Trump vestido de Zeus
Perry Mason
(1957-1966) – Patricia Breslin, Whit Bissell
A
Europa foi sequestrada; violada e gostou. Cedeu em tudo e ainda bateu palmas.
Trump zela pelos interesses do seu povo. Ursula zela pelo seu emprego e por uma
rede clientelar
Europa era uma linda princesa que vivia na Ásia. Um dia,
Zeus, pai dos deuses, viu-a a apanhar flores, apaixonou-se e raptou-a.
Transformou-se num majestoso touro branco, aproximou-se de Europa, manso e
meigo. A princesa ficou enlevada. Afagou-o, colocou-lhe uma grinalda ao pescoço
e, acreditando ir passear, sentou-se no seu dorso. Zeus levou-a, fundando este
continente. Assim reza a lenda grega, tão estafada como atual.
Não na Ásia mas na não-europeia Escócia, Trump impôs agora à
Europa um negócio de um trilião de dólares que só interessa aos EUA. A UE, tão
cândida como a princesa do mito, comprometeu‑se a comprar energias americanas no
valor de 750 mil milhões de dólares, investir
600 mil milhões de dólares na economia
dos EUA, a adquirir-lhe equipamento militar por centenas de milhões.
Por fim, pôs-lhe as flores ao pescoço: tarifas de 15% sobre os produtos exportados pela UE para os
EUA (outrora de 2% a 4%). Nenhumas tarifas sobre produtos americanos.
A Europa foi sequestrada; violada e gostou. Cedeu em tudo,
deu tudo em troca de uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. E a
princesa (nesta versão a Baronesa Von der Leyen) ainda bateu palmas. Zeus
riu-se e ela amochou.
Trump zela pelos interesses do seu povo. Ursula zela pelo
seu emprego e por uma rede clientelar. Ele é um
líder, ela uma criada vendida. Ele é consistente em defender a sua nação. Ela é
uma boneca insuflável.
Ufana e autoritária quando desfila, discursa ou atua sem oposição, fantoche quando confrontada. Um fantoche sabujo, uma traidora, que nos vai arrastar a todos para a guerra e para a fome.
Não mora aqui acordo nem qualquer negociação. Todas essas
expressões são apenas novilíngua requentada. Apenas há a imposição de um
império que dobra os seus vassalos, com a concomitante transferência massiva de
riqueza unilateral.
Fosse Von der Leyen tão boa a defender os nossos interesses
como é em propaganda e estávamos a salvo. Afinal, onde mora agora toda a
conversa sobre a soberania europeia, a “autonomia estratégica”, o combate à
dependência de potências estrangeiras?!
Depois, na prática, como bem alerta Ventura Leite, como se
vai conseguir ditar algo que viola os tratados europeus e a soberania dos
Estados-membros? Cederam soberania ilegalmente sem mandato?
É que os Estados-membros têm as suas necessidades
específicas com acordos de fornecimento, firmados e aprazados. Quem nos vai
obrigar a comprar petróleo americano porque a princesa assim o consentiu? Quem
vai impor a cada país europeu a compra de armas americanas? Quem nos obrigará a
financiar a economia dos EUA? Como, já agora? Que setor será patrocinado pelos
europeus? O automóvel? O agrícola? Quem o determina? Zeus?
Entretanto, Luís Montenegro já se regozijou com este
descaminho. Está de acordo com esta venda da Europa a retalho. Mas nem todos
estarão alinhados, nem com esta humilhação nem com esta derrama económica.
Alguns até terão agora o pretexto perfeito para invadir Bruxelas e pendurar no
pelourinho, um a um, cada desprezível eurocrata. Talvez seja o enterro do
projeto europeu ao som do Hino da Alegria dançado por um touro branco.
Joana Amaral Dias
Fonte: Sapo, 30 de julho de 2025
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