Brasil vai retirar busto de padre António Vieira após lei contra defensores da escravatura
Idílio ou o Beijo Eterno (1922), em São Paulo, do escultor William
Zadig, representa um francês desnudo beijando torridamente uma indígena
brasileira
O Rio de Janeiro vai retirar um busto do padre António
Vieira após a aprovação de uma lei que proíbe o município de instalar ou manter
estátuas, monumentos e placas de defensores da escravatura, informou a imprensa
local.
Uma lista prévia feita pela vereadora Monica Benicio, uma
das autoras do projeto de lei, incluiu na lista de estátuas que terão de ser
removidas, além da do padre António Vieira, a do Marechal Luís Alves
de Lima e Silva, do Duque de Caxias e patrono do exército
brasileiro, apontado por historiadores como racista e autor de um massacre de
negros, detalhou o jornal a Folha de São Paulo.
A lista cita ainda uma estátua do general Humberto de
Alencar Castelo Branco, o primeiro dos cinco militares que governaram o
Brasil durante a ditadura imposta entre 1964 e 1985 e acusado de violações dos
direitos humanos
O busto em homenagem ao padre António Vieira encontra-se no
Rio de Janeiro desde 2011, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio), na sequência de uma doação da Câmara Municipal de Lisboa, em
retribuição ao busto do escritor Machado de Assis, doado em 2008.
António Vieira, padre jesuíta, teólogo, professor, diplomata
e orador eloquente, nasceu em Lisboa em 1608 e morreu no Brasil em 1697. Deixou
uma obra documental com 200 sermões e 700 cartas, sendo geralmente conhecido
como um dos principais defensores dos direitos dos povos indígenas,
especialmente no Brasil, onde, no século XVII, se insurgiu contra a exploração
e escravização das tribos indígenas.
A lei foi promulgada na terça-feira à noite pelo vereador
Carlo Caiado, depois de a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que tem de
regulamentar a iniciativa, ter deixado expirar o prazo de 15 dias para a
aprovar ou vetar.
“Agora é lei”, lê-se na nota oficial da Câmara Municipal do
Rio de Janeiro, esclarecendo que a medida entrou em vigor na quarta-feira,
apesar da omissão do município e do facto de o presidente de Câmara Municipal,
Eduardo Paes, ter evitado comentar o assunto.
“De acordo com a proposta, as homenagens já instaladas em
espaço público deverão ser transferidas para ambiente de perfil museológico,
fechado ou a céu aberto, e
deverão estar acompanhadas de informações que contextualizam e informem sobre a
obra e o seu personagem”, lê-se.
A lei veta a manutenção ou instalação de qualquer tipo de
homenagem que faça menção positiva ou elogiosa a pessoas que tenham praticado
atos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos ou ao respeito à
liberdade religiosa.
A norma cita especificamente figuras históricas que
defenderam a escravatura ou a eugenia ou que praticaram atos de natureza
racista.
“Ao dar visibilidade para determinada pessoa, o Poder
Público avaliza os seus feitos e enaltece o seu legado. A história brasileira
traz inúmeros momentos condenáveis, dentre os quais podem-se destacar o
genocídio dos povos nativos e a escravidão de africanos sequestrados”,
argumentou o autor do projeto, o ex-vereador Chico Alencar, citado no Diário
Carioca.
Na mesma nota, a coautora do projeto, Monica Benicio, do
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), declarou: “É preciso fazer uma
reparação histórica sobre esse período, principalmente para marcar posição
sobre a identidade e a postura que tomamos hoje sobre o Brasil que queremos
daqui para frente”.
“Por isso, a aprovação desse projeto é um passo importante
para promovermos uma sociedade justa e igualitária. Com o racismo não há o que
ser relativizado”, acrescentou.
Em 2020, após a vandalização da estátua do padre António
Vieira, em Lisboa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
considerou ter sido um gesto “verdadeiramente imbecil” contra a memória do
“maior orador português” e “um homem progressista” para a época.
O chefe de Estado manifestou-se contra a vandalização e
destruição de estátuas, em geral, defendendo que a história deve ser assumida
como um todo, e referiu-se em particular à estátua inaugurada em 2017 no Largo
Trindade Coelho, em Lisboa, do padre António Vieira com três crianças
ameríndias, que foi pintada com a palavra “descoloniza” a vermelho.
O Presidente da República acrescentou que o missionário
jesuíta do século XVII “lutou pela independência, foi um grande diplomata, foi
um homem progressista para aquela altura, perseguido pelos colonos portugueses
no Brasil, perseguido pela corte, a certa altura, perseguido pela Inquisição”.
“Foi um homem dos maiores escritores portugueses, foi o
maior orador português”, prosseguiu o chefe de Estado concluindo: “Portanto,
para a sua época, este homem, que era um visionário, ser considerado um exemplo
do que se quer destruir e demolir de memória, de testemunho da nossa História,
é uma coisa imbecil, verdadeiramente imbecil”.
Fonte: Executive Digest, 30 de novembro de 2023
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