"Não são a favor da paz, são a favor da Rússia". Um país da NATO poderá em breve ter um líder pró-russo
The Veteran
(2011) - Ashley Thomas, Eboseta Ayemere
A Eslováquia está a preparar-se para eleger o seu quinto
primeiro-ministro em apenas quatro anos e, com o partido da oposição de Robert
Fico, simpatizante do Kremlin, a liderar as sondagens, esta é uma situação que está
a ser observada com alarme no Ocidente.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro passado,
a Eslováquia tem sido um dos mais firmes aliados de Kiev. Os dois países
partilham uma fronteira, a Eslováquia foi o primeiro país a enviar defesas
aéreas para a Ucrânia e acolheu dezenas de milhares de refugiados.
Mas tudo isso pode mudar se Fico chegar ao poder. O antigo
primeiro-ministro não esconde as suas simpatias pelo Kremlin e culpou os
"nazis e fascistas ucranianos" por terem provocado o Presidente russo
Vladimir Putin a lançar a invasão, repetindo a falsa narrativa que Putin utilizou para justificar a sua invasão.
Robert Fico apelou ao Governo eslovaco para que deixe de
fornecer armas a Kiev e afirmou que, se se tornasse primeiro-ministro, a
Eslováquia "não enviaria mais munições". Também se opõe à adesão da
Ucrânia à NATO.
Grigorij Mesežnikov, analista político e presidente do
Instituto de Assuntos Públicos, um grupo de reflexão eslovaco, disse
que, à semelhança de muitos simpatizantes da Rússia, Fico está a
enquadrar o seu apoio a Moscovo como uma iniciativa de "paz".
"Ele e os seus aliados argumentam que não devemos
enviar armas para a Ucrânia porque isso fará com que a guerra se prolongue por
mais tempo. Estão a dizer que 'haverá paz se deixarmos de enviar armas para a
Ucrânia' porque, se não o fizermos, o conflito terminará mais cedo. Portanto,
na sua essência, não são a favor da paz, são a favor da Rússia",
afirmou à CNN.
Fico foi primeiro-ministro da Eslováquia durante mais de uma
década, primeiro entre 2006 e 2010 e depois novamente entre 2012 e 2018.
Foi forçado a demitir-se em março de 2018, após semanas de
protestos em massa devido ao assassinato do jornalista de investigação Jan
Kuciak e da sua noiva, Martina Kušnírová. Kuciak denunciou a corrupção
entre a elite do país, incluindo pessoas diretamente ligadas a Fico e ao seu
partido SMER.
Caos e lutas internas
Os eleitores afastaram-se da SMER nas eleições subsequentes,
em 2020, e elegeram o partido de centro-direita Pessoas Comuns e Personalidades
Independentes (OLaNO).
Originalmente visto como uma lufada de ar fresco, o
OLaNO e o seu líder Igor Matovič acabaram por desiludir muitos dos seus
eleitores. Matovič, um milionário que se fez a si próprio, ganhou as eleições
com base numa forte plataforma anticorrupção, prometendo "limpar"
a Eslováquia.
Mas as suas credenciais anticorrupção sofreram vários golpes
logo no início. Foi forçado a admitir que tinha plagiado a sua tese de
mestrado e presidiu a um governo cheio de lutas internas.
Foi forçado a demitir-se ao fim de pouco mais de um ano,
depois de a sua decisão unilateral de comprar vacinas contra a Covid-19 à
Rússia ter provocado uma rebelião no seu governo de coligação.
Matovič trocou de lugar com o seu ministro das Finanças,
Eduard Heger, mas o caos continuou. Enquanto o país se debatia com as
consequências da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia, mais lutas
internas e conflitos pessoais levaram ao colapso da coligação governamental em
dezembro. Heger continuou como primeiro-ministro interino, mas também ele
acabou por se demitir em maio e foi substituído por um tecnocrata,
Ludovit Odor.
O caos dos últimos anos deu a Fico uma nova oportunidade.
"Um ano depois das últimas eleições, quase parecia que
o partido ia desaparecer completamente. Mas (Fico) conseguiu reabilitar-se e é
agora o principal candidato", disse Mesežnikov. "Os SMER ainda têm um
forte apoio entre os seus principais eleitores e este apoio está emocionalmente
ligado a Fico, mas também foram ajudados pelos muitos conflitos dentro do governo
e por alguns fatores externos, incluindo a Covid, a inflação elevada, a crise
energética e a guerra na Ucrânia".
A Eslováquia tem um sistema eleitoral complicado e uma
cena política fragmentada, com 10 grupos políticos potencialmente capazes
de atingir o limiar de 5% necessário para entrar no parlamento.
Isso significa que, mesmo que o partido de Fico ganhe as
eleições, é provável que precise de pelo menos um parceiro de coligação. Fico
não exclui a possibilidade de trabalhar com o Republika, um partido extremista
de extrema-direita que
afirma que a guerra na Ucrânia é uma consequência da "política de expansão
da NATO" e da "agressão de Kiev à minoria russa no leste da
Ucrânia".
A desinformação e a propaganda estão a ganhar
As lutas internas no governo e vários escândalos de
corrupção de alto nível enfraqueceram a confiança das pessoas nas instituições
públicas e criaram um terreno fértil para campanhas de propaganda e
desinformação.
No mês passado, a polícia eslovaca acusou o chefe de
espionagem do país e vários outros altos funcionários da segurança de
conspiração para abuso de poder. Fico, que é próximo de alguns dos envolvidos
no escândalo, descreveu a situação como um "golpe de Estado
policial".
De acordo com um inquérito do GlobSec, um grupo de
reflexão sobre segurança com sede em Bratislava, apenas 40% dos eslovacos acreditam que a Rússia é
responsável pela guerra na Ucrânia, a percentagem mais baixa entre os oito
Estados da Europa Central e Oriental e do Báltico que o GlobSec
analisou. Na República
Checa, que formava um único país com a Eslováquia, 71% das pessoas culpam a
Rússia pela guerra.
A mesma investigação revelou que 50% dos eslovacos
consideram os Estados Unidos - o aliado de longa data do país - uma ameaça à
segurança.
Dominika Hajdu, directora política do Centro para a
Democracia e a Resiliência da GlobSec, afirma que a Eslováquia é particularmente
vulnerável à propaganda russa.
"Alguns dos partidos que atualmente lideram as
sondagens estão a difundir as mesmas narrativas - por exemplo, que é o Ocidente que está a tentar
'arrastar-nos' para a guerra e que qualquer pessoa que seja pró-ucraniana é
automaticamente anti-eslovaca", afirmou.
A propaganda pró-russa está a ter eco também porque uma
grande parte da população sempre foi muito pró-russa e, mesmo agora, cerca de
um quarto das pessoas vê o Presidente russo Vladimir Putin de forma positiva.
"Historicamente, sempre houve uma forte narrativa pan-eslava
de que a Rússia era o irmão mais forte que protegia os eslovacos dos húngaros e
que depois libertou a Eslováquia dos nazis", acrescentou.
A Eslováquia tem uma relação complicada com a
Hungria, tendo feito parte do império austro-húngaro durante séculos. Os
húngaros são a maior minoria na Eslováquia e muitos húngaros ainda veem o
Tratado de Trianon de 1920, que redefiniu as fronteiras nacionais após a
Primeira Guerra Mundial, como uma injustiça contra o seu país. Este facto deu
origem a uma retórica nacionalista em ambos os lados da fronteira.
Věra Jourová, a principal responsável da Comissão Europeia
pelos assuntos digitais, disse que a votação de sábado será um
"teste" da eficácia das empresas de redes sociais no combate à
propaganda russa na Eslováquia, porque a questão é uma linha divisória nas
eleições.
"A Eslováquia foi escolhida (pela Rússia) como o país
onde existe um solo fértil para o sucesso das
narrativas russas pró-Kremlin e pró-guerra", disse Věra
Jourová, principal responsável pelos assuntos digitais da Comissão Europeia.
Mesežnikov disse que Fico e os seus aliados estavam a
aproveitar um cansaço e uma raiva crescentes entre os eleitores eslovacos sobre
o apoio inequívoco do governo à Ucrânia.
"O governo tomou uma decisão muito rápida e firme - e
eu diria que, ao fazê-lo, se encontrou no lado certo
da história - para apoiar a
Ucrânia", disse Mesežnikov. "A Eslováquia tornou-se um membro
proactivo da UE ao propor sanções contra a Rússia e enviou todo o equipamento
possível para a Ucrânia."
A decisão da Eslováquia de enviar defesas aéreas apenas
algumas semanas após o início da invasão foi seguida pela entrega de veículos
blindados, helicópteros, obuses e outros equipamentos. Também acolheu mais de
100 000 refugiados ucranianos - um número assinalável para um país com apenas
5,4 milhões de habitantes.
No entanto, Mesežnikov disse que um grande grupo de
eslovacos não concorda com essa abordagem - e que a SMER e a Republika foram
rápidas a começar a cortejá-los.
"O outro argumento deles, para além do da paz, é que
não devíamos estar a ajudar a Ucrânia porque isso é feito à custa dos
eslovacos. Dizem que é demasiado caro e que nos devemos preocupar apenas
connosco", afirma Mesežnikov.
Este é um argumento poderoso para os eleitores que se
debatem com uma crise de custo de vida, mas Mesežnikov disse que não se
baseia inteiramente em factos, uma vez que a maior parte do apoio é
subsidiada com fundos da União Europeia.
Fonte: TVI Notícias, 28 de setembro de 2023
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