 mas admite que “o Brasil foi muito importante porque estava em casa. E tenho muitas saudades do Brasil”.
Em 2011 criou um blog para contar a sua vida aos seus filhos
e, num dos posts, contava esta história, com pormenores. “Há aquelas mensagens
das pessoas que seguem o blog. Uma dia, recebo uma mensagem a dizer assim:
‘Gostei daquela parte da tua chegada ao Rio de Janeiro. Assinado: Zé Dias’
Mandei-lhe outra mensagem em maiúsculas em inglês. E o gajo respondeu-me assim:
“YEAH!”. Meses depois, largou o Brasil e veio ter comigo. 27 anos depois. E
estava tudo lá. Igual. Morreu-me há quase 3 anos, o estúpido. Mas tivemos
oportunidade de fechar o ciclo, de estar juntos. 27 anos depois. Ele agarrou,
fez as malas e foi ter comigo a Espanha”.
Na música, acabou por ter uma pequena tentativa de regresso em 1990 mas desistiu.
Fotos nos anos 90
Confessa-nos: “As pessoas perguntam-me muitas vezes: ‘Porque
é que não voltaste a cantar?’. Quando vim do Brasil ainda fiz uma tentativa
porque ainda tinha vontade de palco. E ainda andei para aí um ano e tal a
cantar nos hotéis aqui e ali. Mas depois cheguei à conclusão que o mercado já
estava muito complicado. Gosto muito de fazer barzinhos, mas os músicos já não
eram fiáveis. Cansei-me de ter problemas com pianistas que não apareciam no
dia. Quem assinava os contratos era eu e aquilo começou-me a stressar. E gosto
demasiadamente de música. A música para mim tem que ser uma coisa de prazer e
de dádiva, a minha sobrevivência económica não pode depender disso. Não tenho
esse feitio, não pode ser. Continuei a cantar, quando me apetece cantar, canto
para alguém. Mas porque sim, porque quero e porque me apetece”.
Fonte: Observador, 11 de novembro de 2017
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