Maria Luís, a ex-ministra de Passos que provocou a demissão de Portas e teve embate com Varoufakis (com Merkel pelo meio)
Joshua Tree
(1993) - Dolph Lundgren, Kristian Alfonso
Sai de
um grande banco mundial diretamente para a Comissão Europeia. Foi aplaudida à
direita, mas partidos à esquerda colam-na à austeridade e ao discurso do “ir
além da troika”. Foi apanhada na polémica com os contratos Swap, a sua escolha
ia provocando uma crise governamental em 2013 e teve um embate no Eurogrupo com
Varoufakis durante a crise grega, com Merkel e Schauble pelo meio
“Passista
convicta? Se isso significa que tenho em grande conta as qualidades de Passos
Coelho, enquanto líder do PSD, claramente subscrevo. Não sei se é isso que
significa ser ‘passista’, tenho sempre alguma dificuldade com esses conceitos,
mas contribuirei da forma que me for possível para o sucesso do líder Passos
Coelho”. A resposta foi dada por Maria Luís Albuquerque em abril de
2016, em entrevista ao Diário de Notícias.
Na altura, era vice-presidente do PSD e deputada, mas já
tinha colada a si a imagem
de escudeira fiel de Pedro Passos Coelho e do seu discurso do “ir além
da troika”.
Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque (Braga,
1967) é licenciada em Economia pela Universidade Lusíada de Lisboa e mestre em
Economia Monetária e Financeira pelo ISEG (Instituto Superior de Economia e
Gestão).
Integrou o Governo PSD/CDS em 2011 para assumir a secretaria
de Estado do Tesouro e das Finanças, tendo chegado a ministra das Finanças em
2013, após a demissão de Vítor Gaspar.
Começou a sua carreira como técnica superior na
Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) entre 1996 e 1999, passando pelo
ministério da Economia, a Refer (hoje integrada na Infraestruturas de Portugal)
e o IGCP, responsável pela dívida pública nacional. Foi também professora em
várias universidades, como a Lusíada, Moderna ou ISEG.
Atualmente, continua a integrar o conselho nacional do PSD.
Desde setembro de 2022 que é membro do conselho de supervisão, e das comissões
de auditoria, risco e nomeações, do Morgan Stanley Europe, um dos grandes bancos de Wall Street.
Antes, foi administradora não-executiva do Arrow Global Group entre 2016 e 2021.
Apesar dos aplausos à direita pela sua nomeação por Luís
Montenegro, as críticas à esquerda não foram meigas: uma “agente da troika no
Governo português”, segundo o Bloco de Esquerda, ou uma ministra que teve
“responsabilidades sérias no corte de salários e pensões”, de acordo com o PCP,
com o PS a considerá-la “responsável direta da política de austeridade para lá
da troika”.
À direita houve aplausos com o seu nome: Paulo Núncio pelo CDS saudou a “competência
e sentido de Estado”, com Luís
Montenegro a
elogiar publicamente: “pelo seu perfil e pelo conhecimento direto e pessoal que
tenho das suas capacidades sei
que vai honrar Portugal”.
A sua carreira política tem sido marcada por várias
polémicas. No momento em que se prepara para assumir um cargo na Comissão
Europeia recordamos algumas.
Portas rejeita Maria Luís
“Irrevogável”. A bomba atingiu o país pelas 16h20 do dia 2 de julho de 2013.
Paulo Portas batia com a porta do Governo PDS/CDS em protesto contra a nomeação
de Maria Luís Albuquerque para a ministra das Finanças, considerando que
representava a continuação das políticas de austeridade impostas pelo
antecessor Vítor Gaspar.
“O primeiro-ministro entendeu seguir o caminho da mera
continuidade no ministério das Finanças”, escreveu o então ministro dos
Negócios Estrangeiros na sua carta de seis pontos, considerando que a saída de
Vítor Gaspar “permitia abrir um ciclo político e económico diferente”. Uma das preferências de Portas recaia
sobre o então ministro da Saúde, Paulo Macedo.
Passos Coelho não fez caso e rejeitou a demissão, Portas
esteve demitido durante quatro dias, mas acabou por regressar com
mais poder no Governo, tendo sido promovido a vice-primeiro-ministro.
Maria Luís Albuquerque começou o seu mandato no Terreiro do
Paço debaixo de fogo. Mas mais polémicas iriam seguir-se durante os próximos
dois anos.
“Ruinosos” contratos Swap
Outra polémica a atingir Maria Luís durante o seu mandato
como ministra foram os contratos Swaps, considerados especulativos e
tóxicos, assinados entre empresas públicas e bancos, tendo dado origem a uma
Comissão Parlamentar de Inquérito. Estes contratos de cobertura do risco das taxas de juro, visam impedir
que uma empresa sofra com subidas significativas das taxas, transformando a
taxa variável numa taxa fixa. Mas em 2013, as taxas Euribor
começaram a afundar e os contratos passaram a representar perdas potenciais de
três mil milhões de euros para as empresas públicas.
O Governo Passos Coelho procedeu então a demitir
responsáveis de empresas públicas (como José Rodrigues da Silva da Carris, a
par de Vale Teixeira, Paulo Magina, e os então secretários de Estado Juvenal da
Silva Peneda e Braga Lino) que tinham assinado estes contratos e dedicou-se à
renegociação dos mesmos com várias entidades financeiras, incluindo o Deutsche Bank, JPMorgan, BNP Paribas, Barclays, Société Générale e Credit Suisse. O Santander Totta foi
o único que rejeitou renegociar, com o ex-secretário de Estado do Tesouro,
Ricardo Mourinho Félix, a considerar que a instituição “tinha os contratos mais
tóxicos e nocivos que existiam”. O responsável considerou que os contratos swaps
assinados com estes bancos eram “ruinosos”.
A
ministra acabou por ser apanhada na polémica pois quando liderou a área
financeira da Refer autorizou vários contratos swap (considerados
simples e não complexos no estudo do IGCP, que é tutelado pelo ministério das
Finanças), escreveu o Negócios em 2016.
“Houve uma coisa que percebemos todos. A Refer só tomou boas
decisões”, disse José Rodrigues da Silva no Parlamento em 2013 quando
questionado sobre os contratos assinados por Maria Luís Albuquerque. “Só a senhora ministra é que terá
de dizer quais foram os critérios para haver decisores que foram considerados
[como tendo tomado] más decisões e outros que foram considerados [como tendo
tomado] boas decisões. A minha demissão não foi fundamentada. Foi conveniente
no quadro político, na forma como Governo quis tratar o tema dos swaps”,
segundo disse então o ex-líder da Carris.
O cancelamento de contratos teve um custo elevado. Um tribunal inglês acabou por condenar várias
empresas públicas – Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP – em
2016 a pagar 1800 milhões de euros ao Santander pela quebra unilateral de nove
contratos swap celebrados entre 2005 e 2007.
Maria Luís vs Varoufakis no
Eurogrupo
Tal como o embate em 2015 com o polémico ministro das
Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis a 20 de fevereiro de 2015. Durante o dia,
a televisão grega Skai TV tinha noticiado que os governos de Portugal e de Espanha
tinham tentado bloquear o acordo que previa a extensão do empréstimo europeu
para a Grécia em
quatro meses.
Na conferência de imprensa após o final do Eurogrupo, o
ministro grego estava visivelmente tenso, mas evitou fazer críticas diretas aos
seus homólogos ibéricos. “A ministra portuguesa e o ministro espanhol são meus
colegas no Eurogrupo. Reconheço que têm as suas próprias prioridades políticas
e foi claro que estão motivados por estas prioridades”, afirmou então.
Em reação, Maria Luís disse: “O que fiz dentro do Eurogrupo, como sempre faço, foi
defender os interesses de Portugal”, explicando que no encontro
pediu que fosse seguido o “procedimento habitual”: que a troika reportasse ao
Eurogrupo a avaliação das medidas apresentadas por Atenas, afirmou em
entrevista à “TVI” a 21 de fevereiro.
Anos mais tarde, o economista grego voltou a abordar este
episódio no seu livro Comportem-se como adultos, (publicado em Portugal
em 2017). Varoufakis contou que em 2015 forjou um acordo secreto com a
chanceler alemã, para Atenas obter um novo acordo com o Eurogrupo, com Angela
Merkel a passar por cima do seu ministro das Finanças (o todo poderoso Wolfgang
Schauble, que morreu em 2023), que deixou várias críticas no encontro à decisão
do Eurogrupo, que contava com o apoio do FMI e do BCE.
“Perdi a conta ao número de intervenções dele – mas devem
ter sido mais de vinte. Os únicos ministros que o apoiaram foram a portuguesa
[Maria Luís Albuquerque] e o meu vizinho do lado, o ministro espanhol Luis de
Guindos, que falou mais de dez vezes”, escreveu no seu livro, citado pelo Público
em 2017.
Criticada no PSD
A sua própria ascensão no partido foi alvo de críticas
públicas por reconhecidos militantes do PSD no congresso realizado em abril de
2016.
Pedro
Duarte, hoje ministro dos Assuntos Parlamentares, foi uma dessas
vozes: “Acho bem que ele se rodeie das pessoas com quem se sente melhor. Acho
que tem a ver com o perfil da liderança. Se estivesse no lugar dele
provavelmente teria feito uma opção diferente”.
Já o ex-secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, foi
outra das vozes: “Visto de fora é a continuidade da mesmíssima equipa que tem
acompanhado Pedro Passos Coelho”, segundo a RTP.
Banif e a Arrow
Em março de 2016, nova polémica. A ex-ministra é contratada
pela britânica Arrow Global (especializada
na angariação e recuperação de dívida pública e privada e de análise de risco)
que estava envolvida na
avaliação de ativos tóxicos do banco Banif, tendo comprado carteiras de crédito
em 2014 ao banco.
Na Arrow, assumiu funções de diretora não executiva e fez
parte do comité de auditoria e risco da Arrow Global.
Maria Luís rejeitou
qualquer incompatibilidade e não deixou o seu cargo de deputada. “As funções que vou
desempenhar são de natureza estritamente não executiva, isto é, sem
participação nas decisões sobre negócios em concreto, em Portugal ou noutros
países”.
O Banif acabou por explodir no final de 2016, com o Governo
de António Costa, recém-empossado, a decidir pela resolução do banco.
O ex-primeiro-ministro socialista acusou o Governo de Passos
Coelho de inação e de ser o responsável pelo fim do Banif e pela destruição de
vários bancos.
“Por sua responsabilidade, destruiu um banco como o Banco
Espírito Santo (BES), conduziu à destruição de um segundo banco, caso do Banif,
e se não tivesse mudado o Governo gostava de saber quantos mais bancos teriam
sido destruídos. Há um
seguramente que teria sido destruído, a CGD, ou, pelo menos, teria sido
empurrado para uma privatização que privaria os portugueses de terem um
instrumento fundamental ao serviço da economia”, disse António Costa em
novembro de 2016 à “Agência Lusa”.
Em reação,
Maria Luís Albuquerque considerou que as declarações foram “sinal de grande
ignorância”.
Acusada de “martelada” nas
contas do BPN
Em setembro de 2015, nova polémica. Uma administradora da
Parvalorem, Paula Poças, acusa o Governo de Passos Coelho de esconder os
prejuízos do antigo BPN para não agravar as contas do défice de 2012.
Paula Poças fez a denúncia à Antena 1 acusando a
então ministra das Finanças de maquilhar as contas públicas, retirando de forma
artificial 157 milhões de euros do défice orçamental de 2012.
“Foi uma martelada que demos nas contas. Eu nem questionei,
as ordens vinham de cima para recalcular as imparidades de forma a baixar o
valor. Atuamos dentro da margem que tínhamos”, disse uma fonte anónima á Antena
1 na altura.
Em reação, o ministério das Finanças rejeitou qualquer
manipulação das contas.
“O registo contabilístico de imparidades é função de
estimativas de perdas futuras em créditos existentes. As imparidades são
avaliadas e validadas pelos auditores das empresas de acordo com os critérios
definidos para o efeito e adequadamente refletidas nas contas. Refira-se que
qualquer materialização ou não dessas perdas é sempre registada nas contas da
Parvalorem no momento em que se verificam, com o correspondente impacto nas
contas públicas, pelo que não há qualquer manipulação ou ocultação de contas”,
disse fonte oficial do Terreiro do Paço.
Fonte: O Jornal Económico, 29 de agosto de 2024
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