Agente Krasnov? As teorias sobre Trump, o KGB e a Rússia
Perry Mason
(1957-1966) – Ray Collins, Lee Miller
Marcelo
Rebelo de Sousa chamou “ativo russo” a Donald Trump. Má escolha de palavras?
Nos últimos anos, vários ex-agentes do KGB têm feito, sem apresentar provas,
alegações sobre a ligação de Trump a Moscovo
As declarações do presidente da República sobre o
favorecimento que Donald Trump tem dado à Rússia têm sido noticiadas lá fora,
com destaque para meios ucranianos em inglês, apesar de nenhum grande meio
estrangeiro ou agência noticiosa global ter pegado no tema.
“Com uma coisa peculiar e
complexa: é que o líder máximo da maior superpotência do mundo, objetivamente,
é um ativo soviético, ou russo. Funciona como ativo. Estou a dizer que, em
termos objetivos, a nova liderança norte-americana tem favorecido estrategicamente
a Federação Russa”, disse Marcelo Rebelo de Sousa esta semana.
Má escolha de palavras do presidente? É que a palavra
“ativo” é usada no mundo da inteligência para descrever alguém que trabalha
para um serviço secreto (quer seja obrigado (devido a chantagem) ou em troca de
dinheiro, por exemplo) a recolher informação classificada para um país estrangeiro,
ou alguém numa posição de poder que tente influenciar decisões ou que garanta
que certos interesses não são afetados.
De há alguns anos a esta parte, várias teorias têm sido
noticiadas sobre um alegado envolvimento de Donald Trump com a Rússia e os
serviços secretos russos. O atual presidente americano sempre rejeitou qualquer
envolvimento com a Rússia.
Este ano, o ex-líder dos serviços de inteligência do Cazaquistão disse que Donald
Trump foi recrutado pelo KGB em 1987 quando o então empresário do
imobiliário, com 40 anos, visitou Moscovo e que teria
o nome de código ‘Krasnov’. Alnur Mussayev disse que Vladimir Putin
tem em sua posse o ficheiro de Trump ao serviço do KGB, mas a alegação foi
feita sem a apresentação de provas, de acordo com a Euronews.
Já Sergei Zhyrnov – ex-agente do KGB que vive em França – alegou
que Trump vivia rodeado de operacionais do KGB durante 24 horas por dia durante
a sua visita a Moscovo, do condutor do táxi à empregada de limpeza do hotel.
O responsável também sugeriu que Trump pode ter caído numa
armadilha sexual, uma tática conhecida por “kompromat” (ler mais abaixo), pois todas as
prostitutas de alto nível trabalhavam com o KGB. Outra hipótese,
é ter sido apanhado a subornar responsáveis de Moscovo, pois tinha a ideia de
construir um hotel na capital soviética, segundo o The Hill.
Há um terceiro ex-agente do KGB a alegar o envolvimento de
Trump com os serviços secretos russos.
Yuri Shvets esteve colocado em Washington na década de 80 e
compara o presidente dos EUA aos ‘cinco de Cambridge’ os estudantes
universitários que foram recrutados pela URSS durante os seus estudos e que
entraram depois nos serviços secretos russos e alimentaram-nos com informação
classificada durante a segunda guerra mundial e a fase inicial da guerra fria.
O mais conhecido deste quinteto é Kim Philby, que acabou por
desertar para a URSS e morrer exilado. O escritor britânico Bem MacIntyre tem
um livro dedicado à história verídica deste duplo espião: “Um espião entre
amigos – Kim Philby e a grande traição”.
Yuri Shvets foi uma das fontes principais do jornalista
Craig Unger para escrever o livro American Krompromat: “Como o KGB
cultivou Donald Trump”.
“Este é um exemplo onde pessoas foram recrutadas quando eram apenas estudantes e atingiram posições importantes: algo assim estava a acontecer com Trump”, afirmou em 2021, em entrevista ao Guardian.
Segundo o ex-espião que vive nos EUA desde 1993, Donald
Trump apareceu no radar dos russos em 1977 quando casou com a sua primeira
mulher: Ivana Zelnickova, uma modelo checa.
A partir daqui, o empresário começou a ser espiado pelos
serviços secretos da Checoslováquia (StB) em cooperação com o KGB.
Foi em 1980 que o Trump abriu o seu primeiro grande projeto
– o Grand Hyatt New York Hotel – perto da estação Grand Central em Nova Iorque.
Para o hotel comprou 200 televisões à empresa de Semyon
Kislin, um imigrante soviético controlado pelo KGB. Kislin identificou o
potencial de Trump: um jovem empresário em ascensão. Kislin já rejeitou
qualquer ligação ao KGB.
Mais tarde, em 1987, Trump e Ivana visitaram Moscovo e São
Petersburgo, com operacionais da KGB a alimentar a ideia de que Trump devia
entrar na política.
“Para o KGB, foi uma operação de charme. Eles tinham muita
informação sobre a sua personalidade, portanto sabiam quem ele era
pessoalmente. O sentimento é que ele era
extremamente vulnerável intelectualmente e psicologicamente e muito sensível a
elogios”, disse o ex-espião ao Guardian.
“Foi isto que exploraram. Jogaram o jogo como se estivessem
imensamente impressionados com a sua personalidade e transmitindo-lhe que ele
era o tipo que devia ser presidente dos EUA um dia: são este o tipo de pessoas
que podem mudar o mundo. Eles alimentaram-lhe com uma série de soundbites
e funcionou- Foi um grande acontecimento para o KGB”, acrescentou.
Quando então regressou aos EUA começou a explorar uma
nomeação republicana para a campanha presidencial e chegou a realizar um
comício. Começou também a publicar anúncios em jornais, onde criticava o Japão
por considerar que explorava os EUA e também expressava ceticismo sobre a
participação dos EUA na NATO. Chegou mesmo a escrever uma carta aberta ao povo
americano: “A América devia parar de pagar para defender países que não se
podem defender a si próprios”.
Shvets tinha, entretanto, regressado a Moscovo e revela como
as ações de Trump foram bem recebidas na primeira diretoria do KGB na sua sede.
“Nunca tinha acontecido nada assim. Eu tinha conhecimento
das medidas ativas do KGB nas décadas de 70 e 80, e depois das medidas da
Rússia, mas nunca ouvi nada semelhante. Era difícil acreditar que alguém
mandaria publicar [anúncios] no seu nome e que iria impressionar pessoas sérias
no ocidente, mas foi o que aconteceu e ele tornou-se presidente”, afirmou.
Shvets diz que a vitória em 2016 de Trump também foi bem
recebida por Moscovo.
Uma investigação do projeto Moscovo concluiu que a campanha
de Trump e a equipa de transição tinham tido mais de 270 contactos e quase 40
encontros com operacionais ligados à Rússia. No entanto, a investigação oficial
de Robert Muller de 2019 concluiu que não houve conspiração de Trump com a
Rússia para interferir nas eleições de 2016.
Shvets deixa críticas à investigação de Muller à
interferência russa nas eleições norte-americanas. “O relatório Muller foi uma
grande desilusão porque as pessoas esperavam que fosse uma investigação
aprofundada entre Trump e Moscovo e ele limitou-se a investigar os assuntos
criminais, deixando de fora os aspetos de contrainteligência desta relação”.
Já o autor do livro Craig Unger concluiu que Trump era um
“ativo”. Todavia, considera que não houve um grande plano para Trump chegar à
presidência, o que aconteceu somente por mero acaso. “Nos anos 80, quando
começou, os russos estavam a tentar recrutar muita gente e tiveram como alvo
dezenas e dezenas de pessoas. Trump foi o alvo perfeito: vaidoso e narcisista
foi o alvo natural para recrutar. Ele foi cultivado durante 40 anos, até à sua
eleição”.
Kompromat ou a arte russa de ‘fazer amigos’
Esta estratégia chama-se em russo “kompromat”: tentar obter
informações sensíveis sobre uma pessoa (como fotos ou vídeos de algo
comprometedor) para depois fazer pressão ou chantagem sobre essa pessoa. Se não
cumprisse o pretendido, os serviços secretos destruiriam a reputação da pessoa
em causa.
O KGB da União Soviética aperfeiçoou ao máximo esta tática, mas é usada
atualmente por serviços de inteligência de todo o mundo.
Um ex-embaixador britânico revelou à CNN que os diplomatas
são avisados sobre o Kompromat quando são enviados para a Rússia.
“Faz parte de como a Rússia trabalha, que os serviços de
inteligência recolham informações sobre indivíduos para usá-las para obterem
alguma vantagem”, segundo Tony Brenton.
O Kompromat é até usado hoje em dia pelos atuais serviços
secretos russos, incluindo o FSB sucessor do KGB, para recolher todas as
informações possíveis.
“Os serviços de segurança russos sugam tudo, porque pode vir
a ser útil algum dia. Os aliados de hoje podem virar inimigos depois”, disse em
2017 à BBC David Filipov, à época correspondente do Washington Post em
Moscovo.
Fonte: Diário Económico, 30 de agosto de 2025
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