A entrevista de Kamala Harris à CNN é a mais recente reviravolta altamente aguardada na corrida presidencial
Alfred
Hitchcock Presents / Profit-Sharing Plan - Suzanne Noel
A vice-presidente Kamala Harris enfrenta o próximo teste na
sua candidatura presidencial esta quinta-feira, com a sua primeira entrevista sem guião num grande meio de comunicação
desde que foi nomeada pelos democratas.
Harris espera prolongar o ímpeto que criou no início da sua
campanha - e evitar os tipos
de erros não forçados
que assolaram a sua primeira candidatura presidencial em 2019, bem como
os seus primeiros dias como vice-presidente. É também uma oportunidade para a
recém-indicada candidata aumentar o contraste com o adversário republicano
Donald Trump, de forma a atrair os eleitores indecisos e destacar as suas competências para
liderar na Sala Oval num momento tenso para os Estados Unidos, no
país e no estrangeiro.
Harris aparecerá ao lado do seu candidato a vice-presidente,
Tim Walz, num especial da CNN internacional em horário nobre, que irá
para o ar às 2:00 de Lisboa, numa altura em que se encontra numa digressão de autocarro destinada a colocar novamente
em jogo um estado indeciso que o Partido Republicano pensava estar perto de
garantir em novembro. A entrevista é o capítulo mais importante da campanha
entre a convenção democrata em Chicago e o debate presidencial marcado para
Filadélfia a 10 de setembro.
A entrevista, com Dana Bash, assumiu grande importância pela
apressada corrida que Harris está a fazer depois de se ter tornado a candidata
do seu partido, e devido à forma como isso se transformou numa questão entre as
campanhas rivais. É o mais recente momento altamente esperado numa corrida
selvagem, que viu Trump tornar-se o primeiro candidato de um grande partido a
ser condenado por um crime e o ex-presidente sobreviver a uma tentativa de
assassinato. Entretanto, o desempenho desastroso do presidente Joe Biden no
debate da CNN internacional em Atlanta desencadeou uma crise que pôs fim
à sua candidatura à reeleição.
As restantes grandes entrevistas televisivas, como a desta
quinta-feira, também desempenharam um papel importante - o presidente concordou
com várias numa tentativa de travar o seu deslize, mas apenas exacerbou as
preocupações sobre a sua idade e capacidade de cumprir um segundo mandato
completo.
Ao não marcar uma entrevista importante até agora, Harris
ficou exposta às queixas de Trump e de alguns observadores não partidários de
que estaria a tentar fugir ao escrutínio. Este facto fez aumentar o risco de quaisquer potenciais gafes serem aproveitadas pela
campanha de Trump. No entanto, um bom desempenho da vice-presidente seria mais um desafio para o
ex-presidente, que tem tido dificuldades desde que Harris transformou a
corrida, ficando em vantagem nos campos de batalha e angariando 500 milhões de
dólares.
Adicionando substância a um
lançamento feliz
Embora Harris tenha despertado um entusiasmo intenso na
convenção democrata, em Chicago, bem como em comícios alegres entre os democratas que estavam anteriormente
desmoralizados com as hipóteses de reeleição de Biden, ainda não entrou num
fórum onde as suas respostas e políticas possam ser examinadas. Os seus
discursos têm sido repletos daquilo que pretende fazer como presidente - desde aliviar o fardo económico dos
americanos, a desencadear um boom na construção de casas, a vencer a disputa
geopolítica do século XXI contra a China. Mas a vice-presidente não
tem sido específica quanto à forma exata de pôr em prática algumas dessas
aspirações e de as financiar numa Washington profundamente dividida.
A entrevista será avaliada para se perceber se Harris cria
espaço em questões-chave com Biden, já que ela se apresenta como uma candidata
de mudança, apesar de ter servido como vice-presidente numa administração pouco
popular. Harris já foi mais longe do que o seu chefe ao comprometer-se a combater os elevados preços das
mercearias que
afetam milhões de americanos. Esta reviravolta populista pode ser politicamente
inteligente, mas foi criticada por muitos economistas.
A entrevista tornou-se um obstáculo para a vice-presidente
porque os assessores de Trump têm-na incitado a fazê-lo há semanas,
aparentemente acreditando que ela vai recusar perguntas difíceis, que não vai
falar de pormenores políticos e que não tem instintos políticos ágeis. Em
comunicado, a campanha de Trump gozou com Harris, dizendo que ela tinha
"reunido a coragem de se sentar para uma entrevista 'conjunta' - depois de
39 dias a esconder-se dos jornalistas". Embora não tenha dado uma grande
entrevista, Harris respondeu a algumas perguntas de repórteres que viajaram com
ela.
Depois de anos como promotora de justiça, procuradora-geral
da Califórnia e senadora que se destacou em audiências de alto nível, Harris parece muitas vezes mais à
vontade para fazer perguntas penetrantes do que para as responder.
Faltam-lhe as décadas de experiência política que ajudaram a ex-candidata
democrata Hillary Clinton, por exemplo, a transformar entrevistas em seminários
de política. E, ao contrário
de Trump, ela não inunda os entrevistadores com torrentes de falsidades,
declarações ultrajantes e bombásticas, o que significa que ele consegue muitas
vezes desviar a atenção do que realmente diz.
Republicanos convencidos de
que Harris será exposta a situações de alta pressão
A confiança dos republicanos de que Harris pode ser exposta
numa entrevista televisiva tem origem numa entrevista individual que deu a
Lester Holt, da NBC, no início da sua vice-presidência, e que se centrou no seu
papel de emissária para as Nações Latino-Americanas, que representam a fonte de
grande parte da migração sem documentos para os EUA.
Quando
lhe perguntaram por que razão ainda não tinha visitado a fronteira sul dos
Estados Unidos enquanto vice-presidente, Harris referiu que também não tinha
visitado a Europa desde que assumiu o cargo. O seu desconforto serviu de
combustível para anos de ataques republicanos e a entrevista continua a pairar
sobre o seu mandato como vice-presidente. Nessa entrevista, Harris parecia mal preparada - um
cenário que parece pouco provável que se repita, tendo em conta que
está a preparar-se para o debate. Em entrevistas mais recentes, por exemplo, no
programa “60 Minutos" da CBS, em outubro deste ano, e com Anderson
Cooper da CNN, no final de junho, quando defendeu Biden, pareceu muito mais à
vontade.
A caminho da entrevista desta quinta-feira, os republicanos
também estão a exigir respostas sobre por que razão Harris abandonou algumas
posições que manteve na sua curta candidatura presidencial de 2020, incluindo
“Medicare for All”. A sua campanha também indicou que ela já não se opõe ao fracking - uma questão importante na
Pensilvânia, onde Trump está a destacar a indústria de energia de carbono da
Commonwealth.
Na quarta-feira, a campanha de Trump e os meios de
comunicação conservadores descreveram a presença de Walz, o governador do
Minnesota, na entrevista como uma muleta. No entanto, não é invulgar que os
candidatos presidenciais apareçam com os seus vice-presidentes. Trump sentou-se
com o seu candidato a vice-presidente, o senador do Ohio J. D. Vance, numa
entrevista amigável na Fox News em julho, que terminou com um segmento
de “perguntas dos fãs”. O antigo presidente também deu uma entrevista conjunta
com o seu recém-nomeado vice-presidente Mike Pence na sua penthouse da Trump
Tower no programa “60 Minutos”, em 2016. O candidato a vice-presidente tentou
sublimar as posições extremas do homem que o escolheu, enquanto Trump
interrompia constantemente.
Harris deu uma entrevista conjunta com Biden em 2020, quando
era a candidata a vice-presidente, e a candidata democrata Clinton e o seu
companheiro eleitoral Tim Kaine fizeram o mesmo em 2016.
Para além das disputas partidárias sobre a entrevista, há
muitas razões pelas quais faz sentido que os candidatos presidenciais se
submetam a entrevistas difíceis. Alguém que espera governar o país deve
sentir-se na obrigação de explicar o que planeia fazer - mesmo que possa
agradar aos seus diretores de campanha restringir as aparições a meios
partidários de baixo risco e a influenciadores empáticos das redes sociais.
Quanto mais entrevistas um político dá, mais experiente se torna. Um plano de
comunicação social mais robusto poderia ter ajudado Harris a aperfeiçoar as
suas capacidades antes de debater com Trump.
As presidências bem sucedidas são também construídas com
base no capital político acumulado durante a campanha. Já lá vão os tempos em que as campanhas
presidenciais se baseavam em discursos políticos de peso e, nesta
corrida apertada, o tempo é escasso para tais eventos. No entanto, os
candidatos presidenciais do passado provaram a sua credibilidade ao confiarem
os seus planos políticos junto dos eleitores. Em 1960, por exemplo, o candidato
democrata John F. Kennedy apresentou uma agenda na campanha sobre questões como
os direitos civis, a habitação e a política externa, que se tornou a base para
as realizações políticas da sua presidência e da administração subsequente de
Lyndon Johnson.
A entrevista desta quinta-feira surge no momento em que os
democratas debatem se Harris se deve concentrar mais em questões políticas ou
em traçar contrastes de carácter com Trump, enquanto diz aos eleitores que têm
uma oportunidade “fugaz” de ultrapassar a sua cacofonia.
Kate Bedingfield, ex-diretora de comunicação de Biden na
Casa Branca, diz que Harris precisa de usar a ocasião para deixar claro por
quem está a lutar e a sua promessa de proteger os eleitores do que ela vê como
ataques do Partido Republicano às suas liberdades. “Penso que ela não deve
ficar demasiado envolvida na ideia de que isto tem de ser um teste de política
de doutoramento de todas as possíveis linhas de ação de uma administração
Harris e deve usá-lo como uma oportunidade para enviar mensagens”, defende
Bedingfield, agora comentador da CNN internacional.
Mas Leon
Panetta, ex-diretor da CIA, secretário de Defesa e chefe de gabinete
da Casa Branca, diz a Brianna Keilar, do mesmo órgão de comunicação, que os
candidatos devem discutir questões em que acreditam para mostrar que podem
colocar o país num caminho melhor. E acrescenta: “É bom que saibam as respostas
a perguntas específicas, porque isso vai testar se estão ou não a falar em
termos gerais ou se têm realmente uma política específica que querem pôr em
prática”.
Fonte: CNN Portugal, 29 de agosto de 2024
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